Existe uma discussão sobre games serem arte ou não. Alguns afirmam que a mídia é apenas entretenimento, outros os categorizam como produto cultural, ao lado de cinema e música. Mas se a definição de arte é uma manifestação humana baseada em percepções, sentimentos e ideias com o objetivo de tocar, sensibilizar e afetar outra pessoa, videogames se encaixam perfeitamente nessas características, principalmente a obra de Arnt Jensen, Limbo, desenvolvida pela Playdead, que com um simples conceito consegue cativar qualquer um que experimente seu game.
Atenção aos pequenos detalhes
Minimalista desde os primeiros momentos, com poucas opções de menu e sem excessos na tela, o game se inicia com uma criança caída no chão e nenhuma instrução informando o que fazer. Ao estranhar a situação, o jogador pressiona botões e percebe que o rapaz abre os olhos e começa a se mexer. Esses pequenos detalhes que transformam a experiência, pois transmite a quem está interagindo com a cena a mesma confusão que passa o protagonista, e esse tipo de interação se repete ao longo de todo o game.
Limbo é em sua essência um jogo de plataforma. Sem textos ou botões contextuais, o game impulsiona o jogador a avançar e através de seus erros, buscar soluções e seguir em frente é a base do gameplay. De certa forma, uma metáfora para a vida. Quando muitas vezes seguir em frente pode parecer algo impossível, sem solução, após algum tempo, quando se descobre o que fazer, aquele desafio ou problema já não parece tão assustador assim.
É errando que se aprende
Cruel e brutal, o jogo mexe com um sentimento que todos nós temos: o pavor com violência contra crianças, e com isso nos faz temer pelo pequeno garoto que controlamos. Aranhas gigantes e serras elétricas destroçam o pobre personagem em pedaços. Larvas controlam seu cérebro e o levam para a morte, aumentando o choque. Descobrir o que fazer para passar os obstáculos ganha uma urgência maior. Caso seja a primeira vez que o jogador se aventura pelo game, percebe que é impossível atravessar os quebra-cabeças sem errar ou morrer inúmeras vezes, o que faz parte do processo de aprendizado.
Sem complicações em seus comandos, o jogador conta apenas com um botão de pulo e outro para agarrar e arrastar coisas. A física é a mecânica principal de Limbo e será muito utilizada. A cada passo se aprende a lidar com objetos e elementos presentes naquele lugar. Ao ser pego por uma armadilha de urso, descobre-se a possibilidade de arrastá-la. Ao ser atacado por uma aranha, percebe-se que existe uma dessas armadilhas no alto de uma árvore, que cai a cada tentativa de ataque do inimigo. Quando ela está no chão, é colocado em prática o aprendizado inicial para empurrá-la e posicioná-la perto do aracnídeo, que ao tentar lhe acertar, acaba tendo uma perna arrancada.
Em outros momentos, é preciso usar caixas que flutuam na água para alcançar lugares mais altos, porém algumas possuem rachaduras que as impedem de permanecer no topo por muito tempo, forçando quem controla a ser mais rápido ao resolver a questão. Esses são alguns dos mais simples exemplos do genial level design presente no game, que segue um ritmo totalmente contrário de toda a indústria dos jogos, que parece cada vez mais com medo de frustrar seus jogadores.
Simbolismo em todas as partes
Para a igreja católica, Limbo é um lugar onde inocentes são levados caso morram sem a remissão dos pecados por meio do batismo. O lugar em que o jovem rapaz se encontra no jogo parece escuro, assustador e bastante hostil e tem presença de outras crianças além do protagonista.
Graças à incrível direção de arte, o cenário nos remete a fábricas onde crianças eram forçadas a trabalhar durante a revolução industrial. A história de Limbo está contada em detalhes das fases, onde letras de neon, chaminés e fumaça contam com a belíssima fotografia em preto e branco que praticamente nos diz como devemos nos sentir diante de tudo que estamos presenciando na tela.
Usar corpos de outros meninos mortos para atravessar um rio nos mostra que às vezes é preciso perder um pouco da inocência para cruzar caminhos obscuros, enquanto puzzles que envolvem gravidade podem significar as mudanças de direção que precisamos tomar em nossas vidas para atingir o objetivo. Todas essas simbologias formam uma cativante narrativa que nos prende do início ao fim, sem querer parar de jogar ao longo das 5 horas aproximadas que o jogo leva para ser concluído pela primeira vez.
Encontrando um lar no híbrido da Nintendo
Limbo foi lançado inicialmente em 2010 para Xbox 360 em um dos programas que a Microsoft patrocinava para promover jogos independentes que se destacaram. Rapidamente o game se tornou um fenômeno de público e crítica, que perceberam a grandeza de algo tão intimista. Como era de se esperar, em pouco tempo o jogo se espalhou para várias plataformas chegando ao nosso querido Nintendo Switch nesse ano de 2018, que se mostrou o melhor lugar para se apreciar o jogo. Tanto na TV, quanto em seu modo portátil, ele brilha em sua beleza.
Ter a aventura nas mãos não é novidade pois existem versões para plataformas móveis como iOS e android, porém, assim como no PS Vita da Sony, controlar sem utilizar comandos na tela, com botões de verdade, ajuda a tornar a experiência mais imersiva, sem distrações de erros causados por falta de precisão das telas de celular.
Visibilidade reduzida, outros sentidos são necessários
Ausente na maioria do tempo, a trilha sonora de Limbo serve para pontuar grandes momentos e até mesmo ressaltar efeitos sonoros, que também fazem parte dos quebra-cabeças. Ao ouvir certos sons, o jogador, que já está condicionado a reagir de certas maneiras, passa a perceber elementos que estavam fora de quadro de visão justamente pela limitação causada pela fotografia monocromática. Prestar atenção nos barulhos ao redor é tão importante quanto ver o que está acontecendo.
Limbo é uma obra artística sem dúvidas. Utilizando de detalhes para desenvolver sua envolvente narrativa, cativa o jogador desde seu primeiro minuto, que caso tenha tempo, vai terminar toda a aventura sem pausar nenhuma vez. Sua simplicidade esconde uma grandiosidade sem igual, onde qualquer pessoa conseguirá jogar, mesmo sem nunca ter colocado as mãos em um jogo antes. O level design inteligente e didático incentiva o jogador a avançar se baseando em seus erros e o game não tem medo de frustrar e chocar com sua brutalidade. Um ato de coragem.
O jogo está disponível para PC, Xbox 360, Xbox ONE, PS3, PS4, PS Vita, iOS, android e agora Nintendo Switch. Seja qual for a sua escolha de plataforma, não deixe de experimentá-lo, é compensador.
Prós:
- Narrativa envolvente;
- Fotografia e direção de arte;
- Puzzles exigentes e divertidos;
- Boa escalada de dificuldade.
Contras:
- Pouco tempo de duração.
Limbo — PC/PS4/XBO/Xbox360/PS3/PSVita/iOS/Android/Switch — Nota: 9.5Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: João Paulo Benevides
Análise produzida com cópia digital cedida pela Playdead
Análise produzida com cópia digital cedida pela Playdead