Final Fantasy Crystal Chronicles: The Crystal Bearers (Wii) tem valor, mas já nasceu datado

O último Crystal Chronicles foi prejudicado por problemas de desenvolvimento e o atraso no lançamento resultou em uma recepção fria e ofuscada.

em 19/10/2018

A relação entre a Square e a Nintendo é atribulada desde que a empresa responsável por Final Fantasy saiu pela porta dos fundos ao migrar o sétimo jogo da mais popular de suas franquias para o console concorrente. Entretanto, é notável que, ainda assim, houve um flerte em relação ao público nintendista depois da fusão que resultou na formação da atual Square Enix. Apesar de não investir nos aparelhos da Big N de forma direta com grandes lançamentos de impacto, percebe-se que sempre foram desenvolvidos uma espécie de prêmios de consolação referentes a games exclusivos de séries paralelas.


Por exemplo, Final Fantasy Crystal Chronicles (GC) é um jogo do Gamecube que deu origem a toda uma série que se estendeu em sequências como Final Fantasy Crystal Chronicles: Ring of Fates (DS), My Life as a King (WiiWare), Echoes of Time (DS/Wii) e My Life as a Darklord (WiiWare). Todos os títulos dessa franquia spin-off seguiram uma estética mais cartunesca e caricata, até que Final Fantasy Crystal Chronicles: The Crystal Bearers (Wii) foi concebido.

Inferno Cristalizado

The Crystal Bearers foi anunciado originalmente na E3 2006, quando o Wii e seu sensor de movimento ainda eram uma novidade para o mundo. Com um visual mais maduro, ele tentava vir numa linha similar à de The Legend of Zelda: Twilight Princess (Wii/GC). A questão é que depois de ser oficialmente anunciado e receber um segundo trailer no ano seguinte, pouco se falou a respeito do game, aparentemente entrando no que costumeiramente é chamado de inferno de desenvolvimento (do inglês, development hell).

O blog dos desenvolvedores simplesmente parou de ser atualizado. Outros lançamentos da série de spin-off, como Ring of Fates e My Life as a King vieram, mas nenhum comentário a respeito de Crystal Bearers era feito, além de serem negadas as respostas quando perguntavam a respeito de sua situação. A EGM, em 2008, chegou a sugerir que o título tinha caído no esquecimento e eventualmente cancelado. A própria Square Enix teve que se pronunciar a respeito do ocorrido, negando tal informação e dizendo que eles ainda estavam trabalhando com a intenção de lançá-lo para o público.

O título só foi receber uma nova ação promocional em 2009, quando Echoes of Time tinha como extra um novo trailer a respeito do game. Ele foi sendo divulgado aos poucos até receber uma data de lançamento oficial: dia 26 de dezembro daquele ano. A questão é que, naquela altura do campeonato, ninguém mais realmente ligava para um Final Fantasy como aquele no Wii. O próprio aparelho também estava começando a apresentar sinais de desgaste. Dito isso, quando chegou às lojas, Crystal Bearers teve uma recepção bem morna e, desde então, a franquia permaneceu no limbo até recentemente, com o anúncio da remasterização do primeiro jogo.


Fugindo um pouco do tradicional para a franquia

Considerando o jogo original e suas principais sequências (excluindo aqui os lançamentos do WiiWare), o foco do da franquia sempre foi o multiplayer. The Crystal Bearers, no entanto, reformula esse conceito e se aproveita apenas da mitologia dos cristais que fazem a série em spin-off ser como é. Dito isso, o game para o Wii é uma aventura solo com um tom um pouco mais pesado em relação aos seus antecessores e, para isso, trabalha com uma modelagem mais realista — ao menos dentro dos limites do aparelho.

O mundo de Crystal Chronicles é definido pela existência de quatro raças diferenciadas. Os Clavats, que são bastante balanceados, próximos aos humanos; os Selkies, que são rápidos, ágeis e acrobáticos, lembrando muito a função assumida pelos elfos em RPGs de mesa como Dungeons & Dragons; os Yukes, que contam com grande poderio mágico; e os Lilties, um uma tribo originalmente notável pela estatura diminuta, mas que em The Crystal Bearers passou por um redesign e agora existem em todos os tamanhos.



O jogador assume o controle de Layle, o protagonista Clavat que é um portador de cristal. Tais indivíduos são especiais e dotados de grande poder mágico, embora mal vistos pela sociedade. O game começa com o personagem em questão sendo responsável por fazer a segurança de uma fragata voadora, uma espécie de cruzeiro aéreo, quando a embarcação sofre um ataque de criaturas invocadas por uma Yuke, raça que até então tinha sido banida daquele plano de existência. Além disso, é notável que a entidade, chamada Amidatelion, roubou fragmentos de cristais usados para energizar o cruzador.

A história do jogo então se desenvolve com Layle perseguindo esse ser misterioso e trabalhando diversos temas de maneira periférica, como discriminação e diplomacia, além de trazer um mundo interessante recheado de personagens memoráveis. É interessante também dar atenção a certas passagens marcantes da história, características do estilo de narrativa da Square Enix, como a sequência do baile, onde é necessário utilizar os controles de movimento de maneira rítmica, e a cena introdutória, quando entra um mini-game de tiro ao enfrentarmos com uma metralhadora os monstros invocados por Amidatelion.


O mundo vasto que foi ofuscado por um gameplay sem graça

Apesar de contar com uma história envolvente e um design de mundo exemplar, é uma pena que a jogabilidade ainda deixe a desejar. O poder mágico de Layle proporcionado por seu cristal tem como principal característica a manipulação da gravidade. Embora apresente um gameplay funcional, é notável que os combates se tornam, em sua maioria, sem graça, visto que eles se resumem a atirar um elemento do cenário contra outro. Podemos ainda ativar alguns hazards no campo que também podem afetar o inimigo, mas, na prática, essa mecânica logo se torna repetitiva — acima de tudo, por conta da utilização dos poderes de Layle que exigem os sensores de movimento do Wii.

Exatamente, aqueles que nas primeiras 72 horas de uso do aparelho jogando Wii Sports são divertidos, mas que logo caem no ostracismo e deixam de ser um diferencial para seu usuário. Por mais que haja boa intenção ao implementá-los de diversas formas em momentos específicos do game, como a frustrante batalha entre as garotas na praia — que por si só é algo de extremo mal gosto—, destaca-se como os controles logo se tornam o calcanhar de Aquiles que impedem que Crystal Bearers se torne um clássico da Square Enix.


Um cristal não-lapidado

Final Fantasy Crystal Chronicles: The Crystal Bearers pode não ser um título marcante por conta de seus controles repetitivos e sem graça. Entretanto, tudo o que ele tenta, faz com excelência. O mundo aberto é diverso e cheio de detalhes, com vários biomas diferentes cuja heterogeneidade ajuda a refrescar a experiência do jogador ao longo da narrativa. A história é empolgante e interessante, característica de um Final Fantasy sem necessariamente se tratar de um RPG puro-sangue, aqui inclinando-se muito mais para um game de ação e aventura que não se baseia tanto assim nos combates dependentes das variáveis dos RNGs.

O principal pecado talvez tenha sido justamente o tempo de desenvolvimento que resultou num lançamento em que tudo o que ele se propõe a fazer já tinha se mostrado incrivelmente datado. Ele foi concebido como um título para o Wii dentro do espectro das novidades e inovações que o console em questão podia apresentar, mas não regulou muito bem o tempo que essas características singulares continuariam sendo a sensação do momento antes de se tornarem ultrapassadas.

Hoje, o game pode ser encarado como um produto que atinge um nicho específico. Alguns irão se desinteressar rápido por, compreensivelmente, não assimilarem o título devido à sua carência de uma jogabilidade diversa e refinada. Outros irão se sentir imersos na narrativa empolgante e gastarão uma ou duas dezenas de horas atrás de cada detalhe que o mundo pode oferecer. A única forma de descobrir qual é o grupo que cada indivíduo pertence é jogando.

Revisão: André Carvalho
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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