Análise: Anima: Gate of Memories: Arcane Edition (Switch) ensina sobre identidade e anacronismo

Mirando Bayonetta, o título acerta o esquecimento como um produto final que não passa de uma perda de tempo para todos os envolvidos, dos desenvolvedores aos jogadores.

em 14/07/2018

Na história dos games, não é incomum que jogos considerados clones alcancem certa projeção e se tornem populares. Às vezes não chegam aos pés dos originais, mas conseguem seu nicho de mercado e sua própria base de fãs porque conseguem ter elementos característicos suficientes para se sobressaírem. Saints Row, por exemplo, conseguiu alguma luz própria ao apostar no esculacho depois de ficar à sombra de GTA.


Ao iniciarmos Anima: Gate of Memories: Arcane Edition (Switch), é notável que lembramos quase imediatamente de outro título que recentemente viu a Nintendo como sua nova casa: Bayonetta (Multi). Utilizando-se de um visual gótico e vitoriano, a comparação ultrapassa a temática e avança até mesmo ao gameplay, que aqui passa por uma curva evolutiva do “falho” ao “funcional”. A experiência, no fim das contas, é mais um port de um título genérico já lançado anteriormente em outras plataformas e que será facilmente esquecido em meio à biblioteca de jogos do Switch.


Duas histórias em um jogo — mas nada realmente marcante

Esta chamada Arcane Edition conta com duas campanhas no universo de Anima, uma série de RPG de mesa influenciada por títulos japoneses do gênero e lançado originalmente em 2005 na Espanha. Desde então, a propriedade se expandiu para TCG e, eventualmente, videogames. Depois de um título virtualmente desconhecido de plataforma para o WiiWare chamado Anima: Ark of Sinners (Wii), o RPG Anima: Gate of Memories foi lançado para PlayStation 4, PC e Xbox One em 2016.

A história de Gate of Memories conta a respeito de uma garota que é chamada de Bearer, que em português significa “portadora”. Ela faz jus ao seu nome ao ser portadora do Book of Void — o Livro do Vazio —, um artefato que aprisiona uma entidade demoníaca. Conhecido como Ergo, o game permite alterar o controle entre ele e Bearer durante o gameplay com um toque de botão no intuito de fazer o melhor uso de cada um. A feiticeira tem uma build voltada para ataques mágicos, enquanto o demônio, por sua vez, se dá melhor com combos físicos.

Depois de uma sequência introdutória, o jogador se encontra em uma espécie de templo gigante com várias alas diferentes e que funciona como um hub. Ao todo, são cinco alas que podem ser jogadas em qualquer ordem, mas recomenda-se que elas sejam vencidas em sequência para que a curva de dificuldade vá se ajustando de acordo com a evolução dos personagens.

Além da história de Gate of Memories — com seus múltiplos finais —, é notável que o jogador também pode jogar a campanha expandida, chamada The Nameless Chronicles, em que a história é vista sob o olhar dos antagonistas do título. Isso rende umas horas extras de jogo para quem realmente tiver interesse em dissecá-lo por completo.


Jogabilidade e questões de anacronismo

A definição de anacronismo se dá em querer atribuir alguns valores de determinada época, como os atuais, em produtos de épocas diferentes. Por exemplo, eu não posso criticar os gráficos de um jogo de Nintendo 64 utilizando como critério de comparação os jogos atuais em alta definição e superior capacidade poligonal. Entretanto, também pode-se entender como anacronismo se considerarmos a atual conjectura da indústria de games e alguns jogos simplesmente ignorarem alguns padrões técnicos de hoje ao chegarem no mercado. Em outras palavras, é aquele chavão conhecido do meio gamer: “o jogo já nasceu datado”.

Isso acontece com Anima: Gate of Memories. Caso fosse lançado na geração do GameCube, certamente seria um clássico memorável. Hoje, alguns problemas de câmera e controle de personagens não poderiam estar presentes em um produto finalizado, independente se ele é indie. Faltou polimento na movimentação que faz com que o título se torne um inferno em determinadas sequências, especialmente as de plataforma — dificultadas ainda mais por conta do sistema de câmera estúpido que não acompanha o personagem e é desregulado demais para que o próprio jogador assuma as rédeas dessa função.

Dessa maneira, o jogador precisa se adaptar aos controles e ao delay presente entre a inserção do comando e a resposta dele na tela. Mais uma vez: isso, há quinze anos, poderia ser um revés referente às capacidades dos consoles da época. Hoje, essa falta de fluidez e cadência faz com que o título fique muito atrás de outros similares no mercado.



Além disso, Anima chama a atenção por possuir uma árvore de habilidades notável para os personagens, que vão evoluindo e ganhando novas técnicas para serem usadas. Contudo, há um desequilíbrio na utilidade prática delas, considerando que o disparo mágico simples que é liberado logo no início consegue ser bem mais funcional do que outras skills que podem ser desbloqueadas depois de um tempo. Isso acaba desestimulando o jogador a buscar mais variedade no título, pois não há fator compensatório.

Em um panorama geral em que um jogo como Bayonetta existe, Anima não tem absolutamente nada de interessante para oferecer. Ele não tem qualquer proposta diferenciada que atraia jogadores em potencial, muito menos serve como alternativa mais barata simplesmente porque o produto final não compensa proporcionalmente. O título infelizmente não passa de uma perda de tempo para todos os envolvidos.

Há também a questão do port em si ter sido preguiçoso ao ponto de nem mesmo se darem ao trabalho de remapear os comandos. Pode parecer até frescura, mas é uma convenção estabelecida que o botão A, nos aparelhos da Nintendo, assume as principais funções básicas em um título, como avançar o texto dos diálogos e cutscenes, além de servir como o comando de confirmação. Dessa forma, o simples ato de navegar nos menus torna-se um exercício à parte para um cérebro que já memorizou mecanicamente o mapa de botões do Switch.

Anima não é ruim, só que também não é bom — e isso é triste

Há games que são tão ruins que certamente invocam nosso sentimento de raiva durante o jogo. Eles acabam nos marcando justamente por isso: serem ruins. De alguma forma, conseguiram se sobressair negativamente ao ponto de ficarem registrados em nossas lembranças.

Não dá para chamar Anima de ruim. Ele é apenas medíocre, o que chega a ser deprimente. Com o avanço dos métodos de publicação proporcionados pela aderência dos jogos em formato digital, games e mais games são lançados rotineiramente em serviços como as lojas on-line dos consoles ou no Steam. Daí, apenas uma ínfima porcentagem consegue se sobressair, seja positiva ou negativamente.

Anima faz parte da realidade da maioria, em que um grupo realiza um trabalho cujo único registro na história acaba sendo estar à venda nos aplicativos de compra. Sua mediocridade é um revés porque ela não é suficiente para resultar em vendas ou buzz. Não se destacando em quase nada, o título conta com uma jogabilidade datada, história banal, desenvolvimento de mundo pífio e se salva apenas pela direção de arte, essa fracamente transposta por uma modelagem insossa dos modelos 3D que compõem o jogo. Anima: Arcane Edition até tenta ter sua própria luz, mas acaba sendo apenas mais um produto burocrático que as areias do tempo farão o trabalho de enterrar em um futuro não tão distante.

Prós

  • Direção de arte competente;
  • Campanha com potencial — mesmo que minúsculo — de envolver alguns (poucos) jogadores.

Contras

  • História banal;
  • Jogabilidade datada;
  • Diálogos e interpretações bregas;
  • Port preguiçoso;
  • Similares melhores no mercado.
Anima: Arcane Edition — Switch — Nota 5.0
Revisão: Vitor Tibério
Análise produzida com cópia digital cedida pela Badland Games
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É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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