Análise: Evoland Legendary Edition (Switch) é uma épica jornada pela história dos games

A série conta com dois jogos de viagens no tempo simuladas por mudanças nos gráficos em 8, 16 bits e 3D low poly, além de incríveis referências a clássicos atemporais.

em 25/02/2019

Você gosta de estórias com viagem no tempo? E que tal a representação da mudança de eras realizada através de alteração gráfica, como foi feito em The Messenger (Multi), lançado no ano passado? Pois saiba que Evoland trabalhou essa ideia ainda em 2013 e seu sucessor, Evoland 2, expandiu de forma primorosa o conceito em 2015, fazendo desta coleção que chegou ao Switch no dia 07 de fevereiro de 2019 uma interessante opção para os nostálgicos amantes de games.

Um feito incrível

Antes de começar a falar sobre o primeiro jogo, algumas curiosidades precisam ser compartilhadas. O estúdio Shiro Games foi fundado em 2012 por Sebastien Vidal e Nicolas Cannasse, ambos veteranos da indústria independente de games. Nicolas é também o criador de uma ferramenta de programação chamada Haxe. O fato curioso é que ele saiu da Motion Twin para co-fundar a Shiro Games, e essa ferramenta foi utilizada em Dead Cells (Multi), que tornou-se um grande sucesso da Motion Twin.



Evoland foi o primeiro game do novo estúdio. Concebido inicialmente como um projeto participante da 24º Ludum Dare em 2012 — uma competição de desenvolvedores em que os participantes precisam criar um game de um tema específico em um curto período de dois a três dias —, o jogo foi expandido e lançado no ano seguinte na Steam. Vale dizer que ele foi o vencedor do evento naquela ocasião. Baseado neste contexto, por mais que se trate de uma aventura simples e rápida, saber que a ideia principal foi trabalhada em tão pouco tempo é impressionante.

Germinando boas ideias

“Após séculos de paz, um antigo mal finalmente ressurgiu para ameaçar o mundo de Evoland. Você é um dos poucos membros remanescentes da Ordem dos Cavaleiros do Dragão, cujo objetivo é viajar pelo mundo para ajudar os necessitados e combater o mal. Esses séculos de paz significam claramente que você não teve muito o que fazer recentemente, mas parece que os negócios estão de volta!”


O game começa com uma tela verde de gráficos retrô estilo Game Boy. É possível visualizar uma pequena faixa apenas, e um baú à direita do personagem. A princípio tudo o que você pode fazer é andar até ele, habilitando a movimentação para a esquerda, onde há outro baú que expande um pouco a tela e nos permite andar em quatro direções. Aos poucos você percebe que cada elemento do jogo é liberado através de um desses baús, incluindo os cruciais como sons, música, monstros e save points. A partir daí, o mundo a explorar e as opções de gameplay só vão aumentando.

O sistema de corações e vida também precisa ser liberado, o que faz com que no início do game cada golpe recebido se transforme em game over e te leve de volta à tela de carregamento do save. Trata-se de uma opção pouco usual, e eu desconheço até mesmo jogos antigos com esse sistema, mas faz parte do processo de desbloqueio de habilidades. Com a mudança de cores, e futuramente, de estilo gráfico, que vai dos 8 e 16-bits, passando por CGI pré-renderizado até chegar no 3D low-poly, nota-se que o game é um passeio pela história dos jogos de RPG, expandindo e alterando-se com base em diversas referências como as séries The Legend of Zelda, Final Fantasy e Diablo.


Nem só de referências se faz um jogo

Ao sair da área inicial, encontramos um overworld — ou um mapa do mundo — com encontros aleatórios que levam a batalhas por turno, que infelizmente não são tão interessantes, visto que não há contador de mana e por isso é possível usar todas as poucas habilidades de cada personagem infinitamente, dispensando qualquer tipo de estratégia — o sistema de níveis e aumento por experiência também passa a funcionar a partir daí. Esse tipo de combate é utilizado também em outros momentos, importantes ou não, mas se alternam principalmente com a jogabilidade de RPG’s de ação, com inimigos movendo na tela em tempo real.

Essa primeira parte do game é interessante principalmente por conta da relação de exploração versus recompensa, já que cada área nova encontrada é capaz de mudar totalmente a jogabilidade, trazendo rapidamente um frescor à jogatina. Um puzzle intrigante é introduzido com base em viagem no tempo, alterando os gráficos do game de forma a permitir explorar a mesma área de diferentes maneiras. Assim nasceu a principal mecânica que originou a sequência. Muitas piadinhas sobre jogos famosos, coletáveis e até um divertido minigame com cartas também fazem parte da receita.

Infelizmente, no fim das contas percebemos que Evoland acaba costurando pedaços de diversos jogos e portanto não cria uma identidade própria além de algumas boas ideias. Na sua segunda metade, a história se escora fortemente em Final Fantasy VII (PS1), tornando a aventura desinteressante. A trilha sonora é belíssima. Mesmo que algumas músicas lembrem bastante as de outros jogos, elas combinam bem com cada cenário e momento de Evoland. O vilão final é bastante genérico, mas ainda assim capaz de fechar o jogo com uma boa batalha, forçando o jogador a prestar atenção e aprender com seus erros para derrotá-lo. Porém, nada que não possa ser terminado em pouquíssimas tentativas.

Apesar de referências engraçadas saltando aos olhos o tempo todo, tudo é muito clichê. O único incentivo para retornar em áreas anteriores é o de coletar todas as cartas, estrelas, baús e alguns itens raros. Se você não é do tipo que pretende colecionar tudo, Evoland pode ser facilmente terminado em menos de três horas, tornando o game mais como um extra no pacote, tanto por se tratar do primeiro trabalho do estúdio, quanto por já introduzir conceitos que foram maravilhosamente expandidos na sequência — que é um jogo de explodir cabeças. Vamos falar sobre ela…


A verdadeira criação

Evoland 2 começa de forma nostálgica, também com uma tela verde que lembra o saudoso Game Boy e possui poucas opções de movimentação. Porém, dessa vez os comandos básicos são rapidamente introduzidos e nosso personagem, identificado apenas como G., interage com outras três pessoas que dão a entender que ele passou nos testes e tornou-se o escolhido para cumprir uma importante missão, em que um passo em falso poderia causar o fim dos tempos. O game então corta para uma cinematic com belas animações desenhadas à mão, pontuando alguns momentos importantes da história daquele mundo:

Há muito tempo, a avançada civilização Magi descobriu grandes segredos, mas acabou desaparecendo misteriosamente, marcando o início de uma nova era. No ano 950, o império humano venceu a guerra contra os demônios e agora, 50 anos mais tarde, a cidade de Genova — além do nome lembrar algo visto antes, é basicamente a capital — se prepara para para celebrar a cerimônia da vitória. Porém, nem tudo é tão pacífico quanto parece…


Após a cena, os gráficos do game mudam para o estilo 16-bits. Nosso (para variar) silencioso herói é acordado por uma garota de cabelo verde em uma cabana. Seu nome é Fina, e ela conta que seu pai o encontrou desmaiado numa floresta próxima da vila onde moram. Como ele (para variar novamente) também perdeu a memória, ela resolve chamá-lo de Kuro. Como em vários RPG’s clássicos, os nomes dos personagens principais da trama podem ser alterados a gosto do jogador, mas neste review serão utilizadas as sugestões padrão.

A partir daí começa nossa jornada, que envolve falar com os moradores, resolver puzzles e participar de pequenos minigames para cumprir as tarefas necessárias para prosseguir na aventura. A primeira missão consiste em conseguir se armar com uma velha espada e assim poder explorar o mundo com segurança. Assim como no primeiro game, ao sair de um local habitado como a vila, passamos por um overworld até chegar na próxima área explorável. Porém, sem encontros aleatórios ou combate por turnos dessa vez. Chegando na floresta, encontraremos os primeiros inimigos, que podem ser combatidos com a movimentação livre de um action RPG. Apenas focando na maneira de lutar, um bom exemplo comparativo é o aclamado The Legend of Zelda - A Link to the Past (SNES).


Aprofundando-se na floresta, reencontramos Fina, que dessa vez junta-se a Kuro na jornada. Os personagens secundários funcionam executando um ataque especial ao utilizar o movimento de foco (segurar o botão de ataque até preencher um barra). A dupla descobre alguns demônios tramando algo perto de um antigo monumento. Após o bando despertar um guardião, descobrem que ele é mais poderoso do que imaginavam e decidem deixar que destrua a vila antes de enfrentá-lo. Com o risco iminente aos moradores, Fina e Kuro assumem a tarefa, e é aí que a magia acontece…

É só uma questão de tempo

Com a derrota do guardião, o estranho monumento foi ativado. Ao ler as inscrições, nossos heróis são sugados por um túnel temporal e vão parar no passado. A mudança de era é evidenciada principalmente pela alteração nos gráficos, que agora são estilo 8-bits. Porém, assim como foi utilizado no primeiro game, uma nova gama de possibilidades se expande, e dessa vez de forma maestral, já que diferentes mecânicas e possibilidades são encontradas não apenas em uma área específica, mas em todo o mapa do jogo inteiro. Como um exemplo, apenas na era “8-bit” é possível derrubar árvores e utilizar seus troncos para atravessar riachos.


Monumentos desse tipo serão encontrados em diversos locais do game. Chamados Magilith, eles serão usados para transportar nossos heróis pelas diferentes eras do jogo, que inclui ainda um estilo 3D, relacionado ao futuro da era “16-bit”. E assim vamos encontrar mais dois personagens para completar a nossa party e ajudar Kuro a cumprir sua missão. Mas não se trata somente disso. Cada um dos integrantes do grupo possui seus próprios problemas, anseios e objetivos, que se entrelaçam e podem até alterar ao longo da jornada, quando eles entendem a situação em que se encontram e a si mesmos. Infelizmente, as decisões que tomamos não significam caminhos ou finais distintos para a narrativa do game — como diria o Pica-pau: "fui tapeado"!

Apesar de ser levada com bom humor, alguns dos acontecimentos da história são tão impactantes que certos personagens insistem em tentar alterá-la em suas viagens temporais, tornando o game não um conto de Kuro e seus amigos contra o mal, e sim sobre o próprio tempo. No fim, o que temos é uma narrativa incrível, que funciona em apenas dois atos mas surpreende o jogador que vai reunindo os fatos conversando com cada NPC, e deve deixá-lo pensando, fazendo teorias e tentando entender alguns detalhes e pequenas pontas soltas que foram deixadas para interpretação. Apesar de não ser perfeito, Evoland 2 trata-se de conto épico e merece todo o crédito que puder ser dado a ele neste aspecto.


Tudo em um

Ao jogar, espere por referências incríveis não somente sobre jogos de todos os gêneros, mas também à cultura pop, tecnologia e outros assuntos. O texto que Fina lê no primeiro Magility encontrado é “Lorem ipsum dolor sit amet”, que não significa nada e é apenas o início de um bloco de texto automático utilizado para preencher espaços quando se quer testar o layout de publicações impressas ou websites. Para quem é fã dos livros de George R. R. Martin, ou da série de TV Game of Thrones, há um personagem no game com o nome de John Snow. Por esses exemplos, já dá pra perceber as ótimas sacadas.

A exemplo do que ocorreu no game anterior, também foi adicionado um minigame de cartas colecionáveis — que neste caso remete a um Hearthstone (PC/Android/iOS) simplificado —, que dessa vez está bem mais completo, tornando-o viciante. Porém, os desenvolvedores de Evoland 2 foram ainda mais ambiciosos e não se contentaram apenas com as pequenas referências gerais, ou grandes inspirações vindas de RPG’s conhecidos. O game apresenta impressionantes variações de jogabilidade que correspondem a grandes clássicos dos games encaixadas perfeitamente em seu universo.


O trailer apresenta bastante disso, portanto vou exemplificar apenas com gêneros mostrados nele, que são: Plataforma, Shoot ‘em up, Runner, Beat ‘em up, Luta 2D (baseado na série Street Fighter), Puzzle (aqueles de juntar cristais), além de uma seção stealth fortemente baseada em Metal Gear Solid (PC/PS1), uma caverna dedicada aos estilos de Super Bomberman (Snes) e Goof Troop (Snes), uma boss battle baseada na série Mega Man e uma área dedicada a uma das grandes inspirações do game: Chrono Trigger (Snes/DS). É como ter vários jogos dentro de apenas um.

Apresentar variedade de gameplay é importante, pois contribui para manter o jogador entretido e interessado na proposta do game. Porém, colocar tantos gêneros dentro de um mesmo jogo é, além de incomum, algo fácil de dar errado, seguindo o conceito de que se você sabe um pouco de tudo, dificilmente será especializado em algo. Felizmente, Evoland 2 é um caso raro de um game que é sim um excelente action RPG, e ainda assim consegue de forma capaz fornecer uma boa dose de diversão e uma experiência agradável quando muda para a maior parte dos outros gêneros. Neste caso, isso representa que o jogo possui bastante conteúdo à disposição do jogador, além de outros itens para os colecionistas.


Sobre outros aspectos

Uma complexa e incrível história, bastante conteúdo e um gameplay consistente já fazem de Evoland 2 um jogo recomendado, mas precisamos deixar claro também que os gráficos, principalmente os feitos de sprites, são lindos e possuem um ótimo acabamento. A trilha sonora, muito mais extensa que no primeiro game, também é belíssima, com canções compostas para cada momento e feitas para se encaixar sob medida aos locais e situações onde tocam.

Sobre os controles, eles apenas me incomodaram em seções de plataforma 2D em que é preciso nadar: além de ser basicamente um pulo pra cima dentro da água, não é prático de se controlar — o que acabava culminando em algumas mortes por afogamento. O sprite do personagem é também o mesmo do pulo. Talvez isso tenha sido algo colocado de última hora, já que apenas no passado (8-bits) há áreas onde é necessário nadar.


Infelizmente, a versão jogada no Switch apresentou alguns bugs bem incômodos, que não chegaram a afetar minha opinião sobre o game, mas me fizeram deixá-lo de lado várias vezes, só retornando depois com mais calma. O mapa do mundo após a primeira vez que chegamos no futuro (gráficos em 3D) ficava constantemente retorcido, com o chão e os destinos desaparecendo, necessitando reiniciar o game para voltar ao normal. Isso persistiu por bastante tempo, mas deixou de acontecer em algum momento. Também no fim do jogo, bem durante os eventos do clímax, o game encerrou abruptamente algumas vezes. Como foi possível passar por isso e concluí-lo, não é algo que o torna injogável, mas ainda assim é uma experiência chata. Eu não consigo afirmar se isso já foi ou não corrigido até o momento em que essa análise vai ao ar.

Por fim, gostaria de informar que a resenha foi realizada com o game na sua dificuldade padrão, e o que foi possível perceber é que nos momentos em que o jogo altera a jogabilidade para um gênero diferente, parece possuir uma dificuldade mais branda do que o normal. Há por exemplo um minigame inspirado em jogos de ritmo, e mesmo errando bastante eu consegui passar por ele tranquilamente. Então mesmo se você não é muito bom em algum gênero específico, ainda assim deve conseguir aproveitar a aventura e chegar ao final sem ficar muito tempo travado em alguma parte. Para aqueles que procuram um desafio à altura existem dois níveis mais difíceis que o padrão.


O bolo e suas fatias

Um fato curioso sobre Evoland Legendary Edition é que o game possui apenas cinco espaços de salvamento que são compartilhados para os dois jogos. É totalmente suficiente para jogar o primeiro game e o segundo em suas três dificuldades, mas porque não separar isso e evitar exclusões acidentais, já que o primeiro game é bastante curto e o segundo passa das 20 horas de gameplay apenas para zerá-lo? Uma outra informação importante é que eles não se tratam de sequências narrativas, sendo a história de um totalmente independente do outro.

Como dito na primeira parte da análise, o primeiro título possui conceitos interessantes que foram utilizadas na sequência, mas apesar de atacar diretamente no coração da nostalgia, ele se prende demais a ideias não originais e acaba funcionando apenas como um extra no pacote. Ainda assim é um grande feito para um jogo que teve sua base feita em apenas três dias. Por outro lado, Evoland 2 é uma verdadeira obra prima que precisa ser jogada por todos os amantes de games clássicos, fãs de narrativas complexas e até mesmo novos jogadores que estão chegando agora a esse maravilhoso mundo do entretenimento. Enquanto Evoland é a forma, sua sequência é o bolo inteiro com a cereja no topo (os bugs da versão do Switch são o dedo que alguém passou no bolo antes da hora, mas nada que alguns retoques não possam corrigir)!


Prós:

  • [Evoland 1] Ótima relação entre exploração e recompensa
  • [Evoland 2] História incrível, complexa e surpreendente;
  • [Evoland 2] Gameplay divertido, com muitas variações de jogabilidade;
  • [Evoland 2] Bastante conteúdo extra, como minigames e colecionáveis;
  • [Ambos] Referências incríveis ao mundo dos games, cultura pop e outros assuntos;
  • [Ambos] Diferentes estilos visuais, que representam a evolução dos jogos e/ou viagens no tempo;
  • [Ambos] Trilha sonora belíssima, composta sob medida para cada uma das áreas dos jogos.

Contras:

  • [Evoland 1] Combate de RPG por turnos mal desenvolvido, simplista demais;
  • [Evoland 1] Na segunda metade o game se escora demais em referências, perdendo identidade própria;
  • [Evoland 2] Controles desconfortáveis nas áreas de plataforma com água;
  • [Evoland 2] Algumas pequenas questões abertas a interpretação na história;
  • [Evoland 2] Bugs e encerramentos abruptos;
  • [Evoland 2] Decisões ou porcentagem de jogo completo no final não alteram nada na história;
  • [Ambos] Clichês como a “síndrome do protagonista mudo e desmemoriado”.
Evoland Legendary Edition — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: André Carvalho
Análise produzida com cópia digital cedida pela Shiro Games
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