Labyrinth of Refrain: Coven of Dusk é a primeira investida da Nippon Ichi no subgênero em sua variante mais tradicional, embora a produtora já tenha se aventurado com crawlers ao estilo rogue-like com Z.H.P. Unlosing Ranger VS Darkdeath Evilman (PSP), The Guided Fate Paradox (PS3) e The Guided Fate Ultimatum (PS3). Trazendo a marca característica do estúdio, o jogo aborda as fórmulas simples e básicas do subgênero, adicionando camadas de complexidade extra e temperando tudo com pitadas de humor inusitado. A fórmula ideal para um belo título de nicho. Será que algo poderia dar errado? E poderia o título apetecer a mais alguém fora os já convertidos?
Diários de um... diário?
O jogo se passa no mundo distante de Tanis, iniciando-se com a chegada da bruxa Dronya à cidadezinha isolada de Refrain. Apesar da aparência comum, o vilarejo esconde diversos segredos, os quais giram em torno do misterioso Labirinto Ancestral que se esconde sob suas ruas. Ocultando sua real identidade como bruxa sob o disfarce de artista viajante e com a ajuda da fiel escudeira e aprendiz Luca, Dronya instala sua caravana próxima ao misterioso poço que, segundo as lendas, dá acesso à dungeon.
As lendas dão conta de que os túneis, infestados de miasma venenoso, representam a passagem para mundos ocultos que guardam tesouros e segredos diversos, os quais só foram desbravados por completo por um único explorador, que desapareceu deixando como legado um livro contendo os conhecimentos adquiridos ao longo de sua jornada: o Tractatum de Monstrum.
Se você pensa que seu papel será o de controlar Dronya, Luca e o elenco carismático de personagens que surge ao longo da trama, se enganou redondamente. Em Labyrinth of Refrain o jogador assume o papel de ninguém menos que o próprio Tractatum de Monstrum, após o misterioso diário receber uma alma, adquirindo vida e a capacidade de liderar expedições pelo Labirinto.
Com o miasma impedindo o acesso dos mortais ao local, Dronya envia o Tractatum (apelidado por Luca carinhosamente de Tractie) em jornadas pelos confins do Labirinto, equipado do Witch Brigade, seu exército de puppets — marionetes mágicas capazes de enfrentar os monstros que povoam o local com uma grande diversidade de poderes.
Combinando elementos de títulos anteriores da Nippon Ichi, como Makai Kingdom (PS2) e The Witch and the Hundreth Knight (Multi), a ambientação do game traz o misto de fantasia, humor e nonsense que marcou os jogos da série Disgaea, e o resultado é uma trama imprevisível e divertida que certamente agradará os fãs do estilo.
A história avança intercalando as expedições de Tractie pelas profundezas do Labirinto com as desventuras de Dronya e Luca na superfície, tentando lidar com os habitantes excêntricos do vilarejo e descobrir mais sobre os mistérios do local.
Enquanto as cenas com Dronya e Luca são repletas do humor característico dos jogos da NIS, a trama subterrânea adota um tom inusitadamente mais sombrio, com situações trágicas e cenas de violência pontuando alguns dos momentos-chave do enredo.
A combinação ajuda a dar ares de total imprevisibilidade à história, que se desenvolve através de cutscenes simples com texto e imagens, habilitadas ao final de determinado segmento de exploração, a partir de um dos relatórios de Tractie para sua patroa. Exceto por alguns momentos em que o jogador pode acabar um tanto perdido em relação ao próximo passo, o enredo flui bem e mantém-se dinâmico durante toda a duração do game.
É bastante divertido acompanhar os acontecimentos absurdos em Refrain após uma missão particularmente longa e desafiadora, Ao longo da jornada, os desenvolvimentos da trama me pegaram várias vezes de surpresa. Acredite — você nunca sabe o tipo de coisa que pode acontecer!
Dungeons & Puppets
Labyrinth of Refrain está para o dungeon crawler em primeira pessoa assim como Disgaea está para o RPG tático. Ou seja, o game transporta as mecânicas hiperbólicas da série de maior sucesso da NIS para um subgênero que consegue ser um nicho ainda mais restrito do que o SRPG, ao menos por estas bandas ocidentais.
Minha experiência na área, por exemplo, se restringe ao primeiro Persona (PS1) e à série Etrian Odyssey (DS). Tendo um pouco mais em comum com Etrian, o game enfatiza a criação de personagens e a customização da equipe e estratégias de batalha sobre a narrativa, embora não deixe a desejar na construção de mundo.
O elemento central do jogo é a exploração dos labirintos, que seguem mapas pré-rendenizados. A escolha é bem utilizada, com cada um dos diferentes mundos visitados possuindo puzzles, ambientações e mecânicas únicas, as quais seriam de mais difícil implementação sob o modelo procedural de um rogue-like.
Pontuando a jornada pelos corredores e salas estão as batalhas em turnos contra a horda de monstros que habita o local. O caráter de aleatorização e sorte se faz presente principalmente em torno da obtenção de ítens. Equipamentos e ítens importantes como os Pacts (mais sobre eles a seguir) só podem ser obtidos nas dungeons — em batalha ou em baús que surgem aleatoriamente a cada visita.
Introduzindo gradativamente o jogador às camadas e mais camadas de sistemas complexos, o game traz um início mais lento e pulveriza um longo "tutorial" ao longo dos primeiros segmentos da história. Por sorte, nada de explicações enfadonhas: tudo é aprendido na prática e o método infalível de tentativa-e-erro garante a diversão desde os primeiros momentos.
O que a início de conversa parece um dungeon crawler simples e direto, com uma equipe de até 5 puppets se aventurando pelos túneis subterrâneos de Refrain, rapidamente se transforma em uma aventura épica por reinos surreais ao longo da qual o jogador se vê administrando um exército de até 40 puppets (!!) simultaneamente.
Assim que se adquirirem as habilidades mais básicas de Tractie, nas primeiras horas de jogo, já é possível se ter uma boa ideia da dinâmica que se pode esperar pela próxima centena delas. A navegação pelo mapa é simplificada e se dá em esquema de grade, com um funcionamento por turnos.
Os inimigos são representados tanto na tela principal quanto no (sempre utilíssimo) mini-mapa, e movimentam-se a cada ação do jogador. Cada aventura no labirinto envolve a administração de diversos recursos diferentes, os quais possibilitam uma vasta gama de opções de escolha entre estilos de jogo.
Tractie conta com uma barra de Reinforcement, cujo valor-base é 100. A cada expedição, após ser descontado um preço, de acordo com a composição da Witch Brigade, o recurso pode ser utilizado para as mais diversas habilidades do livro animado: do simples reviver e cura de personagens até técnicas de ocultamento, criação de portais e passagens através das paredes.
Utilizar bem o Reinforcement é um dos diversos aspectos estratégicos com os quais o jogador vai se habituando aos poucos, sendo que é bem divertido adaptar o estilo de exploração a cada um dos mapas, que trazem desafios sempre diferentes.
Ao longo das batalhas e escondida em “pacotes” pelo mapa, Tractie coleta também a valiosa energia mágica Mana, que pode ser utilizada tanto para se adquirir suas citadas habilidades quanto para realizar a melhoria dos equipamentos, na oficina de alquimia de Dronya. Quanto maior o nível de mana acumulado em uma mesma viagem, mais o nível da barra de Item Drop sobre, garantindo melhores drops de itens e equipamentos.
O sistema incentiva o alongamento das explorações, o que acaba fazendo-nos escolher entre arriscar aquela “esticadinha” a mais, sob o risco do extermínio da party, ou voltar em segurança com o que já foi obtido para poder salvar o jogo e voltar para lutar em um novo dia.
Outra mecânica interessante do tipo é a habilidade de Stockpile, que garante multiplicadores de experiência para batalhas consecutivas, sob o custo de 1 ponto de Reinforcement por luta, e com o risco de se perder toda a experiência acumulada mediante uma eventual derrota. Mas não pense que é permitido ao Tractie ficar tão à vontade em seu farming de tesouros e pontos de experiência: cada andar do Labirinto conta com um nível de densidade de Mana o qual, quando ultrapassado, pune a equipe de maneira implacável.
Por falar em punição, uma forma interessante sob a qual a temática das marionetes é explorada é através do sistema de danos nos bonecos. Golpes críticos, chamados de Gore Hits, quando recebidos pelos puppets, podem levar à destruição dos membros, tronco ou até mesmo cabeça do boneco que abriga a alma do personagem em questão, gerando uma limitação fixa ao HP máximo e um dano relativo à parte perdida (perda de ATK com os braços, perda de AGI com as pernas, perda extra de HP com o tronco e perda total dos sentidos com a cabeça).
O efeito é incurável dentro da dungeon, podendo ser o responsável por desgraçar toda uma missão — sempre bom ter seus soldados reserva a postos para uma ocasião do tipo. Por sorte, basta voltar até a base de operações e pagar uma quantia (nem sempre tão) modesta para voltar seu soldado à forma original!
No entanto, não se engane: o game não se propõe com uma experiência hardcore. As mortes são pouco punidas e, conforme aumenta a complexidade dos desafios, as opções para o jogador vão se diversificando gradativamente, possibilitando a vitória pelos mais diversos meios. O jogo consegue assim ser desafiador sem cair na monotonia: ao longo das minhas mais de cem horas de jogo, nunca senti que a experiência havia estagnado ou se tornado repetitiva.
Com a party em constante evolução, novos elementos sendo introduzidos a cada segmento da história e a infinidade de opções de customização, há sempre algo novo para se tentar. O mais importante acaba sendo mesmo a exploração: uma derrota pode custar um pouco de Mana, experiência e dinheiro, mas beneficiar o jogador com o mapeamento de toda uma seção, o qual não vale a pena sacrificar com um load.
Conforme a equipe vai aumentando, as opções para o treinamento também vão melhorando, com Pacts especiais para grinding garantindo que os novatos rapidamente cheguem no patamar dos veteranos. O grinding assim acaba sendo suave, rápido e cheio da boa e velha coleta de loot, elemento indispensável em todo dungeon crawler de respeito.
Ainda que sem grande apelo visual, as lutas trazem um aspecto estratégico bastante interessante e a progressão rápida mantém o jogador constantemente recompensado. Trata-se do tipo ideal de jogo para o Switch: grinding no modo portátil, exploração e segmentos da história no modo docked, sendo que mesmo as sessões mais curtas de jogo trazem avanços significativos.
Batalhas Labirínticas
Seu exército pessoal, a Witch Brigade, é formada por cinco slots, um para cada Coven, que de início recebem um puppet cada um. Os puppets são construídos pelo jogador na base de operações de Dronya, e requerem a junção de um boneco (comprável facilmente) com uma alma (encontrada nas dungeons seladas em frascos, ou retirada de itens raros).
As Facets (jobs) disponíveis seguem os arquétipos tradicionais dos RPGs, com pequenos twists interessantes. De início, temos disponíveis o Aster Knight (Guerreiro), Marginal Maze (Mago), Peer Fortress (Tanque), Mad Raptor (Arqueiro/Gunner), Shinobushi (Ninja) e Theatrical Star (Buff/Suporte), cada qual com seis opções de visual (três para cada gênero disponível). Novas opções podem ser habilitadas encontrando itens escondidos pelo Labirinto.
Até aqui, tudo muito simples. A coisa adquire novos ares quando descobrimos que os cinco slots que formam o exército de Dronya não comportam apenas um puppet de cada vez, mas são na verdade destinados a comportar cada qual o seu próprio Coven. Um Coven é um subgrupo de personagens dentro da brigada, organizado a partir de um Pact (modelo de Coven), comportando até três personagens ativos em batalha e mais cinco em reserva.
As opções de Covens e de formação para a Brigada (união dos 5 Covens) são das mais diversas, e recompensam a experimentação através de um sistema de batalha robusto e bem desafiador. Tudo é muito bem indicado visualmente, prezando pelo simplismo e acessibilidade, em uma ótima combinação entre o complexo e a simplicidade retrô.
Mesmo com os Covens maiores ficando disponíveis apenas nos segmentos mais avançados do jogo, desde muito cedo o jogador perceberá o quanto a dinâmica transforma a maneira de se pensar em termos de administrar a party.
Enquanto as Facets determinam apenas os stats e as habilidades passivas dos personagens, as técnicas de batalha são habilitadas exclusivamente de acordo com os Covens. Além disso, as tropas designam uma série de efeitos passivos que, bem utilizados em conjunto, podem ser a fórmula para garantir a vitória (ou cair na mais amarga derrota).
Cada soldado-marionete pode ter diversas características customizadas, o que vai desde as Facets até seu aspecto visual, passando pela voz, skills, e até mesmo número da sorte. Também é possível atribuir um estilo de crescimento de stats (mais agressivo e arriscado, ou mais contido e equilibrado), além de uma estância (Sun, mais defensiva e Moon, mais ofensiva) e dois traços de personalidade — um explícito e um oculto, que atuam como as Natures de Pokémon, determinando proficiências diversas. Ufa! É customização que não acaba mais!
E isso tudo, é claro, não está restrito aos limites de uma única “encarnação”: um sistema de transferência de alma semelhante ao visto em Disgaea garante a possibilidade de retornar o personagem ao level inicial em um novo boneco, porém trazendo consigo benefícios de sua encarnação anterior.
A opção garante não apenas a expansão dos poderes dos marionetes para além do level cap padrão, como também possibilita um esquema multiclasses, trazendo possibilidades variadas de construir exércitos destruidores à altura dos desafios mais estapafúrdios do jogo. Infelizmente, o limite estreito do número de skills que cada personagem pode aprender limita um pouco essas possibilidades, ainda mais se comparado à insanidade da criação de personagens de Disgaea.
Com tantas opções e subsistemas, a experiência de se inteirar do sistema de batalha pode por vezes parecer tão desorientadora quanto os passeios de Tractie pelos labirintos sem fim. Porém, isso não passa da primeira impressão. Embora seus sistemas tenham considerável profundidade, o jogo toma seu tempo com os tutoriais, introduz elementos novos apenas de forma gradativa e traz inclusive as sempre bem-vindas opções de customização de dificuldade.
Assim como ocorre em Disgaea, o nível de poderes dos inimigos e o nível geral do desafio é totalmente regulável através de uma mecânica de aumento e diminuição de dificuldade interna ao jogo, pagável a qualquer momento com Mana. Ou seja, grande parte da complexidade extra é totalmente opcional, e pode inclusive ser administrada conforme o jogador vai se interessando em se aprofundar mais, sendo que cada um pode personalizar o desafio de modo a atender melhor seu estilo próprio de jogatina.
Fãs de produções anteriores da Nippon Ichi também tem muito o que encontrar aqui: os designs de Takehiko Harada e a música de Tenpei Sato, o bom humor e a história fora dos trilhos e, especialmente, o uso de mecânicas inventivas para garantir uma jogabilidade variada e envolvente.
Com tantas opções e subsistemas, a experiência de se inteirar do sistema de batalha pode por vezes parecer tão desorientadora quanto os passeios de Tractie pelos labirintos sem fim. Porém, isso não passa da primeira impressão. Embora seus sistemas tenham considerável profundidade, o jogo toma seu tempo com os tutoriais, introduz elementos novos apenas de forma gradativa e traz inclusive as sempre bem-vindas opções de customização de dificuldade.
Assim como ocorre em Disgaea, o nível de poderes dos inimigos e o nível geral do desafio é totalmente regulável através de uma mecânica de aumento e diminuição de dificuldade interna ao jogo, pagável a qualquer momento com Mana. Ou seja, grande parte da complexidade extra é totalmente opcional, e pode inclusive ser administrada conforme o jogador vai se interessando em se aprofundar mais, sendo que cada um pode personalizar o desafio de modo a atender melhor seu estilo próprio de jogatina.
Diversão em profundidade
Com tudo isso em mente, não é difícil pensar que Labyrinth possa ser, além de uma aventura imperdível para os fãs do gênero, uma boa introdução aos interessados, porém ainda hesitantes a respeito do estilo, mesmo levando em conta a relativa complexidade de seus sistemas.Fãs de produções anteriores da Nippon Ichi também tem muito o que encontrar aqui: os designs de Takehiko Harada e a música de Tenpei Sato, o bom humor e a história fora dos trilhos e, especialmente, o uso de mecânicas inventivas para garantir uma jogabilidade variada e envolvente.
Trazendo centenas de horas de diversão em potencial, Labyrinth of Refrain é uma excelente pedida para os fãs do gênero. A experiência toda é bastante recompensadora e preocupantemente viciante, especialmente para os apreciadores das batalhas por turnos retrô, ao estilo de Dragon Quest, ou ainda para os apreciadores dos recentes Etrian Odyssey V: Beyond the Myth (3DS) ou Shin Megami Tensei: Strange Journey Redux (3DS) que se encontram em busca de um pouco mais desse estilo raro de jogabilidade e desafio.
Prós
- Sistema de batalhas robusto combina muito bem a simplicidade com aspectos mais complexos;
- Diversidade de mecânicas inventivas garante que a experiência se mantenha sempre fresca;
- Sistema de Covens eleva o nível tático das batalhas;
- Grande variedade de ambientes, monstros e skills;
- Diversidade de opções de criação e customização de personagens;
- Excelente trilha sonora;
- História nonsense envolve e diverte, com excelente trabalho de localização para o inglês;
- Altíssimo fator replay, especialmente para os entusiastas do gênero.
Contras
- Pouca diversidade de classes;
- Falta de clareza das explicações oferecidas a respeito de alguns dos subsistemas;
- Limite baixo de skills acumuláveis por personagem.
Labyrinth of Refrain: Coven of Dusk (Switch/PS4/PC) — Nota: 8.5Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America