Fundador dos fliperamas e, com isso, grande influenciador dos jogos eletrônicos, o pinball é um gênero bastante explorado pela mídia. São vários os games que buscam realizar a simulação perfeita das máquinas analógicas, com mesas rebuscadas e detalhismos diversos para captar a atenção dos entusiastas.
Porém, é bem raro vermos o misto do pinball com outros gêneros. Mesmo nas produções que buscaram experimentar em cima da fórmula, a tendência é não fugir muito da separação de diferentes mesas de minigames, como em Sonic Adventure DX (GC), ou então de jogos que atuem como coletâneas de mesas com desafios diversos, como em Pokémon Pinball: Ruby & Sapphire (GBA) ou Sonic Pinball Party (GBA) — modelos que, para os menos entusiastas do estilo, correm o risco de parecer menos empolgantes no longo prazo.
Yoku’s Island Express (Switch) parte de uma premissa ousada para remediar a situação, aproveitando-se das mecânicas simples e viciantes do jogo de flippers para embalar uma aventura 2D de exploração ao estilo metroidvania, recheada de cenários e personagens marcantes. O resultado é uma experiência única e um twist inventivo para um subgênero que felizmente tem crescido, ainda que nem sempre com ideias tão inovadoras como vemos aqui.
O mundo é a sua mesa
O ganho da variante eletrônica do pinball é a liberdade de criar em cima da premissa básica do jogo, trazendo mecânicas extravagantes que desafiam as teimosas leis da física que restringem a máquina analógica. Porém, mesmo assim, são raras as produções que rompem com o que se tornou o modelo para um game de pinball, que é o de uma sucessão de mesas mais ou menos estáticas, por mais que recheadas de desafios, subdivisões, show de luzes e sons dos mais variados.Os jogos da franquia Sonic foram onde mais se experimentou com o gênero, com o uso criativo da possibilidade do protagonista se transformar em uma bolinha, desde Sonic The Hedgehog (Mega Drive), nos já tradicionais cenários que misturam jogos de fliperama e cassino com plataforma 2D em alta velocidade. Sonic Spinball (Mega Drive) tentou explorar a ideia mais a fundo combinando plataforma 2D com pinball, mas falhou justamente em imitar a dinâmica dos jogos da série principal, resultando em um spin-off com jogabilidade um tanto truncada — e, com isso, pouco memorável.
Yoku’s Island Express consegue não apenas se sair muito bem naquilo que seu avô de 16-bits falhou em realizar, mas encontra espaço ainda para combinar a ideia de um misto dinâmico de plataforma e pinball com um cenário de exploração não linear de fazer inveja a qualquer metroidvania de respeito.
Chutando para longe os ares de monotonia que podem advir de uma mesa estática, o game design bem trabalhado do jogo consegue distribuir bem dezenas e mais dezenas de “mesas”, que vão do simples ao complexo, integrando-as ao longo de um extenso cenário 2D riquíssimo em belos visuais e repleto de personagens para se conhecer, tarefas para se realizar e, é claro, itens para se coletar.
A produção de estreia da produtora Villa Gorilla consegue reproduzir bem todo o charme e a diversão do jogo de pinball. Tão simples e viciante quanto ele, a combinação de gêneros é fluída ao ponto de que nem parece ser a primeira produção bem-sucedida no quesito. A combinação da jogabilidade minimalista com o level design inventivo e cuidadoso resulta em uma experiência em um mundo aberto 2D que cativa a atenção do jogador do início ao fim.
O acesso a cada área inédita me deixou curioso para explorar todas as novidades oferecidas, enquanto que cada power-up obtido me fez voltar empolgado às áreas anteriores e explorar o que ficou para trás — os “completistas compulsivos” entenderão. Parte dessa magia está na boa construção do cenário do game, que sustenta uma narrativa cheia de charme para embalar toda essa exploração.
A jornada mística e o assassino dos deuses
Para um jogo de pinball estrelado por um adorável besourinho, a trama que embasa a aventura certamente não economiza na ambientação épica, lançando mão de uma narrativa envolvente e bem realizada por meio de belos visuais. O jogador controla Yoku, um simpático besouro que inicia suas atividades como carteiro-chefe em Mokumana Island justamente em um momento em que a ilha enfrenta uma crise mística de grandes proporções.A misteriosa criatura das trevas conhecida como God Slayer atacou repentinamente o local, ferindo Mokuma, a última divindade restante no mundo. Protetor da ilha e do último ovo dos deuses, Mokuma se encontra agora sob um sono perturbado. Seus pesadelos se revertem em efeitos destrutivos sobre a ilha, os quais são apenas a prévia de uma catástrofe maior.
É aí que entra em cena o simpático carteiro Yoku que, na companhia de sua fiel bolinha, logo se faz inteirado da situação, conhecendo os habitantes de Mokumana Village e descobrindo um pouco mais sobre a interessante mitologia do local. Mesmo em meio ao caos anunciado, os divertidos moradores da ilha não parecem muito dispostos a romper com sua rotina, sobrando para o carteiro estagiário — já que o papagaio Lemon não concede a ele o uso do distintivo de carteiro-mestre — viajar por todo o local a duras penas para contatar os líderes dos povos da ilha, os quais são os únicos capazes de realizar o ritual para curar Mokuma.
Assim é que Yoku acaba encarregado de viajar por toda a ilha, ajudando nas crises locais de cada região — o que envolve o combate com chefes — coletando as frutas que servem de moeda local e realizando a tarefa pela qual, afinal de contas, fora contratado para estar ali: entregar correspondência.
Com isso, fora as quests centrais da história, que se resumem a reunir os três líderes, temos como desafios extras o preenchimento (totalmente indiscriminado) das caixas de correio da ilha e a entrega de três pacotes para destinatários de difícil acesso — você logo entenderá porque o carteiro anterior se demitiu.
Além disso, Yoku ainda tem que arranjar tempo para localizar uma série de baús contendo tesouros variados, encontrar os Wickerlings — criaturas vegetais que parecem raízes — espalhados por todo o mapa e atender a pedidos variados dos habitantes locais. A reunião dos Wickerlings, em especial, parece guardar uma ligação misteriosa com o último ovo dos deuses, o que acaba consistindo na maior sidequest opcional do game. Ou seja, apesar da história relativamente curta, há muito o que fazer em Mokumana Island.
Cadê o botão de pulo?
Iniciar o game causa de cara um estranhamento: como será a experiência de se jogar um metroidvania, subgênero que se apoia pesadamente na exploração rápida de cenários, com um personagem incapaz da função básica que é pular? Tal qual no começo do primeiro Metroid (NES), você se vê no controle de um personagem com opções muito restritas de movimento e ação. A diferença neste jogo é que, ao longo da experiência, isso mudará muito pouco. Mesmo os power-ups mais avançados não concedem a Yoku a benção do movimento vertical.
As "mesas" contam com várias mecânicas características do pinball. |
É aí que entram seus melhores amigos nessa aventura: os flippers convenientemente espalhados por todo o cenário. O botão ZL aciona todos os flippers azuis da tela, enquanto que ZR aciona os cor de laranja. Toda a jogabilidade gira em torno de movimentar Yoku de maneira coordenada com os flippers, sendo que a exploração alterna entre telas de plataforma 2D — utilizando flippers horizontais como molas — e seções abertas que centralizam e mantêm a câmera estática, dando o efeito de mesa de pinball.
O Beeline é um sistema de transporte — via abelhas — que ajuda a percorrer longas distâncias com facilidade. |
O level design de todos os setores da ilha é muito bem equilibrado: nem linear o suficiente para ser previsível, nem embaralhado a ponto de causar confusão. O mesmo pode ser dito dos Wickerlings e dos baús de tesouro: muitos deles são bem fáceis de se localizar e obter, outros estão bem escondidos e exigem uma exploração mais minuciosa (ou a mais pura sorte) para serem localizados, enquanto que alguns se encontram plenamente à vista, ainda que exijam alguma criatividade do jogador para alcançá-los. Eventualmente, o jogador adquire itens que servem para indicar os colecionáveis no mapa, o que sem dúvida é uma mão na roda — porém, a função poderia contar com uma opção de desligamento, caso o jogador prefira um desafio mais hardcore.
Os diferentes power-ups obtidos ao longo do caminho vão ajudando a diversificar os desafios, sempre construídos em torno do simples vai-e-vem das alavancas. Os principais itens do tipo são acionados pelos mesmos ZL e ZR utilizados para controlar as alavancas, mantendo a jogabilidade sempre focada nos aspectos básicos. A decisão é bem acertada, ainda mais levando-se em conta a ótima responsividade dos comandos e a física equilibrada do jogo, que traz um bom misto entre o realismo e uma leveza que facilita a manutenção de uma dinâmica mais leve.
Tintas colecionáveis podem ser combinadas, de duas em duas, para obter visuais diferentes para a bolinha. |
Uma experiência relaxante e viciante
Ainda que atualmente não sejam raros os jogos indie que investem pesado na direção de arte para ostentar como diferencial, Yoku’s Island Express consegue se destacar de maneira expressiva com seus belíssimos cenários e personagens únicos, todos muito bem realizados visualmente em um estilo de arte desenhada e rica em detalhes.
Dos fofinhos Sootlings ao trio de alpinistas Jamja, Ohm e Tilo, passando pelos cientistas loucos Space Monks — que estão mais preocupados com seu programa espacial do que com o que pode vir a acontecer caso Mokuma venha a perecer —, o elenco traz personagens que conseguem ser marcantes mesmo ao longo de uma história relativamente curta, e são uma grata surpresa ao embalar muito bem a narrativa de um subgênero onde a história teria tudo para ser relegada a segundo a plano.
Ao invés do pisca-pisca sem fim e do brilho dos metais comumente associado às mesas de pinball, os belos ambientes naturais de Mokumana nos ajudam a entrar no lado mais “zen” e relaxante do gênero, ao mesmo tempo em que marcam bem a divisão de áreas distintas no extenso mapa 2D. Selvas tropicais, praias, desertos, cavernas úmidas, picos nevados: o ecossistema de Mokumana traz todos os marcos que se pode esperar de uma boa aventura de plataforma 2D, cada qual habitado por tribos únicas que guiam Yoku em sua jornada para salvar a ilha.
O carismático trio de alpinistas. |
O design de som trabalha perfeitamente em conjunto com a direção de arte. Os efeitos sonoros ajudam a manter a leveza da experiência — nada de barulhinhos repetitivos —, enquanto que a música é um destaque à parte. Cada região de Mokumana traz sua própria trilha sonora, sendo que as faixas variam entre o folk melódico e o mais soft dos soft rocks, em ótimas composições que se mantêm frescas mesmo após horas e mais horas de exploração e ricocheteamento.
Assim, o misto inusitado de estilos em Yoku’s Island Express acaba atingindo a combinação de sucesso entre o passatempo relaxante e o desafio bem ajustado de dificuldade — a fórmula para uma experiência recompensadora e viciante, que mantém o jogador entretido do início ao fim.
Prós
- Mistura inovadora de gêneros;
- Jogabilidade fluída e responsiva;
- Level design cuidadoso garante uma experiência variada e desafiadora;
- Excelente direção de arte, com belos visuais ao estilo desenhado;
- Personagens carismáticos e marcantes;
- Narrativa criativa e divertida;
- Ótima trilha sonora;
- Experiência relaxante e viciante garante o fator replay;
- Variedade de sidequests e itens colecionáveis ajuda na longevidade da partida.
Contras
- História principal relativamente curta.
Yoku's Island Express — Switch/PS4/XBO/PC — Nota: 9.0Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Gabriel Bonafé
Análise produzida com cópia digital cedida pela Team 17