Você assopra a fita de Super Mario World, coloca no console e o liga. “Plin” - uma tela preta aparece com os dizeres “Nintendo Presents”. De repente esta tela abre para um mundo cheio de cores e a música de abertura toca. Consegue ouvi-la? Eu aposto que sim. Boas trilhas sonoras marcam nossas vidas, assim como bons personagens, roteiros e gameplays.
Trilhas de games como Donkey Kong Country, por exemplo, são desassociáveis. A música de abertura, do mapa de seleção de fases, de vitória, de derrota... pensamos na imagem, lembramos do som e vice-versa. Porém, nem todo desenvolvedor dá a devida atenção a este elemento em seus games.
No cenário independente, especialmente entre estudantes, é comum ver pequenos grupos formados apenas por programadores e artistas visuais. A função de músico é cedida a um membro da equipe que vasculha a internet por músicas sem copyright.
Essa atitude não é errada. Porém, ela aumenta as chances do game ter a mesma trilha utilizada em milhares de outros títulos, além de perder uma possível identidade sonora.
Neste artigo, estarei compartilhando um pouco do meu conhecimento sobre composição e gravação de trilhas sonoras para games. Seja qual for seu objetivo para com esta leitura (se tornar um músico de videogames, compor trilhas para os seus jogos independentes ou só saciar sua curiosidade), eu espero que lhe seja de grande ajuda. Fique à vontade para deixar qualquer dúvida nos comentários.
"Taram tarararam taram taram tararararaaaam" |
Que equipamento eu preciso para fazer música?
Não é preciso gastar muito dinheiro para produzir músicas para games. Nada se compara a orquestras contratadas e gravações em estúdio, mas você pode fazer material profissional com o computador que possui em casa.
De forma prática, você precisa de um software que simule e grave os sons dos instrumentos que deseja utilizar em suas músicas. Existem vários softwares deste estilo e vale a pena você pesquisar algum que você goste. Muitos utilizam o Fruit Loops. Eu, particularmente, gosto bastante do Garage Band (para Mac) e do MixCraft (para Windows).
Estes softwares possuem um piano virtual, o qual você pode utilizar para gravar todos os instrumentos disponíveis, utilizando o teclado de seu computador. Porém, suas possibilidades aumentam se você possuir um teclado (instrumento) MIDI.
Precisa saber tocar teclado?
Para fazer música para games não é necessário ser um tecladista experiente, mas é preciso ter uma certa noção de teoria musical. Quando se conhece a teoria, o teclado se torna um instrumento prático e você sabe ao menos o que está fazendo.
Os softwares ajudam muito neste sentido. Se você não consegue tocar um trecho em uma velocidade alta, você pode gravá-lo com uma taxa baixa de batidas por minuto e aumentá-la depois. Se não consegue tocar com as duas mãos, pode gravar cada nota de forma separada. As possibilidades são várias.
Mas vale lembrar que conhecimento nunca é demais, e quanto mais habilidade você tiver com o instrumento, maior a possibilidade de fazer uma trilha inesquecível.
Um pouco de teoria musical
Capa de um game de nave futurista com um senhor tocando banjo (?) |
Você já deve conhecer as notas musicais Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si. Na linguagem musical internacional, as que normalmente vemos nas cifras, partituras e softwares, utilizamos letras que representam cada uma dessas notas: C (Dó), D (Ré), E (Mi), F (Fá), G (Sol), A (Lá) e B (Si).
Este conjunto de notas formam um grupo que chamamos de “Escala de Dó maior natural”. No teclado, elas correspondem às teclas brancas. Se você criar uma melodia tocando apenas estas teclas, perceberá que ela possui uma certa harmonia.
Existem diversas escalas, cada uma com sua fórmula aplicável a todas as notas. As escalas têm como finalidade dar ao músico uma espécie de “cardápio”, apresentando a ele as notas que ele pode utilizar para que a música soe com harmonia e traga o resultado desejado.
As notas presentes em cada escala são definidas de acordo com seus intervalos (distância entre duas notas). Esses, são representados por tons e semitons.
Localização das notas no teclado |
Cada tecla branca do teclado representa um tom de distância da nota anterior. As teclas pretas, localizadas entre estas notas, representam meio-tom de distância entre uma nota e outra, intervalo que chamamos de semitom.
Porém, perceba que entre as notas Mi e Fá e Si e Dó não temos teclas pretas. Sendo assim, a distância entre estas notas é de um semitom.
Escala maior natural
Está achando complicado? Lembre-se que você pode me deixar perguntas nos comentários, ok?
Como disse anteriormente, as notas Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si (C, D, E, F, G. A e B) formam um conjunto chamado “Escala de Dó maior natural”. Também foi dito que as escalas podem ser aplicadas a todas as notas. Sendo assim, vamos encontrar as notas da “Escala de Ré maior natural”.
A fórmula das escalas maiores naturais é: tom, tom, semitom, tom, tom, tom, semitom.
A um tom de distância de Ré (D) temos a Mi (E).
A um tom de distância de Mi (E), temos uma tecla preta. Neste contexto, ela é chamada de Fá sustenido (F#). Se olhássemos pelo contexto da nota Sol, ela seria chamada de Sol bemol (Gb).
A um semitom de distância de Fá sustenido (F#), temos a nota Sol (G).
A um tom de Sol (G), temos a nota Lá (A).
A um tom de distância de Lá (A), temos a nota Si (B).
A um tom de distância de Si (B), temos outra tecla preta. Neste contexto, ela representa o Dó sustenido (C#). Se olhássemos pelo contexto da nota Ré (D), ela seria chamada de Dé bemol (Db).
A um semitom de distância de Dó sustenido (C#), temos novamente a nota Ré, em uma altura mais aguda que a primeira nota da escala, a qual chamamos de oitava (por ser a oitava nota da escala).
Escala cromática
Como você pôde ver, existem notas intermediárias na distância entre uma nota e outra, que recebem em seus nomes o acréscimo dos termos sustenido (#) ou bemol (b), dependendo de qual escalas elas se encontram. O conjunto dessas notas com as da escala natural é chamado de “Escala cromática”.
Facilitando sua vida
Para facilitar sua vida, preparei algumas tabelas com escalas que podem lhe ser úteis na hora de compor. Lembre-se sempre que, apesar de existirem músicas bem-sucedidas que fogem da regra, o ideal é compor sempre de acordo com uma escala escolhida.
As tabelas também trazem um “dicionário de construção de acordes”, que não me aprofundarei neste artigo. Acordes basicamente são um conjunto de três notas (ou mais) tocadas ao mesmo tempo. Esses normalmente são utilizados como base para a melodia. De forma simples, os acordes mais comuns são formados pela primeira, terceira e quinta nota de uma escala.
Trazendo um ar mais escuro...
As escalas maiores são boas para momentos descontraídos de seus games, porém, são um pouco limitadoras quando se trata de momentos obscuros, tristes ou tensos, como a batalha contra um boss ou o tema de Game Over.
Para estes momentos, temos as escalas menores. A fórmula é a seguinte: Tom, semitom, tom, tom, semitom, tom, tom.
Dica: Quando dominar a escala maior, basta diminuir a terceira, a sexta e a sétima nota em meio tom (um semitom).
Existem várias outras escalas que você pode utilizar para compor suas músicas, mas apenas com a de Dó maior e menor já é possível fazer muitas músicas. A escolha de qual usar depende unicamente de qual sensação você quer passar naquele determinado momento do jogo.
Vale ressaltar que existem músicas de sucesso que fogem destas regras. Isso não é errado. Porém, é importante que as regras sejam quebradas de forma consciente, com a intenção de realizar uma determinada reação ao jogador.
Mãos à obra!
A maioria dos programas de composição musical e gravação utilizam uma interface parecida. Para este artigo utilizei o Mixcraft 8, para Windows, mas se você utilizar o Garage Band, no seu Mac ou Tablet, não verá diferenças significativas na forma de usar.
Assim como pinturas, as músicas são gravadas em camadas, às quais chamamos de “pistas”.
Cada instrumento é gravado em uma pista diferente, para que você possa trabalhá-las de forma individual e para que o som tenha mais qualidade.
Instrumentos |
Pistas |
Esses softwares oferecem uma leva de simuladores de instrumentos que você pode utilizar. Basta escolhê-los e adicioná-los.
Tela de escolha de instrumentos do Mixcraft |
Antes de gravar, é essencial definir a velocidade da gravação e ativar o metrônomo. Gravando de acordo com as batidas do metrônomo, você não terá problemas com o tempo. Tudo ficará no seu devido lugar quando adicionar novos instrumentos, assim poderá alterar a velocidade da música quando quiser.
Metrônomo e tempo |
Para gravar, basta apertar o botão “Record” e tocar as notas desejadas no teclado (real ou virtual). Gravando instrumento por instrumento, você terá uma tela como na figura abaixo.
Música gravada |
Estas faixas são editáveis. Você pode diminuir seus tamanhos para cortar um trecho; pode mudá-las de lugar, para que toquem em outro momento; pode copiar e colar um trecho que se repete várias vezes durante a música, sem precisar regravá-lo, dentre outras possibilidades.
Ao lado esquerdo de cada faixa o software te dá opções de volume, para que você controle qual instrumento falará mais alto na sua trilha. Isso pode ser controlado com mais precisão clicando no ícone de gráfico que se encontra no menu da pista.
Com esta opção você consegue controlar em quais partes o instrumento terá mais intensidade no volume.
A ferramenta Toogle Automation é uma importante aliada na finalização |
Com a trilha finalizada, exporte o arquivo para o formato combinado pela equipe. Os formatos OGG e MP3 são os mais utilizados. Antes de dar a tarefa como concluída, abra o arquivo em algum software de edição de som, como o Audacity ou Adobe Audition e verifique se existem espaços vazios (sem som) no começo ou no fim da trilha.
Como a faixa é destinada a um game, é muito provável que ela tocará repetidas vezes durante o game, em loop. A intenção é que o jogador não perceba quando a música acaba e começa a tocar, então, o ideal é cortar essas partes vazias. Em ambos os softwares, basta selecionar os trechos e apertar a tecla “delete”.
Dicas finais
Agora que você tem uma certa ideia de como fazer trilhas sonoras para os seus jogos, deixo aqui algumas dicas:
- Procure utilizar mais de um instrumento em suas trilhas. Uma música centrada no piano pode ficar muito mais rica e interessante acompanhada de violoncelos e flautas, por exemplo.
- Use o baixo. Ele tem o poder de potencializar o ritmo de toda a música.
- Componha uma melodia diferente para cada instrumento.
- Procure escutar como o instrumento soa na vida real. Observe como ele é tocado, buscando trazer à trilha o som mais próximo possível do real.
- Os softwares dão a possibilidade de utilizar loops pré-gravados em suas músicas. Podem ser de grande ajuda em algumas composições.
Fazer música para games aparentemente é uma tarefa simples, afinal, é comum vermos músicos compondo uma chuva de trilhas rapidamente em Game Jams. Porém, essa aparente simplicidade é resultado de muito estudo e prática. Dominando a teoria que expliquei neste texto, você no mínimo terá composições harmoniosas. No entanto, vale lembrar que para chegar em uma boa trilha é preciso muita dedicação. Mas, com força de vontade, você consegue.
Revisão: Vinícius Fernandes