Nintendo e filosofia: Super Mario Bros e o eterno retorno

O clássico da Nintendo pode nos ajudar a entender a filosofia de Nietzsche?

em 06/06/2018

Desde o final dos anos 1990 existe um esforço de acadêmicos para tornar a filosofia mais palatável ao grande público. Sob o nome de “filosofia pop” têm sido realizadas diversas experiências para conectar as questões mais centrais da filosofia a elementos do cotidiano, como literatura, cinema, séries de televisão e videogames. Esse movimento não é um consenso entre os pesquisadores da área, mas acredito que ele traz boas contribuições. E se esse tipo de diálogo não prova apropriação ou inspiração de nenhuma das partes (da cultura pop para filosofia ou o inverso), pelo menos existe o mérito de nos ajudar a pensar melhor sobre cada uma das áreas e suas peculiaridades. Seguindo essa linha de pensamento, tento mostrar aqui uma conexão entre a série de jogos Super Mario Bros (que começa em 1985 no NES) e o conceito de eterno retorno, desenvolvido pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900).

Tudo de novo, mais uma vez

Em A Gaia Ciência, livro publicado em 1882, Nietzsche apresenta a tese do eterno retorno, metáfora inspirada no pensamento estóico e que procura nos alertar sobre o perigo de não darmos atenção aos dilemas e circunstâncias de nossas vidas. No livro, Nietzsche escreve o seguinte:
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: ‘Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência (...)’. Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderias: ‘Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!’(...)"
Ao contrário do que parece a princípio, a proposta não é levantar a possibilidade real de que tudo se repita infinitamente, mas sim colocar em destaque a nossa perspectiva da existência. O “e se” utilizado por Nietzsche indica o caráter metafórico da proposta que, no final de tudo, poderia ser resumido da seguinte forma: devemos lutar para que a nossa vida seja a melhor possível.

A pergunta sobre a repetição de tudo pode ser encarada com desespero justamente quando não nos colocamos de forma positiva diante da vida. Quando não temos um propósito para a existência e vivemos em função dos desejos alheios, acabamos encarando o decorrer dos dias como algo nefasto e sem sentido. Amar o próprio destino, justamente por isso, é algo difícil, pois devemos lutar contra as dores e males que nos atingem. Não existe vida sem sofrimento, é verdade, mas podemos encarar o sofrimento como uma parte necessária do que somos. Daí a famosa frase de Nietzsche: “o que não me mata, me fortalece”. Encarar a realidade com altivez e força, sem medo, sem arrependimento — esse é o caminho para as pessoas de espírito livre.
Imagem retirada da série de vídeos 8-bit Philosophy.

A repetição como regra

Mas como tudo isso se une com a criação de Shigeru Miyamoto? A série Super Mario Bros é toda construída a partir de uma premissa simples. Mario precisa derrotar Bowser e salvar a princesa Peach. É verdade que conforme os jogos foram evoluindo outros elementos foram adicionados à história, que ganhou um pouco mais de cor. No entanto, a repetição da mesma situação é a base do drama vivido por Mario.

Não interessa o que ele faça, não importa o quanto ele se esforce. No final, tudo retorna ao começo. E no próximo jogo, a motivação é a mesma, mais uma vez. Em Super Mario Odyssey parecia que íamos ver uma superação dessa estrutura básica (e não posso dar detalhes aqui para não entregar spoilers), mas, para a decepção de alguns, não foi isso que encontramos. De certa forma, é melhor que tenha sido assim. Ainda que o foco da série não seja a história e sim o desafio gerado pelo level design, esse enredo minimalista acaba entregando algo que se assemelha mais à vida do que costumamos imaginar: podemos até vencer no final, mas isso não significa que conquistaremos tudo.

Nietzsche utilizava a expressão latina Amor fati para se referir à atitude que devemos ter diante da existência. Além da morte, que vai chegar um dia, a única certeza que temos é de que estamos vivos agora. Sendo assim, o melhor é viver com intensidade, amar a vida, amar o destino. Mas pense o seguinte: e se você fosse um herói que, mesmo disposto a salvar uma princesa, soubesse que teria que fazer o mesmo muitas e muitas vezes, sem que essa rotina tivesse fim? Você desistiria de tudo ou iria contente para a próxima aventura? Eis um dilema difícil de resolver.

Revisão: João Paulo Benevides
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Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
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