Análise: Trailblazers (Switch) é um jogo de corrida que vai muito além de F-Zero e Splatoon

Desenvolvido pela Supergonk, o título acaba sendo estigmatizado pelas primeiras impressões, mas apresenta um conceito singular que brilha por mérito próprio.

em 24/11/2018
Apesar de controverso, há um pensamento disseminado a respeito de como as third parties enxergam os consoles da Nintendo: elas não querem desenvolver porque precisariam competir com os nomes da casa. Não há nada que realmente prove tal máxima. Entretanto, é interessante como a ausência de F-Zero desde a geração do GameCube permitiu que alguns outros títulos de corrida conseguissem atrair os holofotes para si em um vácuo deixado desde então, como Speed Racer: The Videogame (Wii) e Fast Racing Neo (Wii U). Hoje, temos o Switch e esse posto de principal jogo de corrida da plataforma — que não seja ocupado por Mario Kart — continua vago. Carregando características muito mais próximas da franquia protagonizada por Captain Falcon, podemos listar Fast RMX (Switch). Contudo, Trailblazers (Switch) é um bom exemplar desse filão automobilístico dos games e uma adição muito bem-vinda ao aparelho.


Embora usemos F-Zero na nossa introdução contextual, Trailblazers não é necessariamente um clone feito os outros nomes supracitados. As semelhanças não vão além do fato de serem ambos jogos de corrida cujo corpo de participantes é composto por indivíduos de vários cantos de uma galáxia. A questão é que o conceito dele é facilmente assimilável a uma nova propriedade intelectual da Nintendo, mais recente e que se tornou um dos maiores xodós recentes da empresa: Splatoon.



Como isso funciona? Splatoon não é um shooter? Bom, basicamente, além de cada um dos corredores terem seus atributos como qualquer jogo de corrida que se preze, a mecânica principal que diferencia Trailblazers de outros do gênero envolve criar rastros de tinta na arena que amplificam a aceleração dos carros que por cima deles passam. Por exemplo, entre dois times, um representado pela cor verde e outro pela cor vermelha, caso um corredor vermelho na liderança deixe um caminho de tinta em seu encalço, seus aliados conseguirão um boost de velocidade quando passarem por cima dele. O próprio também poderia fazer uso desse turbo em uma volta posterior, caso ele ainda esteja lá e não tenha sido sobreposto por rastros verdes deixados pela equipe adversária.

Essa diferenciada mecânica é suficiente para trazer uma pitada de estratégia ao título em vez de simplesmente exigir habilidade suficiente para conseguir a liderança e tentar mantê-la até o fim da disputa. Para se dar bem, é necessário não apenas ser bom no volante, mas também entender os melhores caminhos a serem tomados, bem como decidir os locais e momentos corretos para esparramar a tinta pelo trajeto. Depois de algumas voltas, a ideia é que haja já uma espécie de um caminho colorido a ser seguido que percorra a pista toda. Quanto maior ele for, mais tempo o corredor fica sobre a trilha e, consequentemente, o bônus de velocidade é maior.



Muito mais estratégico do que parece

Outra característica muito bem pensada de Trailblazers é a forma como cada corredor se relaciona com esse conceito singular que envolve pintar o chão. Os atributos básicos como velocidade, aceleração e manejo estão diretamente ligados à quantidade de tinta que um carro pode armazenar. Dessa forma, alguns acabam exigindo mais do jogador, que precisa compreender a forma correta de manejar cada personagem. Ele segue, portanto, na contramão de outros títulos de corrida em que geralmente escolhe-se o piloto que mais se adequa ao estilo de quem o controla.

Tendo isso em consideração, o domínio do jogo só é adquirido por aqueles que conseguem se adaptar a várias táticas diferentes e criam um entendimento a respeito da função do personagem escolhido. Sid, por exemplo, é o lagartão da manutenção. Seu carro é um dos mais lentos do game — só que é ele quem tem um dos melhores tanques de tinta do título. Isso, na prática, significa abrir mão de conquistar um lugar no pódio para que o resto do time consiga tanto pontuações quanto colocações melhores, visto que seu papel aqui é muito mais como suporte do que como um corredor que almeja os louros da vitória.



Essa escolha de se sacrificar em prol do time é muito importante por outra questão: a inteligência artificial dos adversários é realmente brutal. Uma fração de segundo fora da pista após uma curva em falso é suficiente para ver um oponente ultrapassando e ganhando uma distância considerável. A perfeição é a chave do sucesso, visto que falhas serão duramente punidas. Portanto, conhecer o trajeto acaba sendo um critério fundamental para alcançar o êxito.

Ter noção do objetivo pessoal em cada corrida também é importante principalmente na hora de completar o modo história, cujas corridas nem sempre exigem a vitória, propondo desafios específicos que envolvem acertar oponentes com disparos de tinta ou alcançar determinada pontuação a partir da quantidade de rastros deixados pelo trajeto. 

Ressalta-se que todas essas mecânicas só estão sendo discutidas pelo simples fato de que o sistema de corrida bruto, independente de todos esses diferenciais que fazem Trailblazers ser o que é, funciona. O manejo dos veículos é de primeira, apesar de alguns terem problemas sérios com curvas mais fechadas. A aceleração dos veículos transmite uma estabilidade interessante ao jogador. Em nenhum momento eles parecem leves ou pesados demais, mesmo que haja uma discrepância facilmente perceptível entre os carros mais lentos e os mais rápidos.




Chamem um guincho!

Apesar de tudo, ele não é um produto carente de falhas. Embora bonito graficamente, com cores vivas e intensas em um visual cel-shaded, falta um pouco de diversidade nos cenários — nesse aspecto, ele lembra um pouco Borderlands (Multi). Outro defeito que chega a incomodar com certa frequência é a queda de frames, quando o jogo literalmente engasga. Só nessa brincadeira, aquela disputa pela liderança instantaneamente se transforma num quinto ou sexto lugar por conta dessa suspensão momentânea na percepção espacial-temporal do game.

Outro revés, mas que não pesa tanto assim contra o produto final é a história da campanha: um enredo completamente sem graça sustentado por personagens que carecem de carisma narrativo. Por fim, os menus traduzidos para português também aparentam ter sido feitos por alguém que sabia espanhol e acreditava que a semelhança entre as línguas seria suficiente para uma localização, resultando em textos em um portunhol bem desagradável para quem os lê.



O mais importante, contudo, é que Trailblazers (Switch) diverte. Ele chega com uma proposta própria que em determinados momentos até parece exigir um pouco mais de polimento — quem sabe numa eventual sequência —, mas que é extremamente eficaz no que promete e se mostra muito mais complexa e desafiadora do que aparenta. Pode até soar uma heresia, mas o multiplayer local com até quatro jogadores lembra levemente Mario Kart, dada a natureza instável e imprevisível das corridas.  É uma adição interessante não apenas ao Switch, mas a esse universo dos games de corrida como um todo — e que convenhamos, é um título que não merece ser tachado como um híbrido curioso entre Splatoon e F-Zero, refém da primeira impressão que qualquer um possa ter a seu respeito. Ele é muito mais do que isso.

Prós:

  • Proposta inovadora realizada com perfeição;
  • Solidez considerável no manejo dos veículos;  
  • Exigência de estratégia e conhecimento dos aspectos técnicos dos personagens;
  • Cel-shaded colorido e vivo.

 Contras

  • Menus em portunhol;
  • Cenários pouco diversos que não se aproveitam da qualidade visual do game;
  • Queda de frames que atrapalham o gameplay;
  • Narrativa insossa sustentada por personagens sem carisma.
Trailblazers — Switch — Nota 7.5
Revisão: João Paulo Benevides
Análise feita com cópia digital cedida pela Rising Star Games
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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