Durante as décadas de 80 e 90, uma prática muito comum entre os jogadores era juntar aqueles centavos do troco do pão para ir até um fliperama ou locadora perto de casa, para jogar os seus games favoritos. Mesmo após a popularização dos videogames caseiros, um gênero muito comum que fazia sucesso eram os beat’em’ups, as populares “brigas de rua”, como Battletoads (Arcade/NES) e Final Fight (Arcade/SNES).
Entretanto, com o advento da quarta e quinta geração de videogames, os jogos 3D se tornaram o padrão da indústria, e podemos dizer que o gênero foi um dos que mais teve dificuldade em se adaptar às novas regras do mercado, ou também que pode ter sido substituído, em parte, por jogos hack’n’slash, como a série Devil May Cry.
Apesar de nunca ter desaparecido por completo, nos últimos anos, mais produtoras — em sua maioria indies — têm apostado suas fichas nesse estilo de gameplay, algumas focando na forte onda de nostalgia que se tornou um mercado rentável, e outras tentando inovar o gênero, trazendo elementos de outros estilos para variar um pouco a jogabilidade clássica, que consistia principalmente em ir da esquerda para à direita da tela, batendo em diversos capangas no percurso.
Com o lançamento de Ninjin: Clash of Carrots, a desenvolvedora brasileira Pocket Trap traz mais uma boa solução para a questão “como inovar o gênero beat’em’up”, misturando-o a outro gênero que até então também era difícil de ser adaptado, os shoot’em’ups. O resultado é uma grata surpresa, que vamos detalhar a seguir.
A história começa quando a pacífica vila Usagi é atacada pelo exército do Shogun, liderado no momento por seu filho Moe Jr., e todo o imenso estoque de cenouras é levado. O líder da vila deixa a cargo de Ninjin e Akai, um coelho e uma raposa ninjas, a responsabilidade de perseguir os vilões e recuperar a preciosa colheita da temporada. Apesar do plot simples, a trama cresce aos poucos, revelando a diferente motivação de cada um dos vilões principais em relação ao roubo dos alimentos.
Apesar de um tanto quanto clichê, o desenvolvimento da narrativa é muito bem realizado e, para aqueles que não se interessarem, é possível passar rapidamente os textos e pular algumas cutscenes. O tom dos diálogos é bastante leve e constantemente tenta ser engraçadinho, com alguns memes nacionais, pelo menos se jogado em português. No entanto, os heróis seguem a premissa do protagonista sem falas, funcionando como avatar do jogador e sem nenhum aprofundamento de personalidade.
Seria uma boa missão secundária, mas ficou só como piada mesmo |
Compondo a satisfatória ambientação, temos também um bom feedback sonoro. A natureza do game é bastante frenética, e por conta disso, os efeitos sonoros também ajudam a se localizar e perceber rapidamente se os nossos ataques estão ou não dando certo. Só me incomodou um pouco o som de vidro quebrado quando tomamos dano. A trilha sonora é muito agradável. Em vários momentos me peguei batucando a música da lojinha do game.
Baseado em sua meia inspiração de jogos de naves, os “Sh’m’ups”, na maioria das fases Ninjin e/ou Akai estão correndo para a direita, e por isso há uma certa dificuldade ao tentar se mover para trás (o que seria a esquerda da tela). Os inimigos podem aparecer pela frente ou por trás dos heróis e, por isso, é preciso desviar ou usar de uma técnica especial para acertar os que chegam pelas costas. Mas também há momentos em que as lutas são realizadas sem a movimentação habitual e, assim, os personagens viram naturalmente para trás, como algo mais próximo de um beat’em’up. Com isso e outros fatores citados no decorrer deste texto, conclui-se que o jogo apresenta boas variações de jogabilidade.
A princípio, temos à disposição uma espada, shurikens e um botão para esquivar dos inimigos, além de uma esquiva combinada com ataque, que é a única forma de atacar para trás sem ser jogando shurikens. Os controles são simples e precisos, mas nem sempre é fácil calcular corretamente a esquiva. Ela nos deixa invulnerável enquanto estamos executando o movimento, mas é fácil terminá-lo em frente a um inimigo ou em cima de algum projétil. Todos os nossos ataques e habilidades consomem stamina, e aprender a usar bem essa barra, balanceando ataque e defesa, é essencial, pois ela pode estar vazia exatamente no momento em que você precisa desviar de um ataque mortal.
Logo no início da jornada, libertamos o pequeno Corgi das garras dos vilões, e a partir daí, podemos visitar a sua loja para comprar novas armas, projéteis e itens que alteram atributos, como aumentar a quantidade de vida, a regeneração de stamina, e pegar cenouras mais facilmente, para citar alguns exemplos. A moeda são as próprias cenouras coletadas em combate. Além da loja, também é possível conseguir novos equipamentos coletando baús deixados por inimigos derrotados durante as fases.
Corgi está constantemente renovando seu estoque |
Há uma boa variedade de armas, divididas entre as classes padrão, faca, lança e pesada. Algumas possuem poderes elementais, como fogo, água e eletricidade. Além do nível de poder, que determina a quantidade de dano causado, elas possuem diferentes atributos de comprimento e porcentagem de dano crítico. Alguns elementos são melhores contra grandes grupos de inimigos, possuem dano crítico maior ou podem curar o nosso personagem. As diferentes classes de armas realmente influenciam na forma de atacar os inimigos, com maior ou menor agilidade, ou necessitando de uma maior ou menor distância para acertá-los.
Os projéteis (inicialmente shurikens) também variam bastante, alguns exemplares são explosivos, alguns são apenas deixados no caminho para que os inimigos pisem, e outros são literalmente bumerangues. São muitos recursos diferentes e vale a pena testá-los e trocá-los constantemente a fim de lidar com diferentes situações presentes das fases. Aliás, o jogo poderia ter uma opção para acessar rapidamente nosso inventário de equipamentos no menu que aparece após falhar em uma fase, deixando de lado a necessidade de voltar ao mapa principal para realizar as trocas.
Máscaras também podem ser adquiridas em uma outra loja, usando um tipo especial de cenouras arco-íris, mas essa opção serve apenas para customização visual, não alterando nenhuma outra característica do personagem. O interessante sobre isso é que essas mudanças visuais aparecem também no mapa de seleção de fase, mais uma questão que demonstra uma preocupação aos detalhes no jogo.
Captou a referência? |
Os inimigos aparecem divididos em hordas durante uma fase, e baseado no desempenho em cada sessão, é possível se curar bastante, pouco ou nada. O game segue a premissa do fácil de aprender e difícil de se sobressair. No início eles aparecem em menor número ou com padrões mais simples, mas à medida que vamos passando de fase, vai liberando aos poucos mais e mais inimigos diferentes, com diferentes padrões de ataque, movimentação e defesa, e eles vão se mesclando e utilizando diferentes estratégias para tentar nos derrotar.
Há algumas boss battles também, e ao vencer, tomamos deles algumas pedras elementais que nos proporcionam a capacidade de encher um nova barra à medida que derrotamos os inimigos. Ao preencher toda ela, o personagem automaticamente executa um especial. Nesse ponto fiquei um pouco decepcionado. Dois dos especiais disponíveis são bem interessantes, mas o terceiro praticamente só aumenta o dano. Além disso, existem mais elementos nas armas que não foram utilizados, e seriam interessantes traduzidos para a mecânica de especiais.
A curva de dificuldade e aprendizado do jogo é, na maior parte do tempo, bastante interessante. Até nas últimas fases ainda haverá alguns inimigos novos aparecendo, e a jogabilidade continua variando, com momentos de restrição de nossos movimentos e habilidades, que precisam ser superados. O game se torna cada vez mais desafiador, até chegar ao ponto de exigir do jogador um nível de ninja dos controles.
Tudo fica ainda mais divertido com os amigos |
Vou evitar spoilers, mas as duas últimas fases têm uma dificuldade fora dessa curva que andava tão correta. Talvez para tentar criar um final épico ou aumentar o número de horas do jogo, acabaram deixando o último chefe com uma dificuldade frustrante. Jogadores acostumados a jogos de nave no estilo “bullet hell” podem se dar bem mais rapidamente, mas até os players mais hardcore devem passar umas boas horas trocando equipamentos e quase desistindo até conseguir superá-lo.
O desafio em si é bem legal, e é perceptível que o jogo todo, principalmente a penúltima fase, tenta nos preparar para esse momento, mas talvez um pouco de pontos de vida a menos para o chefe final deixaria as coisas um pouco mais justas. A batalha se torna muito longa devido a sua vida alta, e em certos momentos há tantos elementos na tela ao mesmo tempo, que os centésimos de segundos que temos para procurar um lugar seguro para esquivar não são suficientes, sendo bem difícil não errar algumas vezes seguidas e perder uma grande quantidade da nossa vida.
O mapa vai expandindo à medida que avançamos na aventura |
O game pode ser jogado totalmente sozinho ou de forma cooperativa (local ou pela internet). Jogando em dois players, a dificuldade permanece a mesma, mas se um dos dois personagens morre o outro também falha na missão. Então é melhor procurar um bom companheiro de batalha. O dinheiro também é compartilhado e os personagens não conseguem usar uma cópia do mesmo equipamento, sendo forçados a criar builds diferentes. Ao fim de cada fase, baseado em alguns fatores, recebemos uma medalha com um rank. Conseguir o rank S em várias fases pode liberar prêmios especiais.
Por fim, existe um modo infinito, em que começamos com nossos equipamentos básicos, e a cada três rodadas de inimigos podemos pegar um item em meio a três opções aleatórias. Ao fim de dez rodadas ganhamos um baú. É uma boa forma de conseguir alguns equipamentos permanentes para finalizar o jogo 100%, tentar conseguir itens sem gastar cenouras, ou apenas se divertir mais casualmente. Juntamente com os ranks e a dificuldade alta, é uma medida que fortalece o fator replay do game. Mas cuidado com os spoilers, pois essa opção é liberada ainda no começo do jogo, e inimigos que só deveriam aparecer mais pra frente darão as caras também.
O Desafio Infinito é o programa mais assistido da TV Oni |
Quando eu vi o trailer do game pela primeira vez, confesso que não me chamou muito a atenção. Mas fico feliz por ter tido a oportunidade de testá-lo, já que suas maiores virtudes se revelam no gameplay. O jogo me cativou desde os primeiros momentos até o final, se tornando uma aventura prazerosa e divertidíssima. Passei muita raiva no chefe final, mas quanto mais o jogo me desafiava, mais eu tinha vontade de voltar lá e provar pra mim mesmo que eu conseguiria cumprir a minha missão. Como Ninjin ou como Akai, não importa. No fim das contas eu que me senti um verdadeiro ninja. Então, se puder, dê uma chance para Ninjin: Clash of Carrots.
Prós:
- Gameplay frenético e divertido;
- Cooperativo local ou online;
- Boa variação de itens e customização de personagem;
- Boa quantidade de inimigos e variações de gameplay;
- Bela direção de arte, com muita atenção aos detalhes;
- Trilha sonora agradável.
Contras:
- Batalha final com dificuldade fora da curva;
- Som de vidro quebrado ao receber dano é incômodo;
- Pouca variação de especiais.
Ninjin: Clash of Carrots — PC/XBO/PS4/Switch — Nota: 8.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vinícius Rutes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Modus Games