Análise: The Princess Guide (Switch) é um misto de beat 'em up e RPG que diverte em meio ao caos

Jogo da Nippon Ichi traz treinamento de princesas em ação tática — mas a pergunta que fica é: quem tutora o tutor?

em 22/03/2019

Uma das marcas mais fortes da produtora Nippon Ichi é a exploração experimental de certas mecânicas tradicionais dos games, muitas vezes envolvendo transformar modelos já conhecidos em experiências o mais caóticas e extravagantes o possível.

The Princess Guide (Switch) não foge à regra: com uma proposta de combinar RPG com elementos táticos e beat 'em up em uma narrativa focada em escolhas, o lançamento resulta em um misto inusitado de ideias diversas. Algumas delas conseguem ser convertidas em sistemas acessíveis e divertidos logo de cara, enquanto outras só farão sentido após uma boa cota de coçadas no queixo. O resultado final dessa mistura? Confira com a gente!



Um conto de quatro reinos

A trama de The Princess Guide se passa em um mundo de fantasia marcado por sociedades já decadentes em relação à sua era de ouro. As Relic Islands recebem esse nome justamente por serem povoadas por artefatos antigos — as Relics — que servem de lembrança dos tempos áureos do local. Assumindo o comando de um veterano de guerra convertido em tutor particular de guerreiros, o jogador se aventura por quatro reinos diferentes atendendo aos pedidos de orientação por parte de suas governantes locais — as titulares princesas.

A narrativa se desenvolve com uma sequência curiosa de escolha—ramificação—escolha. O jogador seleciona uma das quatro princesas para iniciar sua tutoria, e após cumprir seu segmento particular de história vai sendo levado aos segmentos das outras três princesas restantes. Ao final, o jogador faz uma nova escolha entre as quatro para decidir qual desfecho irá acompanhar.



A nação agricultora de Alixon Kingdom é uma rara ilha de prosperidade e fartura, mas sofre com o ataques de monstros liderados por um dragão mitológico. A energética e comilona princesa Liliartie contrata os serviços do Tutor para ajudar sua Kingsguard a lidar com a situação. E, quem sabe, descolar um cobiçado bife de dragão no processo.

Já a sinistra Rusty Magic Guild é quem governa um local marcado pela tirania do mais forte. Não por menos, a guilda é chefiada pela maga-prodígio Veronica, que deseja a ajuda do Tutor para desvendar os segredos mais profundos das Relics antes que as facções dissidentes o façam. Mas será que é uma boa ideia ajudar uma tirana a tomar posse de tamanho poder?


A cidade de Mercantile Trade Coalition é um centro urbano comercial que já viu dias melhores. O grupo de mercenários liderados pela princesa Monomaria é o maior símbolo dessa decadência: herdeira da familia Yudaria, que um dia foi a mais rica e poderosa de todo o continente, a guerreira amarga agora uma vida de miséria e conta com seus seguidores fiéis — e com seu recém-contratado Tutor — para tentar restaurar a honra de seu nome.

Por fim, em North Kamara Clan encontra-se a princesa meio-dragão Alpana. Sacerdotisa da antiquíssima North Kamara Faith, a bondosa jovem sonha em obter a paz entre as nações e espécies de Relic Islands. Para tanto, ela conta com a ajuda de um Tutor que possa ensiná-la sobre a cultura de cada um dos povos do continente.



A narrativa é realizada principalmente via sequências de diálogos entre as batalhas. Logo de início fica claro que o humor é um dos grandes focos da história. Os personagens são carismáticos e as situações exploram desenvolvimentos interessantes suas tramas — porém não espere nada muito complexo.

Um dos aspectos mais interessantes é acompanhar a diferença radical de personalidade de cada princesa, o que supostamente deveria interagir com o sistema de tutoria do jogo. No entanto, os raros momentos interativos da trama se limitam a uma escolha simples entre elogiar (Praise) ou dar uma bronca (Scold) na princesa — não raramente em momentos nos quais isso não parece fazer muito sentido.

Com isso, o aspecto interativo acaba sendo confuso e um tanto supérfluo. Não há altos níveis de forçação de barra no sentido de fanservice, mas é certo que o apelo da narrativa dependerá do jogador ao menos apreciar uma narrativa despreocupada em estilo anime.


Princesas em guerra

Como sucessor espiritual do divertido Penny-Punching Princess (Switch), o jogo herda diretamente muito do estilo e das mecânicas de seu antecessor, mas as transforma consideravelmente em torno de uma visão mais ambiciosa. O combate (rodando visivelmente na mesma engine) continua a trazer uma jogabilidade de beat 'em up frenética e bem trabalhada. 

Ao invés de se ater ao controle de uma das princesas, o jogador agora conta com um pequeno batalhão que recebe ordens táticas e oferece suporte variado em campo. A transformação adiciona um pouco mais de velocidade e ação à dinâmica já agitada do predecessor, fazendo com que as batalhas por vezes se assemelhem a uma espécie de "musou 2D" com visão de sobrevôo.


Além da respectiva princesa da vez, o jogador também assume o controle de uma variedade de outros comandantes, os quais são seguidos por suas respectivas tropas. Seu avatar customizável no jogo, o Tutor, é o único que se mantém constante por entre os segmentos, sendo que outras unidades genéricas randômicas podem ser recrutadas facilmente. Cada tropa comporta até três tipos de soldados, que aparecem duplicados em campo. 

A dinâmica de cada segmento se dá em um mapa tático dividido entre pontos de interesse e estradas, nos quais as tropas aliadas e inimigas são representadas por peões. A movimentação pelo mapa se dá de acordo com o ritmo de um relógio interno, sendo que vários elementos são contados a partir dele — por exemplo, após retirar uma tropa para a base com o comando Withdraw é necessário aguardar um período de 5h, enquanto algumas missões trazem um intervalo de tempo específico para serem ativada ou para se cumprir certos objetivos.


As batalhas são usualmente bastante frenéticas. Cada princesa conta com seu arsenal próprio de ataques e estilo de luta: Liliartie luta ao estilo corpo-a-corpo com um machado, Veronica investe nos projéteis mágicos e ataques de área, Monomaria vale-se de uma metralhadora laminada para combinar ataques de tiro e corte e Alpana utiliza-se de movimentação rápida e vôo para atacar os inimigos de todos os lados com suas lâminas gêmeas.

Os combates acontecem em mapas de pequeno porte, povoados por inimigos e Relics, armadilhas diversas que geralmente oferecem perigo à sua tropa, mas que uma vez convertidas podem ser utilizadas contra os inimigos. Além dos inimigos espalhados pelo mapa, ao chegar em alguma áreas específicas, uma barreira cerca a tropa do jogador em uma arena temporária e inicia um combate em levas, que geralmente serve como obstáculo para se habilitar a passagem ao próximo nível do mapa.



A luta envolve o uso de técnicas variadas em dois modos. No modo padrão, Commander Mode, é possível batalhar e se movimentar em alta velocidade, ao mesmo tempo em que se administra a captura das Relics espalhadas pelo mapa. O botão Y é usado para o ataque padrão, X para ordenar o ataque especial do soldado selecionado atualmente (que conta com um número limitado de vezes em cada batalha), A captura a Relic atualmente disponível no mapa ou desencadeia um ataque padrão da tropa (caso não haja nenhuma Relic próxima), enquanto B ativa um movimento de dash

Segurando o botão R é possível entrar no Battle Mode, onde opções mais destrutivas como ataques de área e ataques de mobilidade podem ser utilizados, às custas de menor mobilidade e de perda do controle de sua tropa. De especial interesse é a combinação R+A, que dispara um EX Attack, ataque específico de uso limitado ligado à arma atualmente equipada pelo comandante. 

Segurando o botão L, o comandante tem acesso a um menu de formações através do qual pode obter diferentes buffs e efeitos extras por parte de suas tropas. Essas formações dependem do nível de Dominance, indicado no canto superior direito da tela, para poderem ser utilizadas. 

Por fim, o sistema de tutoria através do qual nosso personagem desenvolve as habilidades e conhecimentos de sua aprendiz, se faz presente em batalha de duas formas: através do Direct Guidance e do sistema de Materia.

Pressionando L+R, é possível ativar o Direct Guidance, onde o Tutor escolhe elogiar (Praise) ou dar uma bronca (Scold) em sua aluna. Cada princesa reage aos feedbacks de forma diferente, tanto em termos de buffs temporários em batalha, quanto no desenvolvimento de seus atributos a partir desse histórico de interações. O sistema de Materia, por sua vez, é o principal meio de desenvolver a personagem. Cada Materia conta com condições de desbloqueio e de aprendizagem, e deve ser desbloqueada, equipada e aprendida em combate antes de ser por fim assimilada pela princesa, garantindo determinado crescimento em seus atributos.


Lições difíceis

Ufa! Se essa descrição toda pareceu um tanto longa e com elementos e detalhes demais, então eu consegui te passar bem a ideia de como se estrutura o sistema de batalhas deste game. Embora conte com várias ideias muito interessantes, a sobreposição desses subsistemas não funciona muito bem por diversos motivos que podem ser resumidos da seguinte forma: The Princess Guide tenta fazer várias coisas, mas não se aprofunda muito bem em nenhuma delas. Piorando a situação, mesmo os sistemas mais bem executados acabam sofrendo pela falta de informações e orientação do jogo a respeito de seu funcionamento.

Com todas essas opções na mesa, poderia-se imaginar que as batalhas de The Princess Guide se organizariam no sentido de se afastar um pouco do beat 'em up em direção ao combate tático. A realidade, no entanto, é outra: na maioria dos desafios, a opção com melhor retorno será o bom e velho spam do ataque regular (Y) em combos estratosféricos, combinados aqui e acolá com um ataque do tipo break (X) por parte das tropas. 

As outras opções, como os buffs de formação, acabam restritas ao uso pontual em batalhas mais longas ou chefes — já que o sistema de Dominance bloqueia o seu uso em combates mais curtos. As Relics, por sua vez, são uma adaptação dos artefatos "subornáveis" de Penny-Punching Princess. Sem se utilizar da mecânica charmosa de pagamentos em dinheiro do antecessor, a captura de Relics acaba adquirindo ares de opcional, servindo principalmente para cumprir requisitos para se desbloquear Materias. Não ajuda que a captura de Relics não seja no desbloqueio e criação de itens, como acontecia no antecessor.

As próprias Materias em si, embora sejam um conceito muito interessante no papel, não são implementadas de forma satisfatória. Mesmo deixando de lado o trabalho insuficiente do jogo em explicar o sistema, o fato é que as condições e efeitos de cada uma são diversos e aleatórios demais, e pouco parecem influir em termos de efeitos em batalha para os personagens. Não há muita ligação narrativa entre determinado tipo de Materia e os efeitos que ela oferece — por exemplo, Materias obtidas a partir de feitos ofensivos não necessariamente atuarão no sentido de oferecer bônus ofensivo aos atributos da personagem. Os próprios atributos das princesas — Strength, Wisdom, Spirit, Moral e Faith — são introduzidos sem muita explicação, o que dificulta especialmente nos itens menos intuitivos, como é o caso dos dois últimos.



Com sistemas desnecessariamente complexos de um lado e a falta de um tutorial suficiente por outro, o resultado acaba sendo o de uma experiência mais "achatada" do que a premissa do game parecia ter a oferecer. Em certo sentido a experiência de jogo parece, surpreendentemente, menos complexa do que a de Penny-Punching Princess, mesmo após a introdução desses inúmeros elementos novos.

Ao invés de gerenciar tropas diversas e bolar estratégias para o treinamento mais eficiente de sua princesa, o jogador provavelmente se verá destroçando hordas de inimigos com ataques padrão e ensinando as Materias de acordo com a sua ordem de obtenção. Afinal de contas, não fazê-lo é praticamente pedir para se perder em meio à especulação sem fim sobre os sistemas do jogo — e sobre coisas cujo impacto na jogabilidade é mínimo.

Dia da formatura

A produção parece ter consciência dessas limitações de suas mecânicas. Isso é indicado pela dificuldade bastante moderada encontrada na maior parte da história, que não exige da parte do jogador grande planejamento tático nem na administração das tropas no mapa geral, nem no contexto de batalha em si. A experiência de tutoria acaba sendo bastante rasa tanto na frente narrativa quanto nas batalhas, resumida aos sistemas de Materia e de Direct Guidance, ambos mal explicados e cuja influência sobre a história não pode ser percebida de forma intuitiva pelo jogador.



Com uma narrativa rápida e bastante econômica (cada segmento individual pode ser completado em pouco mais de uma hora), o título parece investir em sua mecânica de "New Game+" para garantir seu fator replay. De fato, a diversidade de opções e mecânicas parece ornar muito bem com a proposta. Além disso, a história traz finais diferentes para cada princesa, a depender dos resultados de sua tutoria. 

Ou seja, além de conferir o final para cada princesa (já que cada ciclo comporta apenas um desfecho), o jogador também é incentivado a investigar os finais alternativos de sua favorita — e, se for muito entusiasta da fórmula, quem sabe até mesmo de todas. A ideia seria ótima, caso o título tivesse conseguido bancar bem suas mecânicas e sistemas de forma interessante e intuitiva.




Outros detalhes menores acabam colaborando para minar um pouco mais a experiência. Mesmo contando com personagens carismáticos e designs excelentes, a produção inexplicavelmente opta por esconder seus belos sprites em alta-definição sob um acabamento saturado de blur e névoa durante as batalhas. Sem nos oferecer opção para desativá-los, esses efeitos visuais acabam deixando todas as batalhas com um visual desnecessariamente poluído — perdendo fácil para o charme de diversos jogos com visuais em SD limpos e coloridos da mesma produtora. 

As sequências de história, por sua vez, além de não contar com o ótimo trabalho de dublagem que costuma marcar as localizações da NIS America, também trazem os belos modelos dos personagens animados de forma estranha, inexplicavelmente soluçando em alta velocidade, quase como se a animação estivesse rodando em um framerate errado. O estilo remete o visto em Penny-Punching Princess, mas não funciona tão bem com os modelos em HD e com diálogos dublados como fazia para os sprites pixelizados e com fala em gibberish como era o caso no antecessor. Especialmente os momentos mais dramáticos acabam com a tonalidade totalmente sabotada devido a essa animação bizarra.



Na tentativa de expandir sobre o modelo do antecessor, The Princess Guide acabou pecando por ser complexo demais nas beiradas e simples demais no miolo. Os belos visuais, a narrativa carismática e a jogabilidade ágil e divertida devem agradar aos fãs do gênero em busca de algo diferente, rápido e sem muito compromisso. Para os que realmente "clicarem" com a proposta, o jogo traz até mesmo um sistema de ciclos que prossibilita estender um fator replay.

Porém, com sua experiência tática truncada e um tanto repetitiva, o valor desse replay é quase estritamente dependente do aproveitamento da narrativa bem-humorada e do combate ao estilo beat 'em up no que ele tem de mais básico para oferecer. E, claro, recorrer ao bom e velho guia para entender melhor de que forma as ações de tutoria impactam o desenvolvimento das personagens. Há bastante diversão para se ter aqui — mas não exatamente na forma em que o jogo prometia em primeiro lugar.

Prós

  • Excelente trilha sonora;
  • Jogabilidade ao estilo beat 'em up ágil e responsiva;
  • Variedade de técnicas e opções de customização de personagem; 
  • Narrativa bem humorada.

Contras

  • Possui vários sistemas com premissas interessantes, porém implementados de forma rasa;
  • Tutoriais insuficientes martelam elementos básicos enquanto deixam de explicar os aspectos mais particulares do jogo;
  • Efeitos de blur e névoa atrapalham a visibilidade em batalha e tornam os visuais desnecessariamente saturados;
  • Ausência da opção de dublagem em inglês.
The Princess Guide — Switch/PS4 — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America
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é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
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