Nintendo no celular?
Tempos atrás, a ideia de produtos oficiais da Nintendo em smartphones e tablets era uma coisa de outro mundo. Basta voltarmos para o começo dos anos 2010 para vermos uma Big N bastante protecionista de suas marcas. A empresa fazia questão de ressaltar que suas franquias apareceriam somente em suas plataformas. “A Nintendo deixaria de ser a Nintendo”, chegou a afirmar o antigo presidente Satoru Iwata sobre a possibilidade de uma vertente mobile para seus jogos.Porém, com o início devagar do 3DS e as baixas vendas do Wii U, a pressão aumentou. Os consumidores casuais angariados pelo Wii haviam migrado para os smartphones e as clássicas marcas Nintendo estavam perdendo sua relevância no mercado. Profecias e comentários apocalípticos começaram: “A Nintendo vai falir”, “A Nintendo é a nova Sega, “A Nintendo deveria parar de fazer hardwares e se tornar uma third-party”. E, obviamente, “A Nintendo deveria lançar seus games no mobile”.
Em 2015, a empresa deu sua resposta e anunciou, durante uma coletiva para a imprensa, uma parceria com a operadora de serviços mobile japonesa DeNA para desenvolver jogos para celulares e tablets. Porém, a mensagem era clara: ela não estava abandonando o mercado de consoles, mas sim utilizando do ambiente mobile para alavancar suas propriedades intelectuais e promover seus próprios hardwares. Tanto que foi nessa coletiva que Satoru Iwata revelou que uma nova plataforma estava em desenvolvimento: o NX, codinome do Nintendo Switch.
Um sistema que englobasse dispositivos inteligentes e consoles era promessa da Nintendo |
Eu fazia parte dos fãs que acreditavam que a Nintendo não deveria se render aos dispositivos inteligentes. Tinha uma visão muito simplória de games em smartphones e achava que os jogos da Big N eram muito mais complexos e superiores para estarem no meio de shovelware. Mas o teor desse anúncio me deixou mais aberto para o que viria. Jogos simples que impulsionariam os personagens Nintendo e instigariam consumidores a comprar games maiores nos consoles da empresa me parecia uma boa decisão. Foi deixado claro que todas as marcas estariam propensas a ter versões mobile. Então, começamos todos a pensar: qual seria a primeira franquia a ganhar um app? Mario? Zelda? Metroid?
“Amiigos”
Contrariando expectativas, a Nintendo convocou os Miis para lançarem sua empreitada mobile. Em 2016, anunciou o lançamento do Miitomo. Menos jogo e mais app social, o primeiro produto da Big N para dispositivos móveis buscava promover a interação entre usuários.Cada pessoa criava seu Mii, que, por meio de um sintetizador de voz, falava com o usuário, fazendo perguntas que variavam de “Que lugares você visitou recentemente?” a “Se você pudesse fazer algum tempero sair do seu dedo mindinho, qual seria?”. O Mii compartilhava as respostas com as pessoas adicionadas no aplicativo, permitindo descobertas sobre seus amigos e novas conversas. Uma premissa meio boba e utópica, mas agradável ao mesmo tempo.
Um Mii, muitas perguntas |
Além disso, o jogador podia customizar seu Mii com uma série de roupas e acessórios disponíveis na loja do app e em minigames similares às máquinas pachinko chamados Mii Solta. Moedas Miitomo e Bilhetes, necessários para adquirir itens e participar dos minigames, podiam ser ganhados ao entrar diariamente no Miitomo, ou adquiridos por meio de microtransações. Uma série de atualizações foram disponibilizadas durante os anos, permitindo, entre outras melhorias, mensagens diretas e customização do apartamento em que cada Mii fica. O aplicativo era uma espécie de versão bastante simplificada de Tomodachi Life (3DS).
Ao ser lançado no Japão, em março de 2016, o app alcançou números impressionantes, atingindo um milhão de downloads em três dias e aumentando o valor das ações da Nintendo. Três meses depois, ele chegou ao Brasil e eu não podia deixar de experimentar.
Boas memórias e oportunidades perdidas
A primeira coisa que me saltou aos olhos ao abrir o Miitomo pela primeira vez foi ver tudo em português brasileiro. Tirando menus de consoles e similares, é a primeira vez que a Nintendo lança uma localização oficial de um de seus produtos para o nosso país. E era uma ótima localização, com uma tradução muito bem adaptada ao nosso idioma e a nossa cultura. Não pude deixar de sorrir ao ouvir meu Mii falando em português comigo e ri várias vezes ao ver expressões e piadas feitas especialmente ao público brasileiro. É um sinal de que, se quiser investir no mercado brasileiro, a Nintendo está pronta.Alguns exemplos do humor e da localização feita pensando no público brasileiro |
Ao adicionar amigos que também decidiram se aventurar no aplicativo, pude ver as propostas sociais da Nintendo tomando forma. Era simpático ver meu Mii interagindo com outras pessoas e indo visitar outros Miis. Receber um eventual comentário sobre alguma de minhas respostas realmente me levou a conversas - mesmo que curtas - com pessoas com as quais não tenho muita proximidade. Ver as respostas dos meus amigos me permitia saber um pouco mais sobre eles.
Passei momentos bem engraçados com a minha namorada dentro do app. Depois de convencê-la a entrar, costumávamos trocar mensagens quase diárias sobre as roupas que tínhamos colocado nos Miis. Também foi uma maneira de nos conhecermos melhor, pois muitas vezes conversávamos sobre assuntos que víamos no aplicativo. Com alguns amigos e conhecidos, piadas internas se formaram por meio de comentários e respostas.
Passei momentos bem engraçados com a minha namorada dentro do app. Depois de convencê-la a entrar, costumávamos trocar mensagens quase diárias sobre as roupas que tínhamos colocado nos Miis. Também foi uma maneira de nos conhecermos melhor, pois muitas vezes conversávamos sobre assuntos que víamos no aplicativo. Com alguns amigos e conhecidos, piadas internas se formaram por meio de comentários e respostas.
Tire uma foto com sua roupa preferida. Onde estão essas fantasias no Switch? |
O legado
Porém, mesmo com todos esses problemas de comunicação em um aplicativo feito para se comunicar, por que não tive coragem de deletar o Miitomo? Agora, com o fim do aplicativo, acho que tenho uma ideia da razão.Quando vi que o app seria encerrado, não fiquei muito surpreso. Afinal, quase ninguém usava-o e a Nintendo precisa alocar pessoas para trabalhos mais importantes. Mas, quando abri-o depois de muitas semanas e encontrei esta mensagem abaixo, não pude deixar de ficar mexido. O Miitomo era como se fosse aquele amigo que, mesmo sem te ver por muito tempo, ficava feliz em te reencontrar. Obrigado, Miitomo! Pode não parecer, mas você foi parte integral dessa nova Nintendo que vemos hoje. Espero que nos encontremos novamente também!
Revisão: Vinícius Veloso