The Legend of Zelda: Phantom Hourglass (DS) nos lembra que nem todo Zelda precisa ser grandioso

Navegue em águas misteriosas nesse carismático e contido título que explora todas as características do Nintendo DS e serve de sequência para The Wind Waker (GC).

em 27/01/2019
Em 2001, a Nintendo foi na contramão da indústria vigente e, em vez de se aproveitar do salto tecnológico do Nintendo 64 para o Gamecube e fazer um The Legend of Zelda com gráficos sóbrios e realistas, ela apresentou The Wind Waker (GC) para o mundo, gerando controvérsia na base de fãs que não aprovava essa linha cartunesca e lúdica em cel-shaded que o título em questão abraçou.


Com o passar do tempo, o jogo é lançado dois anos depois e se torna um dos games mais bem avaliados da história, recebendo notas máximas de publicações como a GameInformer e a Famitsu, além da repercussão positiva dos próprios fãs, que abriram mão das críticas ao observar a densidade de sua narrativa e o gameplay que o produto final ofereceu.

Assim como outros Zeldas receberam uma sequência direta e clara em relação à sua posição dentro da linha do tempo da franquia — como foi Majora’s Mask (N64) para Ocarina of Time (N64) —, The Wind Waker ocasionou na produção de The Legend of Zelda: Phantom Hourglass (DS), cujo lançamento se deu em 2007.

Tocar é legal — e dá para fazer praticamente tudo assim

Inicialmente, o jogo foi concebido como um título relacionado a The Legend of Zelda: Four Swords (GBA), cujo foco era centralizado no multiplayer. Essa ideia, no entanto, foi logo descartada quando a equipe de desenvolvimento observou o potencial do então novo aparelho da Nintendo em produzir gráficos tridimensionais, adaptando-se bem à estética cel-shaded.

Dessa maneira, o objetivo, assim como todo novo projeto que a própria Nintendo assumiria nos primeiros anos de seu console (e isso não só do DS, mas do Wii também, ressalta-se), seria explorar e apresentar ao mundo as novas capacidades e características singulares que tais máquinas poderiam oferecer.

Com isso, Phantom Hourglass é um título que pode ser completamente controlado apenas pela tela de toque. Os botões do DS mal tinham funções — e elas também eram possíveis de se realizar também no ecrã tátil. Para se mover, bastava tocar na tela a direção desejada. Para atacar, um toque simples no inimigo faria Link desferir estocadas com sua espada. Caso queira ataques horizontais, um risco em cima do alvo replicaria o movimento da Stylus. Ataque giratório? Simplesmente reproduza um círculo em volta do personagem.

Até mesmo a utilização dos itens também se dava na tela de toque: bastava selecioná-lo com um toque no canto da tela e utilizá-lo na sequência — os botões traseiros também podiam ser utilizados para ativá-los, sendo este o único comando mais prático. Houve preocupação até em incluir uma opção de jogo para os pobres canhotos, que em mais de uma ocasião foram prejudicados pelo game design que visava a construção de menus com elementos dispostos a facilitar o jogo para os destros ou que exigiam a utilização dos controles direcionais que seriam manejados justamente pela mão esquerda — Super Training do Pokémon X/Y (3DS), estou me referindo a você!

O microfone do DS, às vezes tão esquecido pelos desenvolvedores, também era aproveitado em determinados momentos do game, como em uma ocasião em que era necessário gritar com o vendedor para convencê-lo a vender sua grua pelo menor preço. Além disso, até mesmo o sleep mode, aquele em que o console entra em suspensão ao ser fechado, foi utilizado em um puzzle específico do jogo. A tela superior exibiria quase que constantemente o mapa do jogo e poderia ser momentaneamente trazido à de baixo para receber anotações dos próprios jogadores, como a resolução de um quebra-cabeça, por exemplo.

A mecânica de navegação náutica retornou do jogo anterior. Entretanto, em vez de depender dos ventos para explorar os vários quadrantes do vasto oceano do game, aqui utilizamos um barco a vapor que pode ser personalizado e cujo funcionamento é praticamente automático — basta desenhar a rota no mapa que ele irá seguir por conta própria. Além disso, o mar aberto conta com bem menos quadrantes (apenas quatro) e com uma distribuição de ilhas bem melhor em relação ao entediante deserto marítimo de Wind Waker.


Cuidado com navios fantasmas suspeitos

A história de Phantom Hourglass se dá após os acontecimentos de Wind Waker — que foram recontados em uma cativante sequência de imagens estáticas logo no início do game. Pois bem, Link agora é parte da tripulação fixa do navio da capitã Tetra. A moça decide investigar a respeito de um navio fantasma que aparece navegando à deriva nos mares da região. 

Acreditando que os mitos que o cercavam não passavam de boatos, ela decide invadir a embarcação e acaba desaparecendo. Ouvindo os gritos de sua capitã, nosso herói de gorro verde salta em direção ao convés do misterioso navio, mas acaba caindo no mar e sendo levado pelas correntezas até uma ilha desconhecida.

Lá ele acaba sendo salvo pela fada Ciela e por um senhor chamado Oshus. Ele recomenda que o jogador encontre um indivíduo chamado Linebeck, que poderia emprestar seu navio para tirá-lo daquela ilha. O que acontece é que o Capitão acabou invadindo (atrás de um tesouro) um local chamado Temple of Ocean King e acabou caindo em uma armadilha, cabendo a Link salvá-lo.


O problema é que o templo em questão acaba drenando, aos poucos, a vida daquele que por ele se aventura. Para evitar isso, é necessário utilizar a Ampulheta Fantasma — a tal Phantom Hourglass do título — cujas areias, enquanto estiverem caindo, nulificarão o efeito da dungeon. Salvando o carismático personagem, Link descobre que, para encontrar o navio fantasma e salvar Tetra, é necessário restaurar o poder dos três espíritos místicos que correspondem cada um a uma das partes da Triforce: Coragem, Sabedoria e Poder.

Entre as explorações dos templos e das ilhas espalhadas pelo mundo do jogo, a principal característica de Phantom Hourglass é justamente a recorrência desse Templo de louvação ao Rei dos Oceanos. De tempos em tempos é necessário retornar ao local e ir cada vez mais baixo em seu subterrâneo atrás de novos mapas que desbloqueiam novos quadrantes de mar a serem desbravados. Assim, além do intelecto do jogador para resolver puzzles, bem com o domínio da jogabilidade do título, é necessário também saber administrar o escasso tempo da ampulheta, cuja capacidade vai aumentando com o decorrer do game.

Além da campanha principal, há algumas atividades paralelas que podem ser realizadas, como é o caso da personalização do S.S. Linebeck e a utilização da grua para encontrar tesouros raros nas profundezas do oceano. Também há uma sidequest que envolve pescaria e outra que, após uma série de trocas de itens entre personagens espalhados por diferentes cantos do mundo do game, permite a Link realizar um ataque giratório ainda mais poderoso e conseguir um cartão postal que, quando enviado pelo correio, rende os mais variados prêmios ao jogador.

Multiplayer On-Line

Lembra-se de como o título teve a preocupação em utilizar todos os recursos do Nintendo DS? Pois bem, sendo a compatibilidade on-line presente pela primeira vez em um aparelho portátil da Nintendo, Phantom Hourglass se utilizava do Nintendo Wi-Fi Connection para oferecer um mini-game multiplayer.

Tendo uma espécie de labirinto como arena, cada um dos dois jogadores recebia uma função diferente. Enquanto um deles assumia o papel de Link e deveria trazer diversos pedaços de Triforce (aqui chamadas de Force Gem) espalhados pelo mapa para a sua própria base, o outro  deveria assumir o controle dos Phantoms — espíritos armadurados cuja trajetória é pré-estabelecida com um desenho no mapa — e impedir as ações do herói encapuzado.

Quando o tempo acabava ou Link era capturado por um Phantom, as funções eram trocadas e isso correspondia a uma rodada. O jogo acabava ao fim de três rounds e ganhava aquele que teve maior pontuação.

A graça é que, por mais opcional e descomprometido que tal modalidade de jogo pudesse ser, altas pontuações poderiam render peças especiais e raras para o S.S. Linebeck. Ou seja, havia um estímulo que mantinha o Battle Mode vivo.

É válido lembrar que os servidores on-line oficiais da Nintendo no DS não estão mais disponíveis para uso público desde 2014, mas o multiplayer de Phantom Hourglass ainda pode ser jogado localmente, seja com duas cópias do jogo, seja por Download Play.

Trilogia Wind Waker

Após Phantom Hourglass, a Nintendo chegou a lançar um novo game que se mostrou como mais uma sequência. Embora não seja protagonizado pelo mesmo Link de WW e PH, The Legend of Zelda: Spirit Tracks (DS) se situa claramente após os acontecimentos desses dois jogos, com os acontecimentos da grande enchente que inundou Hyrule sendo recontados e resultando na descoberta de um novo grande continente onde o reino da Princesa Zelda foi restabelecido.

Nessa Nova Hyrule, os trens a vapor se tornam o principal meio de transporte da população pela região — substituindo a temática marítima —, mas uma entidade antiga conhecida como Malladus está ressurgindo e, com isso, fazendo com que a ferrovia vá desaparecendo aos poucos. O gameplay é exatamente o mesmo de Phantom Hourglass, mas seu sistema ferroviário acaba sendo um pouco mais restrito em relação à liberdade original que era conferida pelo mar aberto dos jogos antecessores.

Pouca pretensão, muita diversão

The Legend of Zelda: Phantom Hourglass (DS) pode até não ser perfeito, contar com algumas inacurácias técnicas e padecer do mesmo mal que outros títulos da série, principalmente na questão estrutural da narrativa (complete uma bateria de templos com um objetivo, sofra uma reviravolta que muda o status-quo da história e siga para outra série de dungeons no intuito de se preparar para o combate final).


Entretanto, mesmo mais de dez anos após seu lançamento, ainda é um deleite jogá-lo pelo seu carisma individual, seja ele dos personagens, seja da própria história, essa que se mostra despretensiosa, mas que ainda carrega um frescor por finalmente não termos que enfrentar Ganondorf mais uma vez e apostar numa ambientação bem mais aconchegante para que o jogador não se sinta tão intimidado com uma campanha como acontece com os títulos mais elaborados.

É uma pena que o Switch, em sua indefinição a respeito de sua posição como um console de mesa ou portátil, acabe por dar um fim à dinastia dos Zeldas de portátil que, não apenas a exemplo de Phantom Hourglass e Spirit Tracks, mas também de A Link Between Worlds (3DS) e Minish Cap (GBA), trazem altas doses de diversão e até mesmo inovação em uma roupagem bem mais modesta em relação a outros nomes mais trabalhados que exalam megalomania, como é o caso do fenômeno que é Breath of the Wild (Wii U/Switch).

Revisão: Vinícius Fernandes

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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