Análise: Sundered: Eldritch Edition (Switch) — beleza e tensão em forma de metroidvania

Tente sobreviver a hordas de inimigos nesse título que tem como característica a atmosfera de opressão.

em 19/12/2018

Os trabalhos do escritor H.P. Lovecraft exploram o horror cósmico, trazendo uma sensação de inquietação e tensão em face de criaturas de outro mundo. Sundered: Eldritch Edition usa Lovecraft como inspiração para criar uma atmosfera desconcertante em que a heroína precisa enfrentar grandes grupos de criaturas bizarras ao mesmo tempo em que explora um local sombrio. A combinação de fatores resulta em um metroidvania difícil e único repleto de mecânicas e ideias insólitas.

O terror em outra dimensão

Eshe é uma andarilha que acaba sendo levada para um lugar estranho enquanto tenta passar por uma tempestade no deserto. Lá, ela é recepcionada por um estranho artefato chamado Trapezoedro Brilhante, que afirma que seu poder é a única maneira da garota sobreviver — o local está infestado de monstros. Sem outra escolha, Eshe aceita a ajuda do Trapezoedro a fim de tentar fugir dessa dimensão paralela. O local é um cenário de um pesadelo com a presença de criaturas grotescas e corredores que mudam constantemente. E nem a morte serve de escapatória: ao ser derrotada, Eshe reaparece na área central do mundo.


Sundered usa essa premissa para criar uma aventura de ação e plataforma com aspectos de metroidvania. Para escapar, Eshe vai precisar explorar grandes regiões com salas interconectadas, sendo que certas partes só podem ser acessadas após adquirir algumas habilidades de navegação. Ao morrer, a heroína recomeça do templo central e lá ela pode utilizar cristais para melhorar suas características em uma árvore de habilidades. O jogo também tem caminhos que mudam toda vez que morremos (por mais que salas-chave não mudem de lugar). Atalhos e caminhos alternativos facilitam a navegação pelo mundo, mas morrer bastante é parte da experiência.

A dimensão distorcida conta com três regiões distintas. A área inicial tem ambientes com desafios balanceados, introduzindo aos poucos os vários perigos. Já a segunda região apresenta corredores apertados e complicados de navegar. Por fim, a última parte é concentrada na movimentação vertical, com vários desafios de plataforma complicados. Há muitas áreas opcionais e os chefes podem ser derrotados em qualquer ordem.


O combate é simples, com ataques básicos e um movimento de esquiva. O que traz um ar único de jogo é a constante quantidade de inimigos variados. Sendo assim, as batalhas são mais sobre enfrentar corretamente grupos de inimigos, sendo importante definir as prioridades — erros podem ser fatais. Pela aventura, Eshe recebe várias habilidades e técnicas que ajudam no combate, como um poderoso canhão e ataques carregados. Há, também, ataques finalizadores que podem ser utilizados após executar corretamente golpes em sequência.

Enfrentando muitas criaturas desconcertantes

O que torna Sundered único é sua mecânica de hordas. De tempos em tempos, um gongo ou uma sirene toca e um grande grupo de inimigos ataca Eshe. Você pode tentar lutar, mas na maior parte das vezes é mais sábio fugir — a quantidade de monstros pode ser imensa a ponto de ser quase impossível sobreviver. Pode acontecer a qualquer momento e ouvir o aviso traz uma sensação de tensão, afinal parte do progresso pode ser perdido por causa dos inimigos.

E é nesse ponto que o jogo se revela bem difícil. Enfrentar um ou outro inimigo é simples, porém a situação muda completamente quando uma horda ataca. Às vezes a quantidade de monstros é tão imensa que é muito difícil não morrer, mesmo com muita habilidade. Isso fica ainda mais complicado em trechos com perigos nos cenários, como espinhos e outras armadilhas: você tenta desesperadamente sobreviver atacando os monstros ao mesmo tempo em que tenta fugir. Às vezes pode ser frustrante, porém morrer significa fortalecer a heroína.


Quando foi lançado originalmente, Sundered foi alvo de críticas por ser frustrante, difícil demais e com combate repetitivo. A Eldritch Edition resolve boa parte dos problemas com balanceamentos e algumas novidades. A versão definitiva inclui os ataques finalizadores, que abrem mais opções de sobrevivência e estratégia no combate. Algumas alterações deixaram a experiência mais prazerosa, como recomeçar na sala do chefe ao ser derrotado em um dessas batalhas. Eu joguei a versão original e de fato dá para sentir grandes mudanças no ritmo: o título ainda é bem difícil, porém bem menos frustrante.

Além disso, a Eldritch Edition tem duas novidades significativas. A primeira delas é um modo cooperativo local para até quatro jogadores, que pode ser ativado a qualquer momento. O multiplayer funciona muito bem e abre possibilidades interessantes nos chefes, por mais que dependendo dos companheiros o jogo não fique mais fácil — a vida é compartilhada entre todos os participantes, logo um jogador sem habilidade pode ser a ruína do grupo. Outra inclusão importante é um novo conjunto de missões com áreas e chefe inéditos. As novas regiões são bem inseridas no universo do jogo e apresentam puzzles diferenciados com recompensas valiosas, além de alguns outros extras.


Um mundo de solidão, frustração e opressão

Talvez a característica mais interessante de Sundered é o misto de emoções transmitidas pela ambientação. É, também, um dos maiores acertos do jogo.

Explorar essa dimensão paralela traz uma constante sensação de solidão, pois Eshe está completamente sozinha ali. A atmosfera é opressora, já que a qualquer momento o aviso sonoro pode aparecer junto com as hordas, e muitos dos ambientes são fechados e estranhos, dificultando a fuga. O áudio fortalece todas essas sensações com poucas composições soturnas que tocam somente em momentos específicos do jogo. E, claro, há a narração do Trapezoedro Brilhante com sua voz exótica em uma língua desconhecida — é como se o próprio Cthulhu ou outra criatura cósmica estivesse falando.


Estranheza é outra sensação presente no jogo. O mundo é bizarro, com inúmeras criaturas desconcertantes claramente inspiradas no universo de Lovecraft: monstros com tentáculos negros, massas deformes repletas de olhos e espinhos, robôs assustadores e mais. Os gráficos desenhados à mão são estonteantes e dão vida ao exótico local do jogo. Destaque especial para os imensos chefes, cujas batalhas acontecem com a câmera bem afastada realçando a diferença de tamanho entre Eshe e essas criaturas.

Já a base da trama Sundered é contada por meio de cristais que revelam de forma vaga o passado do lugar, que envolve um conflito entre dois povos: as Valquírias e sua tecnologia avançada contra os Eschatons e suas artes ocultas. É necessário inferir algumas coisas para entender como o Trapezoedro Brilhante se encaixa em tudo isso. O legal é que tem fortes influências dos trabalhos de Lovecraft — como conhecedor dos trabalhos do autor, me surpreendi como a mitologia dele foi bem inserida em Sundered.


Uma característica interessantíssima é a pergunta que o jogo faz constantemente: abraçar o poder do Trapezoedro ou resistir e lutar? Pela jornada, as ações de Eshe podem responder essa pergunta, e o mais legal é que isso afeta a experiência de jogo profundamente. Uma opção é seguir as recomendações do Trapezoedro e corromper as habilidades, tornando-as muito mais poderosas e facilitando bastante a navegação pelo mundo — o custo para Eshe é sua própria humanidade, pois ela se transforma uma estranha criatura sombria ao utilizar essas técnicas avançadas. A outra alternativa é resistir à tentação, o que libera técnicas de suporte interessantes, no entanto elas não oferecem a mobilidade e o poder das versões corrompidas. O andamento e a conclusão da trama também mudam de acordo com nossas decisões, sendo um bom incentivo para revisitar a aventura e fazer escolhas diferentes.

Mesmo com ótima ambientação, Sundered falha em não apresentar locais memoráveis pelo mundo, pois a maioria dos caminhos é gerado proceduralmente. É uma tentativa boa de trazer variedade em meio a inúmeras derrotas, porém o design desses caminhos é desinteressante e sem inspiração — rapidamente eles viram um borrão na mente de tão parecidos, deixando as coisas meio repetitivas às vezes. As regiões apresentam desafios bem distintos, o que ajuda a diferenciar uma da outra, mas acredito que um mundo de design fixo deixaria a experiência mais memorável.


Corrompido por uma aventura perturbadoramente divertida

Sundered utiliza mecânicas e ambientação para trazer uma experiência tensa e única. É ótimo controlar Eshe por uma dimensão paralela desconcertante por causa das várias habilidades da heroína e mundo com vários desafios interessantes. O combate simples e funcional se torna bem difícil (e até mesmo frustrante) com a presença de hordas de inimigos: sobreviver a esses encontros traz um misto de alívio e realização. Temas sombrios e direção de arte notável criam uma atmosfera exótica, porém o jogo peca em ser um pouco repetitivo por causa de certos mapas nada inspirados gerados proceduralmente. Sundered é para aqueles que gostam de adentrar universos difíceis, sombrios e opressores, e são essas características que o tornam divertido e marcante.

Prós

  • Interpretação interessante do gênero metroidvania com a presença de elementos procedurais;
  • Excelente ambientação, com hordas de inimigos trazendo atmosfera constante de tensão;
  • Mundo bem construído, com escolhas impactando significativamente o andamento da aventura e os rumos da história;
  • Belo visual e ótima engenharia de som.

Contras

  • Desenho de níveis de algumas partes é desinteressante e repetitivo por causa da geração procedural de caminhos.
Sundered: Eldritch Edition — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pela Thunder Lotus Games
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é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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