Análise: Transistor (Switch) — Um RPG sem turnos, mas com muitas camadas

O título entrega uma experiência confusa, porém, única e quase sensorial.

em 04/11/2018

Transistor lembra outro jogo que eu tive a chance de fazer a análise há pouco tempo: Inside, da desenvolvedora Playdead. Ambos foram lançados alguns anos atrás e logo ganharam certa notoriedade cult no mundo dos indies graças às suas interessantes escolhas estéticas e de narrativa. Só que enquanto Inside entrega uma experiência mais crua — despida de muitos elementos ou informações — o action rpg da Supergiant Games segue o caminho inverso.

Uma espada tagarela

Red, uma moça ruiva que usa um vestido de gala rasgado com um casaco por cima, se encontra arrancando uma grande espada do corpo de um homem morto. De algum lugar, ela ouve instruções para puxar a espada, e logo então, as seguintes palavras: "Together again, sort of". É assim, arrastando a espada pesada no chão — e sem nenhuma indicação do que está acontecendo — que começa a nossa jornada (e a de Red) em Transistor.



A bastante cyberpunk cidade de Cloudbank, onde se passa o jogo, vive em uma utopia em que os cidadãos decidem democraticamente se vai chover, ou nevar, ou até mesmo a cor do céu durante o dia. Portando o controverso lema "Quando tudo muda, nada muda", uma organização de intelectuais chamada Camerata decide utilizar o processo (literalmente, the process) que controla esta cidade para tirar a voz do povo e, enfim, decidir e fixar certas coisas do cotidiano, quebrando esta mudança constante. Normalmente, o resultado não é bem o esperado e mais complicações não tardam a aparecer. 

Não se engane, você nunca receberá uma enxurrada de informações tão vasta e clara em Transistor, não mesmo. Na verdade, a história é contada através de fragmentos meio soltos: terminais espalhados pela cidade, algumas interações com outras pessoas e, principalmente, por meio do incessante falatório da fiel espada de Red, conhecida como Transistor. A ruiva é apresentada como uma cantora famosa no contexto desta cidade (e civilização), mas uma das poucas informações que recebemos no início é que a sua voz foi roubada. Ou melhor, prepare-se para algumas horas de perguntas e comentários da espada que nem o jogador nem a protagonista podem comentar ou responder — o que resta é escutar e seguir em frente.


Pseudo-turnos

Transistor funciona assim: ouça a espada por alguns minutos enquanto anda em um cenário bonito até encontrar uma "gangue" de robôs, destrua-os, siga em frente, repita o primeiro passo. Elementos como batalhas de chefe são exceção e qualquer variação maior de gameplay só não acontece. Pelo menos as lutas são interessantes e se desdobram de diversas formas. Guardadas em um menu confuso e, definitivamente, com mais informação do que o necessário, estão as funções. As funções podem ser definidas como ataques separados — cada uma para cada um dos botões principais A,B,X,Y — como upgrades primários ou secundários de qualquer uma das funções principais definidas, ou ainda, como efeito passivo primário ou secundário. Se parece confuso é porque realmente é bastante.

O sistema é tão confuso quanto diverso: às vezes aquele ataque que você colocou no A pode, na verdade, ser muito mais útil como efeito passivo geral, ou como upgrade secundário daquele ataque que está lá no X. As possibilidades são muitas e o jogo realmente pede que você explore essas diferentes maneiras de se jogar, especialmente por causa da específica mecânica de "morrer" em combate: cada morte representa a perda de uma destas funções, até você ficar sem nenhuma. Esta é uma forma bastante criativa de representar a "perda" em batalha e, de fato, combina perfeitamente com o sistema do jogo. 


À primeira vista, Transistor parece inclinar mais para o lado da ação do que do RPG, no entanto, em uma inspeção mais delicada, se percebe que o fluxo do combate preza por "pseudo-turnos", sem dar muito espaço para ações rápidas e instantâneas. Transistor é mais lento do que parece: não existe nenhum ataque básico, então qualquer ação realizada é tratada como uma "habilidade especial", dessa forma, mais lenta e burocrática. O jeito é apertar o ZR e entrar em uma tela onde você para o tempo e recebe uma timeline limitada de ações, que incluem caminhar e usar os diferentes ataques como você achar melhor. Prepare-se para o constante fogo cruzado enquanto tenta encontrar a melhor forma para vencer, as batalhas não são tão simples e a dificuldade pode ser aumentada ainda mais por meio do uso dos limiters: acessórios que aumentam o ganho de XP, mas dificultam outros aspectos, como o comportamento de certos inimigos.

Uma experiência estética única

Durante os incessantes encontros com os diferentes seres robóticos que compõem o "the process", uma coisa é certa: há muita beleza envolvida. A direção de arte do jogo empresta elementos do artista austríaco art noveau, Gustav Klimt — com a presença de muito dourado e pequenos elementos como anéis e círculos —, criando um senso estético muito particular e realmente incrível. Aliados à essa estética estão os gráficos que, embora simples, são ricos em detalhes e cheios de vida. E complementando esta sinfonia, logo aparece a linda trilha sonora, que muitas vezes inclui vocais (da nossa protagonista, Red), o que é pouco comum em trilhas de videogame, mas se encaixa com perfeição ao clima de Transistor.



O jogo é um tanto curto, um pouco repetitivo e definitivamente confuso — é necessário parar e aprender muita coisa para compreender e dominar o seu ritmo — só que ele, sem dúvidas, foi criado com bastante carinho e atenção. A história, ao mesmo tempo que omite informação, tem necessidade de dizer várias coisas, e de fazer fortes declarações sobre o que é a realidade, a vida e o propósito das nossas escolhas. Uma premissa que é definitivamente interessante, entretanto, para que funcione da melhor forma, também pede um pouco de tempo e atenção a mais do jogador. Encare Transistor como uma subjetiva jornada no mundo de Cloudbank (e na vida de Red), que não dirá muitas coisas na sua cara, mas claramente possui uma voz — ao contrário da protagonista e exatamente como a espada tagarela que empresta o seu nome ao título.

Prós

  • Estética própria; 
  • Trilha sonora original e excelente;
  • Combate satisfatório e interessante.

Contras

  • Um tanto curto e repetitivo;
  • Bastante denso e não muito acessível.
Transistor - Switch/PC/PS4/XBO - Nota: 8.0

Versão utilizada para análise: Switch
Revisão:  Arthur Maia
Análise produzida com cópia digital cedida pela Supergiant Games
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