Nova IP da Nintendo traz criativo sistema de combate e personagens interessantes em uma história divertida, porém baseia seu progresso em tarefas repetitivas.
A E3 2017 foi a primeira após o lançamento do Nintendo Switch e, previsivelmente, o foco dos anúncios foi o novo console. Somado ao fator híbrido do Switch, isto fez com que muitos decretassem a morte do Nintendo 3DS. Porém, a Nintendo fez questão de deixar claro que não abandonaria o portátil tão cedo. Tanto que divulgou, durante o evento, o aclamado Metroid: Samus Returns e um estranho jogo que não teve tanto destaque assim: Sushi Striker: The Way of Sushido.
Desenvolvido pela Big N, em parceria com o estúdio indieszero (produtores de NES Remixe Electroplankton), o título de ação/puzzle/RPG ficou dormente até ressurgir no Nintendo Direct de março deste ano. Hoje, além do 3DS, o jogo também deu as caras no Nintendo Switch. Independentemente da plataforma, Sushi Striker é como um verdadeiro rodízio de comida japonesa: tudo é delicioso, mas, depois de um tempo, os pratos começam a se repetir e a sensação de estufamento aparece.
Anime interativo
Logo ao iniciar o game, o jogador é tratado com uma abertura digna de um anime, cheia de cenas rápidas ao som de um J-Pop com direito a palavras em inglês no meio da letra. É notável que esta introdução foi bem planejada, com imagens e música que se complementam e empolgam. Este cuidado com a apresentação não se limita ao início do jogo, mas está presente em toda sua duração. De fato, jogar Sushi Striker passa a sensação de se estar interagindo com uma animação japonesa verídica.
A campanha principal de aproximadamente 20 horas conta a história de Musashi, uma criança (menino ou menina, dependendo da escolha do jogador) que vive em um mundo onde não existem peixes. Nesse cenário, o sushi é a comida mais cobiçada, com grupos querendo seu controle total, enquanto outros querem que todas as pessoas possam apreciá-lo. Depois de se encantar com o gosto do sushi, Musashi decide se aliar à resistência e embarcar em uma aventura para derrotar o Império e seus planos de dominação do prato. Imagine Star Wars, mas com culinária japonesa. A ideia é bizarra, mas se torna deliciosa pela maneira como é entregue.
Os momentos mais importantes da narrativa são apresentados por meio de animações pré-renderizadas repletas de características de animes, como edições rápidas, expressões exageradas e efeitos visuais constantes. A qualidade da animação varia com as cenas, mas sempre são agradáveis de assistir, principalmente por causa dos personagens e do roteiro.
Se isso não é anime, não sei o que é
Cada personagem principal tem características bem definidas. Musashi é corajoso e esperançoso; o rival Kojiro é valentão, mas cheio de autopiedade; o viajante Franklin é sábio e amigável. Todos possuem traços claros, que são ainda mais ressaltados pelo trabalho dos atores que dão vozes a eles. As atuações conseguem desenvolver empatia com os personagens, tão necessária para um RPG. Um fator importante é que elas se baseiam em um roteiro bastante leve. Há momentos de reviravolta e tensão no script, porém o game assume o mundo nonsense que criou com bastante naturalidade e até mesmo com humor. Houve momentos em que eu ri alto com as situações absurdas apresentadas como se não fossem nada demais. Tudo isso faz com que os eventos do jogo não pareçam forçados.
Mesmo com a impossibilidade de jogar com o áudio original em japonês, isso demonstra uma preocupação maior na apresentação da história. Aliás, para uma nova IP fora do ambiente AAA da Nintendo, é impressionante todo o investimento feito em Sushi Striker. O valor de produção é, sem dúvidas, o ponto mais positivo do jogo.
Coma à vontade
Para poder cumprir seu objetivo de trazer o sabor do sushi a todo o mundo, Musashi deve batalhar com uma série de inimigos em seu caminho. Para fazer isso, deve se tornar um sushi striker e usar o poder do sushi para vencer.
As lutas seguem o modelo de puzzles “conecte três”. Em uma arena reminiscente de restaurantes que servem sushis em esteiras, o jogador deve ligar o máximo de pratos da mesma cor possível para comer os petiscos. Com os pratos vazios, formam-se pilhas com as quais os adversários são atacados. Quanto maiores as pilhas, mais dano elas causam. O desafio é esvaziar a barra de energia dos competidores, como em um jogo de luta. Ao final, pontos de experiência são fornecidos, permitindo que Musashi aumente de nível e se torne mais forte.
Acredite: essa imagem passa a fazer sentido com o tempo
No entanto, há mais estratégia do que aparenta à primeira vista. Certos pratos são mais fortes que outros e atacar repetidamente com o mesmo tipo de prato provoca combos cada vez mais devastadores. Somente com estas regras, o combate já se torna interessante, pois introduz um aspecto de risco e consequência às decisões. É necessário fazer escolhas rápidas: juntar poucos pratos fortes ou muitos pratos mais fracos? Será que é melhor tentar conectar o maior número de pratos da mesma cor para fazer um combo ou atacar com pratos de muitas cores? O resultado depende daquilo que for melhor no momento da disputa.
Além disso, novos elementos são introduzidos à medida em que se avança no jogo. Bombas que precisam ser desativadas com um número mínimo de pratos, wasabis que precisam ser desviados e itens que auxiliam na hora do confronto são alguns exemplos de acréscimos que, juntos à mecânica principal, deixam o jogo fresco. Há um bom trabalho de apresentar cada um desses elementos ao seu tempo, fazendo com que o jogador se acostume aos poucos e possa, ao fim da campanha, administrar todos eles. É um caos, mas um caos gostoso.
Alguns deslizes
Porém, há ainda mais detalhes nas lutas. A quantidade de sushis iguais em um pilha e a qualidade destes também interferem na força do ataque. Comer frutas ajuda a recuperar energia. Selecionar um sushi favorito pode fornecer bônus especiais, como maior defesa, investidas mais fortes e pontuação extra ao final de um nível. Engrenagens ajudam a aumentar a velocidade das esteiras, permitindo ainda mais conexões entre pratos.
Com exceção desta última, estas regras adicionais não trazem benefícios sensíveis no momento do jogo. A natureza caótica do combate, com administração de pratos e decisões em frações de segundo, faz com que esses mecanismos passem longe da percepção do jogador comum. Eles só são válidos para quem quiser se aprofundar muito nos pormenores do game.
Por outro lado, os sushi sprites trazem vantagens visíveis às lutas. Monstrinhos similares aos Pokémon, eles oferecem diferentes poderes durante o embate, como tornar todos os pratos na arena da mesma cor, acelerar a esteira do adversário, destruir as pilhas do inimigo com hashis, ou transformar os sushis em doces que restauram vidas. São mais de 100 sprites que podem evoluir por meio dos pontos de experiência ao fim de cada batalha.
Jinrai, Ara-O e Kyatten: sushi sprites que têm papel fundamental na história do game
De início, é interessante ver como cada um deles altera o gameplay. Mas, com o tempo, é fácil reparar que, para o lado do jogador, habilidades ofensivas ou que recuperam energia, são mais úteis que as defensivas ou as que atrapalham o adversário. Novamente, com a preocupação de se juntar pratos, é complicado gerenciar o quanto o oponente está sendo afligido por esses poderes. Sem esse feedback, é mais seguro usar sprites voltados a amplificar as capacidades de Musashi.
Já quando a questão são os controles de Sushi Striker, algo curioso ocorre. O título foi claramente desenvolvido com telas de toque em mente, em especial a do 3DS. Conectar sushis com a stylus é a maneira mais precisa, seguida pela tela do Switch em modo portátil. Usar botões e analógicos para controlar o game é um pouco inconveniente, pois tira grande parte da exatidão necessária para bolar estratégias. No entanto, outras ações, como consumir os doces citados acima, são mais práticas nos botões. Portanto, a maneira mais eficiente de jogar é uma mistura entre os dois estilos de controle que, talvez, não estava planejada pelos desenvolvedores.
O uso da stylus torna a versão de Nintendo 3DS mais precisa
Repetição e falta de explicação
Apesar dos descuidos de design acima, nenhum deles tira completamente a diversão do game. Porém, há algo que tira: o excesso de repetição. Como forma de progredir e se tornar mais forte, o jogo insiste que atividades sejam repetidas constantemente.
Cada um dos mundos segue o mesmo padrão: algumas lutas com soldados, uma luta com o rival Kojiro, mais lutas com soldados, uma luta especial, mais algumas lutas com soldados e a luta com o chefe da área. O jogo dificilmente desvia dessa fórmula, obrigando o jogador a segui-la, pois as disputas estão organizadas em níveis, como em um overworld de Super Mario.
As coisas pioram quando se percebe que, diferentemente dos personagens principais, estes soldados são bastante genéricos. Eles mudam conforme o mundo, mas sempre mantêm o mesmo desenho, alterando somente seus nomes. Mais para o meio da história, o game até desiste de lhes dar contextos e falas, colocando o jogador diretamente no combate. Há um momento em que o jogo até faz piada sobre como todos eles são parecidos. Até chegar nessa parte, a repetição já se tornou enfadonha.
Um dos muitos "Soldados Imperiais" contra os quais é necessário jogar
Este seria um problema menor se não fosse necessário repetir fases já jogadas. Mas isso está intrinsecamente ligado à obtenção de sushi sprites e à capacidade de torná-los mais fortes.
Cada combate possui três estrelas para conquistar e um rank de desempenho. As estrelas são desafios para serem completados dentro do embate, como fazer seis combos, ou vencer com mais de 35% de vida restante. Se o jogador obtiver 40 estrelas dentro de um mundo, destrava níveis extras que, se zerados, presenteiam com um novo sprite. Já o rank é baseado na quantidade de pontos ao final da luta e varia de D a um S brilhante. Dependendo da pontuação e da performance de quem joga, um novo sprite pode pedir para se juntar ao time.
Se Musashi não conseguir as estrelas, nem um rank alto o suficiente, não há nada a fazer a não ser tentar de novo. Diferentemente de RPGs como Pokémon, o recrutamento de novos monstros é diretamente ligado às lutas principais, criando um sistema de progressão bastante repetitivo. Imagine se, ainda em Pokémon, o treinador precisasse tentar vencer o líder de Ginásio com perfeição só para conseguir um de seus monstrinhos.
Os sushi sprites só se juntam ao time se o jogador tiver uma boa pontuação nas fases
Jogar repetidamente também faz parte do modo de tornar os sprites mais fortes. Para exemplificar, um caso que aconteceu comigo: depois de fazer experimentações, encontrei um time forte que combinou com meu estilo de jogar. Com três habilidades bastante ofensivas, fui capaz de conquistar fase atrás de fase. Até que houve momentos em que o meu time não combinava com o tipo de desafio especial que o jogo me propôs, ou em que um sprite novo com um poder interessante aparecia.
Instintivamente, troquei de monstros e tentei continuar. Porém, estes outros eram mais fracos que os do meu time principal. Foi então que reparei que o game não oferece maneira simples de elevar o nível dos sprites. Tirando o uso de itens que dão pontos de experiência, a única forma de treiná-los é jogando disputas repetidas incessantemente. Isso me fez perder a vontade de testar monstros novos. E não incentivar o jogador a experimentar diferentes mecânicas é uma das piores coisas que um jogo pode fazer.
Esse desestímulo também apareceu quando Sushi Striker estranhamente deixou de explicar de maneira clara alguns de seus modos. Paralelamente à campanha principal, há o Shrine Grove, uma ilha com várias atividades diferentes. Nela, é possível ouvir dicas no restaurante do arqueólogo Archie, fazer uma “festa do sushi”, elevar o rank de Musashi, participar de desafios de puzzle e de batalhas multiplayer. Porém, por algum motivo, alguns desses modos não esclarecem bem sua utilidade em relação ao restante do jogo. Depois de fazer algumas “festas do sushi” e aumentar meu rank, sem saber como isso estava me afetando, simplesmente desisti. E, infelizmente, não consegui encontrar nenhuma pessoa online para poder testar as partidas entre dois jogadores.
Uma franquia de potencial
Sushi Striker: The Way of Sushido é um caso interessante de um game que pode se tornar uma franquia valiosa para a Nintendo. A ideia de um mundo que gira ao redor do poder do sushi é bem original e muito divertida para ser ignorada. A qualidade da apresentação e da principal mecânica do jogo mostra que há uma atenção especial da produtora japonesa em comparação com suas outras marcas menores.
No entanto, o título de estreia dessa nova IP apresenta uma estrutura repetitiva e algumas falhas de design que impedem que ele atinja todo o potencial que merece. No momento, o game é mais recomendado para quem se interessar bastante em seu estilo anime, quem quiser algo para jogar descompromissadamente entre lançamentos grandes ou para pessoas que se divertem ao completar jogos 100%. A esperança é que uma possível sequência possa solucionar todas essas questões para que mais jogadores possam se tornar sushi strikers.
Prós
Apresentação de qualidade, com animações e dublagens próprias de anime;
Mecânica principal de combate engajante, com elementos de risco e recompensa;
Falta de explicação clara para alguns modos do jogo;
Poderes defensivos de sushi sprites são difíceis de monitorar;
Mecanismos de combate que não trazem benefícios visíveis às disputas.
Sushi Striker: The Way of Sushido - Switch/3DS - Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Nintendo 3DS
Revisão: Gabriel Bonafé
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nintendo
Daniel Morbi
Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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