Trauma Team (Wii) é um exemplo de potencial para uma série que nasceu e morreu na mesma geração

Inspirado pelos seriados médicos americanos, o último jogo da linha Trauma Center (até a presente data) mostra que a franquia ainda tinha muita lenha para queimar.

em 17/11/2018

Ah, o Nintendo Wii... Aquela plataforma cujos controles com sensores de movimento permitiam que os desenvolvedores usassem da criatividade para produzir o que desse na telha. Uma dessas ideias que chegaram a tomar forma no período foi Trauma Center, da Atlus, a mesma dos RPGs Shin Megami Tensei e dos jogos de luta Power Instinct.


Surgida originalmente em 2005 no Nintendo DS com Trauma Center: Under the Knife, a série logo se estendeu para o console de mesa com Second Opinion, um port-remake do título original da franquia. Na sequência vieram New Blood (Wii) e Under the Knife 2 (DS), até a chegada de Trauma Team (Wii) em 2010 que é, até o momento, a mais recente iteração da nossa lista.

A jogabilidade é praticamente a mesma para todos os games: recebemos a ficha de um paciente e precisamos utilizar instrumentos médicos como o bisturi, a agulha de sutura e o desfibrilador para realizar os procedimentos nos enfermos. O enredo dos primeiros jogos aborda também a questão do bioterrorismo ao envolver uma espécie de vírus sintético chamado GUILT (acrônimo para Gangliated Utrophin Immuno Latency Toxin), que posteriormente evolui para um nome mais simples: Stigma.



Trauma Team, por sua vez, se passa anos depois da cronologia dos eventos dos títulos anteriores e conta com algumas diferenças. Enquanto anteriormente o foco era, em sua maioria, a realização de cirurgias de emergência, agora nos deparamos com o cotidiano de um hospital e nos diversos especialistas que nele atendem.

Existe um conceito chamado narrativa multiforme que, ao contrário das narrativas lineares, define certas histórias que se ramificam e qualquer ponto pode servir como a porta de entrada para a sua compreensão. Trauma Team pode ser encarado como um exemplo disso, visto que o enredo principal se divide em seis partes individualmente relacionadas a um médico diferente e que se interligam em um único período de tempo.



Dessa forma, cada um dos personagens têm uma especialidade diferente que servem para trazer mais diversidade às formas de se jogar do título, embora os controles básicos continuem os mesmos para quase todos, mudando apenas o procedimento-padrão de cada um — é óbvio que, apesar de uma revitalização estética em relação aos games anteriores da série, ainda era necessário continuar com seu DNA característico. Isso significava utilizar o analógico do Nunchuck para escolher o utensílio a ser utilizado e controlá-lo com o motion sensor e o ponteiro do Wii Remote. Movimentos mais precisos e objetivos são traduzidos em uma pontuação maior ao fim de cada capítulo.

Mantendo exatamente o mesmo gameplay dos antecessores está o condenado CR-S01, um especialista em cirurgias que recebe uma custódia temporária de sua estadia na prisão após ser requisitado pelo hospital, visto que é um cirurgião extremamente talentoso. Ele não tem nenhuma memória a respeito do incidente em que esteve envolvido, mas ainda assim foi condenado a duzentos e cinquenta anos de prisão. Oito anos passados, ele recebe a chance de trabalhar em troca de redução de sua pena. Apesar de antipático no início, aos poucos consegue se envolver e formar laços com os outros personagens com quem trabalha junto.



Maria Torres conta com um estilo de jogo similar, mas enquanto o do CR-S01 era mais calmo por se tratar de cirurgias geralmente marcadas e com infraestrutura, a brasileira lida com primeiros-socorros e situações de alta periculosidade. Dessa forma, é preciso se alternar entre diversos pacientes em estado crítico (cujos batimentos cardíacos caem com maior velocidade) de uma só vez — quando ocorre o atendimento a desastres com mais de uma vítima — .

O cirurgião ortopédico Hank Freebird também é certamente um personagem de destaque. Dono de um coração enorme, ele divide suas funções no hospital com a luta contra o crime como o Capitão Águia, seu alter-ego. Na mesa de cirurgia, a maioria de suas funções envolvem corrigir traumas e deformidades do sistema muscular-esquelético, como implantar e tratar fraturas expostas — aqui a pontuação é gerada a partir de sequências perfeitas que podem ser combadas caso nenhum erro ocorra.



Tomoe Tachibana é uma asiática do estereótipo tradicional que veio para a América contra a vontade de sua família, um clã muito importante no Japão. Especialista em endoscopias, ela conta com sua própria máquina folheada a ouro e o jogador precisa reproduzir os movimentos de inserção da câmera no corpo do paciente com o Wii Remote. Apesar de parecer interessante e diferente em relação aos outros, Tachibana conta com as sequências mais tediosas de Trauma Team — com exceção a uma, diferenciada, em que a câmera é usada para encontrar vítimas nos destroços de um acidente.

Fugindo um pouco da jogabilidade tradicional consolidada, existem as fases de Gabriel Cunningham e Naomi Kimishima. O primeiro é um especialista em diagnósticos, igual ao famigerado Doutor House. Em vez de participar diretamente de cirurgias, o game assume uma pegada mais de puzzle que exige o uso da lógica para determinar o mal que acomete os seus pacientes. Para tal, uma máquina registra e cruza todos os sintomas apresentados que podem ser identificados de diversas formas, como o próprio paciente comentando a respeito ou a leitura de exames diversos, como raio-x, que podem apresentar anormalidades detectadas a partir de comparações com imagens referentes às de um paciente saudável.

Kimishima, por sua vez, é a única média não estreante em Trauma Team, tendo já aparecido em Trauma Center: Second Opinion atuando sob o pseudônimo Nozomi Weaver. Médica forense e legista, ela utiliza de seus conhecimentos para ajudar a esclarecer casos não resolvidos pela polícia. Para isso, é necessário que coletemos evidências dos corpos e das roupas das vítimas, bem como analisar depoimentos de testemunhas e investigar as cenas do crime. Os excertos de informações obtidos podem ser cruzados a fim de tirar novas conclusões a sobre evento para, no fim, elucidar o que realmente aconteceu em cada ocorrência.


As fases protagonizadas por Cunningham e Kimishima são muito interessantes por terem trazido um frescor à série, que passaria a explorar novas possibilidades. Elas chegam a lembrar vagamente o sistema de investigação oferecido pelos Ace Attorney, tanto os Phoenix Wright quanto os Investigations, que focam no trabalho de promotor exercido por Miles Edgeworth.



Trauma Team acaba se destacando em relação a seus anteriores por outros dois motivos. Primeiro é a direção artística que desvia completamente e assume uma identidade visual de anime moderninho muito mais próxima de outros trabalhos da Atlus — mesmo que Masayuki Doi, o responsável, que trabalhou também na série Shin Megami Tensei e em Persona 2, também tenha assinado os Trauma Center desde New Blood. Em segundo lugar, é notável que o nível do desafio oferecido é muito inferior, tornando o título bem mais familiar e convidativo do que os antecessores, conhecidos justamente por conta de uma dificuldade realmente infernal.

Por fim, é válido lembrar que Trauma Team foi um dos games lançados (o único de sua série, aliás) no serviço de download de jogos do Wii que o Wii U oferecia, ao lado de outras pérolas third parties memoráveis como Lost in Shadow (Wii), Zack & Wiki: Quest for Barbaros' Treasure (Wii) e Muramasa: The Demon Blade (Wii).



Seria interessante se a franquia Trauma Center fosse resgatada novamente no Switch, utilizando tanto da tela de toque do aparelho — completamente esquecida pelas desenvolvedoras, diga-se de passagem — quanto dos motion controls que os Joy-Con carregam embutidos. Trauma Team, bem como New Blood, já carregavam um modo cooperativo. Poderiam fazer o mesmo, mas com apenas um Joy-Con para cada jogador.

O Wii presenciou o nascimento de várias séries que ficaram conhecidas por se aventurarem em novas ideias. Trauma Team é o último lançamento de uma que nasceu e morreu numa mesma geração, igual a alguns outros nomes que o console presenciou — como Red Steel, por exemplo. Isso é uma pena, porque Trauma Team foi justamente um título que, por fugir um pouco do modelo já imposto pelos seus antecessores, mostrou que a marca em questão ainda tinha potencial de revitalização.

Revisão: Vinícius Rutes

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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