Análise: Caça com Aragami: Shadow Edition (Switch) quem não tem Tenchu

Título indie da Lince Works é um stealth na essência da palavra cujo lançamento no Switch foi muito bem-vindo.

em 03/03/2019

Tenchu foi uma franquia relativamente consistente que se estendeu em vários lançamentos entre a quinta, a sexta e a sétima geração de consoles. Até o presente momento, entretanto, seu último lançamento foi Tenchu: Shadow Assassins (Wii/PSP), em 2009, há completos dez anos. Utilizando-se de perspectiva em terceira pessoa, o jogador tinha que controlar os ninjas Rikimaru e Ayame por fases situadas no Japão Feudal, no século XVI.


A jogabilidade consistia em estágios diversos que deveriam ser percorridos pelo personagem sem despertar a atenção dos inimigos. Para isso, uma série de técnicas de furtividade estavam à disposição e deveriam ser utilizadas em combinação da astúcia e paciência do jogador. Pois bem: esse mesmo parágrafo descrevendo o gameplay de Tenchu se aplica a Aragami: Shadows Edition (Multi), que chegou ao Switch depois de dar as caras originalmente no PC e no PS4 em 2016.

Se ficar, o bicho pega. Se correr, o bicho come

Na prática, a diferença entre as duas franquias é quase irrisória. A principal diferença é estética e narrativa. No caso de Aragami, o jogador está no controle de um espírito místico invocado por uma garota chamada Yamiko, cujo objetivo é devolver aos adeptos das sombras os domínios tomados deles pelo exército da luz. A própria presença de Yamiko não é física, mas uma projeção astral, pois, ela está, alegadamente, sendo mantida em cativeiro pelos seus captores da facção oposta. Dessa maneira, cabe a nós no controle da aparição Aragami coletar seis talismãs sagrados que irão libertá-la.

A relação de Aragami com as sombras é bem importante a nível de gameplay, visto que elas são a origem de todos os seus poderes. Enquanto Rikimaru e Ayame não contam com poderes mágicos, o espírito invocado utiliza das forças místicas em sua jornada. A única técnica disponível no início do game é a capacidade de se teletransportar em áreas sombreadas dentro do raio de alcance dos personagens. Aos poucos, é possível coletar pergaminhos que vão liberando novas habilidades, como uma kunai sombria que pode matar um inimigo à distância ou a invocação de um dragão que consome o inimigo e some com o seu corpo, impedindo que outro guarda encontre tal cadáver e alerte o resto dos soldados.


A progressão do jogo nesse aspecto de ir desbloqueando novas habilidades é bem interessante e acaba estimulando o jogador a refazer fases antigas, seja para encontrar pergaminhos que ficaram para trás ou simplesmente para encerrá-la de outra forma, resultando em uma pontuação final maior. O próprio game oferece bônus diferentes dependendo da maneira como o estágio foi finalizado, fazendo com que a atitude de fechá-lo sem matar ninguém ou tomando a atitude de não deixar nenhum inimigo sobrando renda pontos extras.

Nesse sentido, é possível terminar o título sem derramar quase nenhuma gota de sangue, basta ser ninja suficiente ao ponto de não chamar a atenção de guarda nenhum ao longo da campanha. O fator stealth é muito evidente e se faz presente de forma constante. O jogador logo entende que Aragami é uma entidade delicada — um único golpe e sua forma física composta por sombras se desfará. Dessa forma, é crucial aprender os padrões do inimigo, visto que o principal segredo do título é justamente não ser visto. Ser detectado é quase um atestado de game over. Ficar parado no lugar ou sair correndo não vai adiantar nada.


Um verdadeiro jogo de luz e sombra

É interessante como, na prática, apesar de não contar com uma qualidade gráfica elaborada em se tratando de texturas, modelagem ou sequer na movimentação dos personagens,  Aragami chama atenção por ser um jogo verdadeiramente bonito. A utilização das cores salta aos olhos e afirmo categoricamente que ele tem a mesma qualidade de jogos AAA lançados para a geração do Gamecube ou do começo da geração seguinte — o que, mesmo considerando a capacidade dos estúdios independentes hoje, não é pouca coisa.

Apesar de seguir com sua identidade visual do começo ao fim, cada uma das fases conta com um level design memorável e deixa uma impressão única, com várias temáticas marcantes, como é o caso da que se passa ao redor de um grande lago ou do cemitério, por exemplo. Ao mesmo tempo em que ele mostra consistência, há ainda variedade suficiente para que a experiência de jogo — que já exige paciência para uma prática essencialmente repetitiva, consistida basicamente em se esconder, esperar e atacar sem ser detectado — se revigore a cada novo cenário e prenda o jogador até o fim da narrativa.



Esse visual magnífico, entretanto, ainda não atingiu sua perfeição, infelizmente. A interface do game é minimalista, com pouquíssimos detalhes, algo que segue de acordo com a proposta simplista do game. Por mais que seja a ideia do game não contar com um mapa do ambiente e facilitar a vida do jogador, alguns sinais poderiam estar fixos na tela de forma mais prática. Por exemplo, a técnica das sombras atualmente selecionada, bem como a quantidade de usos restante, é ilustrada por um símbolo na capa do capuz do personagem. Por mais que isso não seja um problema capital, esse mesmo emblema, no canto da tela, seria muito mais prático. O mesmo vale para os padrões poligonais presentes na capa — que demorei para notar que, na verdade, eram uma espécie de medidor do quão carregada minha mana sombria está.

Outro problema estético que poderia ser melhor indicado é justamente os locais que estão banhados por luz e os que estão sombreados. Mais de uma vez eu tentei me teleportar para um lugar que aparentava estar sombreada, mas na verdade só era um piso de cor escura. Essa mesma mecânica poderia ser melhor automatizada em algumas situações também, tornando automático esse teletransporte em superfícies mais estreitas e que exigem muito tempo para fazer aparecer o cursor, que indica o destino que eu quero, na sombra onde Aragami deveria aparecer. 



Mais um ponto relevante a se ressaltar é a total ausência de certos recursos que poderiam ter sido considerados no intuito de aprimorar a experiência do game. Um sistema de execução em corrente seria bem interessante para eliminar mais de um inimigo próximo, mas em sequência, criando combos e, posteriormente, aumentando a pontuação final ao fim do jogo. 

Edição das Sombras

Menos importante do que a campanha principal, mas ainda não tão irrelevante para deixarmos de lado está a campanha Nightfall, DLC incluso nessa edição definitiva do Switch. Nessa expansão é possível jogar com Hyo ou Shinobu, dois ninjas (aludindo aqui, mais uma vez, a Tenchu) que protagonizam os acontecimentos que antecedem a história contada pelo jogo base, bem como podem encontrar, ao longo de quatro longas fases, excertos de pergaminhos que nos ajudam a entender um pouco mais do universo do game.


Cadê meu Aragami 2?

Aragami: Shadow Edition é um jogo envolvente e suficientemente marcante. Entretanto, alguns problemas pontuais acabam por minar uma experiência realmente perfeita. Ainda assim, mesmo nessa precariedade ocasionada obviamente pela falta de investimento e pela condição da Lince Works como estúdio indie, é perceptível que eles lapidaram o game até onde era possível.

Sabe onde a série poderia atingir a sua plenitude? Com uma sequência, tal como aconteceu com vários títulos independentes, similares no sentido de oferecerem um resultado final completamente sólido, mas com certos defeitos particulares que podem ser facilmente sanados posteriormente. Na pior das hipóteses, ainda é, no mínimo, um substituto digno de Tenchu. Basta ir se aperfeiçoando para se tornar uma referência ainda superior ao título do qual claramente se inspirou.


Prós: 

  • Design de fases apurado;
  • História envolvente;
  • Visual soberbo;
  • Jogabilidade funcional;
  • Acabamento exemplar.

Contras: 

  • Problemas pontuais de gameplay;
  • Fases um pouco longas, o que pode torná-las entediantes.
Aragami: Shadow Edition — PC/PS4/Switch — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Pedro Franco
Análise produzida com cópia digital cedida pela Lince Works
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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