Os anos 80 estão sempre voltando à moda. É engraçado como as referências a épocas de outrora encontram naturalmente seu lugar em vários ciclos dentro da própria cultura popular. Séries como Stranger Things conquistam a audiência atual, que viveu ou não aquela época, encenando tal período e cheias de referências a modelos de sucesso. Os memes, piadas conhecidas mundialmente devido a internet, utilizam bastante material audiovisual antigo, como é o caso do famoso vídeo de Dark Souls (Multi) embalado pela música Take on me (A-ha).
Games não são diferentes e frequentemente referenciam ícones de outros jogos e da cultura pop em geral, produzindo novos ciclos de nostalgia. Vivemos numa época em que os adultos mais do que nunca sentem falta das lembranças de suas infâncias, ou das lembranças que pensam que têm, em que tudo parecia melhor e mais feliz.
“Nostalgia é um termo que descreve uma sensação de saudade idealizada, e às vezes irreal, por momentos vividos no passado associada a um desejo sentimental de regresso, impulsionado por lembranças de momentos felizes e antigas relações sociais”.Alguns produtores provavelmente apenas usam referências de seus gostos pessoais, afinal, somos aquilo que vivemos e seres que aprendem muito com exemplos, principalmente na infância. A questão é que, mercadologicamente, se muitas pessoas possuem tal sentimento, explorar isso trazendo produtos que cumprem o papel de “matar essa saudade” se torna viável e lucrativo. Já faz algum tempo que descobriram que nostalgia vende, e tem gente disposta a pagar muito bem por isso.
The Videokid é um jogo com uma forte inspiração em Paperboy (Arcade), game desenvolvido pela Atari na década de 80, em que o objetivo é controlar um garoto que precisa entregar jornais na vizinhança com sua bicicleta. No entanto, trocaram a bicicleta por um skate e os jornais por fitas de vídeo. O jogo também possui um grande foco em referenciar vários ícones da cultura pop, como por exemplo Superman, as Tartarugas Ninja, Transformers, entre outros.
A estrutura do jogo segue a básica premissa de sua inspiração. Começamos na parte de baixo da tela e o personagem vai andando com seu skate automaticamente para cima. Precisamos desviar de obstáculos enquanto acertamos fitas VHS nas caixas de correio das casas da vizinhança. Um objetivo final proposto é chegar até Jessica, descrita como namorada do garoto entregador, e o primeiro ponto negativo pra mim já começa aí: ao chegar no objetivo eu não vi nenhuma garota e o jogo simplesmente continuou até que “eu perdesse a minha ficha”. Não é muito recompensador um objetivo que parece inexistente.
O game tenta simular uma autêntica experiência arcade. Não há menu inicial ou tela de opções, apenas apertamos “+” para começar, e há uma loja que pode ser acessada após cada falha. Porém, várias decisões no jogo são bastante controversas. Os controles funcionam bem, mas não livremente. Existem três “guias” e só podemos andar em linha reta, alternando entre elas, como acontece em alguns “runners” encontrados em dispositivos mobile. Outro ponto negativo é que não é possível pular e mudar de direção ao mesmo tempo, exceto quando o personagem se encontra em uma plataforma — podem ser carros, bancos de praça, caixas, etc. —, nesse caso o botão de pulo não é necessário, bastando direcionar para o lado.
Tal loja mencionada possui skins para o personagem, que são bastante interessantes e criativas. Todas fazem referências a características comuns de personagens de filmes da década de oitenta, ou diretamente a ícones da cultura pop. Além da aparência, a voz do personagem também é modificada — a minha preferida foi a de Coringa. Também existem manobras adicionais que podem ser desbloqueadas, mas em nenhum momento percebi tal uso real no jogo. Para realizar as compras é necessário juntar moedas e outros itens de valor monetário durante as partidas.
A ambientação do jogo é muito colorida, bonita e competente. Os gráficos simulando grandes “pixels 3D” realmente me cativaram. O cenário é um tanto caótico, com muitos elementos na tela ao mesmo tempo, mas dá pra perceber que é bastante rico em detalhes, e as animações são muito bem feitas. Já vi usos de “bonecos formados por quadradinhos” em outros jogos que não ficaram assim tão bem feitos, e ainda por cima, tão bem animados. Os sons meio metalizados combinam com a proposta do game e a música é gostosa de ouvir, não incomoda mesmo após várias horas de jogo.
Enquanto estamos entregando fitas e desviando das referências e obstáculos, podemos encontrar alguns power-ups também e, infelizmente, é mais uma mecânica que não adiciona profundidade ao jogo. As mudanças no cenário são bem pequenas entre uma partida e outra, mas elas existem, principalmente nos cruzamentos da rua. Porém, os itens estão sempre nos mesmos lugares, e eles não são realmente necessários onde estão, fazendo pouca diferença pegá-los ou não.
Outra incoerência é a pontuação, que só vai servir para alguma coisa caso seja tirada uma foto com os recursos do console. O jogo não salva esses dados, portanto, não é possível comparar com suas jogadas anteriores ou disputar com os amigos. Existem muitas formas de fazer pontos no jogo, mas acaba sendo um desperdício. Um único Joy-Con também não é aceito para jogar, desta forma, se por algum motivo estiver apenas com um controle disponível, The Videokid não será o jogo para o momento.
Para piorar a situação, o jogo sofre com alguns congelamentos de tela aleatórios, sendo necessário fechá-lo para reabrir e jogar novamente. Houve uma atualização com o lançamento, mas aparentemente não solucionou o problema. Isso pode ocorrer tanto durante o gameplay, quanto nas telas de pontuação ou loja. Não é frequente, mas mesmo assim, incômodo.
Por fim, é um game no qual a persistência é a sua melhor amiga. Assim como em muitos jogos da década de oitenta, a dificuldade parece elevada, mas a cada derrota podemos aprender a “manha” de passar aquela parte. E assim, decorando cada pedacinho do cenário, vamos avançando e melhorando, chegando cada vez mais longe até concluir nosso objetivo. Pode parecer um level design datado, mas lembre-se que a proposta do jogo é vender nostalgia. No fim, o desafio é bastante interessante e, apesar de repetitivo, chega a ser divertido. Não dá para reclamar de fator replay.
Resumidamente, The Videokid é um jogo belíssimo, destacando sua arte minimalista baseada em cubos. A sonorização acompanha a idéia central, compondo a ambientação característica de um jogo arcade atualizado. O level design é ok, nada surpreendente, mas também não chega a ser catastrófico. Infelizmente, e é difícil tentar encontrar um motivo para isso, todos os outros quesitos necessários a criação de um bom jogo parecem não ter recebido a mesma atenção. São muitas incoerências e más decisões que realmente incomodam durante a jogatina. Tais questões poderiam ser resolvidas com atualizações, mas no momento é bem difícil indicar o jogo, mesmo para aqueles players saudosos pelo garoto entregador de jornais.
Prós
- Bela arte minimalista baseada em cubos;
- Centenas de referências à cultura pop;
- Música agradável e boa sonorização, de acordo com o contexto do jogo.
Contras
- Propaganda interna da loja do jogo é irritante e desnecessária;
- Objetivo final confuso;
- Desbloqueáveis que não aparentam trazer alguma mudança real no gameplay;
- Power-ups não trazem profundidade ao jogo;
- Pontuação quase inutilizada;
- Não aceita o uso de single Joy-Con;
- Problemas técnicos.
The Videokid — Switch/PC/XONE — Nota: 5.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Ana Krishna Peixoto
Análise produzida com cópia digital cedida pela Chorus Worldwide Games