Análise: Knights of Pen & Paper +1 Deluxier Edition (Switch) é o RPG de mesa retrô em versão definitiva

O RPG sobre jogar RPG traz sua experiência simples e envolvente para os consoles.

em 29/05/2018

O longo título nos dá pistas de que Knights of Pen and Paper +1 Deluxier Edition chega ao Switch já com uma certa bagagem. Tendo sido um hit nas plataformas Mobile na ocasião de seu lançamento, há mais de cinco anos atrás, o game da desenvolvedora indie Behold Studios chegou aos PCs sem se livrar por completo de suas raízes em que flertava com o modelo free-to-play, trazendo consigo algumas mecânicas famigeradas de microtransações que angariaram críticas negativas dentre alguns dos potenciais entusiastas da simpática premissa.

Mesmo assim, o jogo conseguiu ter um ciclo saudável no PC, podendo ser considerado atualmente como um clássico indie do início da década. Nesse sentido, é de se estranhar o quanto a produção demorou para dar as caras nos consoles, já que sua estrutura e jogabilidade, embora desenhados inicialmente com as telas de toque dos celulares e tablets em mente, têm muito mais em comum com os RPGs tradicionais de console do que com os games do gênero nativos do PC. O port para os consoles da versão Deluxier vem remediar esta falta antes tarde do que nunca, trazendo a versão final do game para um acabamento que permite aos jogadores (re)visitarem a terra de Pen and Paper sob um novo ângulo.

O meta-RPG: jogando como um jogador!

Knights of Pen and Paper parte de uma proposta muito inventiva. Trata-se de algo que se poderia chamar de um meta-RPG. Se em qualquer role-playing game tradicional o jogador é convidado a assumir o papel de um personagem, a escolha do jogo é a de voltar essa premissa básica contra si mesma na frente do espelho. Você interpreta um grupo de jogadores de RPG os quais, por sua vez, interpretam seus próprios personagens in-game.
Uma aventura caseira.
Conforme indica o título, trata-se aqui do bom e velho RPG de lápis e papel, predecessor e inspirador de todas as variantes eletrônicas. Sendo assim, a configuração básica ao longo de todo o game envolve uma mesa com no mínimo dois jogadores e, é claro, um mestre. Todos eles estando sob seu controle de forma alternada, a produção traz uma interface totalmente organizada ao redor da mesa de jogo, que varia entre o mundo real e os acontecimentos no mundo do RPG.

Com isso, a criação dos personagens envolve a seleção de duas etapas: o jogador no “mundo real” e a sua classe a ser interpretada no mundo do RPG. Para o primeiro critério, sua seleção se dá entre um conjunto de figurões que vai desde uma seleção de tipos conhecidos (por exemplo o Jock, o Hipster, o Roqueiro e… Paris Hilton!?) até entradas mais inusitadas como um E.T., Mr. Beaver (o mascote da Behold Studios) e a participação especial, exclusiva da versão +1, de um dos magos de Magicka (PC). Cada um deles possui seu próprio bônus pré-determinado e fixo.
Quando o sistema é bom, ninguém quer ficar de fora do jogo!
Suas versões fantasiosas, por sua vez, seguem alguns arquétipos de classes conhecidas do gênero. A seleção inicial conta com Guerreiro, Clérigo, Paladino, Mago, Rogue, Bruxa e Druida,  sendo que ao longo do desenvolvimento da história algumas novas classes podem ser desbloqueadas. Cada uma possui quatro habilidades dentre as quais o jogador deve distribuir os pontos que recebe a cada level up.

A combinação eficiente entre o bônus do jogador e as características de sua classe é o primeiro aspecto estratégico com o qual você se verá às voltas. Para um Clérigo ou Mago, por exemplo, classes que consomem muitos pontos de magia com suas habilidades, é uma boa pedida recrutar os serviços do simpático maguinho de Magicka, que possui bônus no quesito. Cada jogador só pode ser recrutado uma vez (afinal de contas, é o mundo real!), o que torna mais desafiadora a tarefa de montar uma party equilibrada com cinco componentes.
O que seria dos heróis de RPG sem um bom pub para relaxar?
A versão +1 conta com uma importante adição ao jogo original que é a tradicional taverna onde é possível, à la Dragon Quest III (NES), criar novos personagens e fazer revezamentos em sua equipe atual. Com isso, abre-se a possibilidade de, em um mesmo save, explorar várias classes e combinações de jogadores e classes distintas, expandido o elemento de sandbox do game. Soma-se a isso uma opção, sempre bem-vinda, de um modo New Game+.

O famigerado RNG (random number generator, como costuma-se chamar o princípio aleatorizador responsável pelos aspectos de sorte em games do tipo) acaba fazendo um retorno às suas raízes analógicas, sendo apresentado como um único dado d20, o qual é rolado em situações diversas do jogo. Porém, não espere as minúcias e complicações de um Dungeons & Dragons da vida: o sistema do game consiste mais em colocar a roupagem do RPG de mesa sobre a variante eletrônica do que de simular propriamente o caráter aberto e cheio de variáveis dos sistemas de caneta e papel. Trata-se, assim, de uma proposta de recriar, em uma experiência simplificada e linearizada, um pouco da mágica do jogo de D&D.

O mundo de Pen and Paper

Montada a equipe inicial (que na verdade começa com apenas dois participantes, sendo que novas vagas precisam ser compradas com a grana adquirida nas primeiras aventuras), é a hora de começar o roleplaying. O mestre narra uma sequência inicial (o clássico “Vocês estão num calabouço, tentem escapar!”) que acaba levando a equipe até a cidadezinha nada especial de Vila Qualquer, a partir da qual uma gama de opções se abre aos jogadores.
O início da jornada.
É possível escolher entre uma seleção (um tanto restrita, ao início) de quests e side-quests, comprar e vender itens e visualizar o mapa do mundo, com opções de regiões vizinhas exploráveis até mesmo para aventureiros de levels mais baixos. A navegação no mapa se dá por estradas pré-determinadas ligando os pontos existentes. Ao longo do mapa encontram-se cidades (onde os heróis podem dormir com segurança), campos, cavernas e florestas a serem explorados (onde é possível acampar) e também as masmorras, que são dungeons cuja exploração é aleatorizada através do dado.

Cada trecho de estrada possui um custo a ser pago em moedas e gera uma rolagem do d20, a qual determina se a equipe passará por uma batalha de encontro aleatório ou se chegará impune ao seu destino escolhido. O sistema é bastante funcional ao impor um custo às viagens (o tempo de jogo em dias também é computado, mas tem pouca influência sobre a jogabilidade), o que aumenta o senso de exploração e imersão e te leva a traçar estratégias sem no entanto ter que lidar com os polêmicos encontros aleatórios a todo momento.
Os habitantes locais sempre têm pedidos para o grupo de heróis. Vem cá, eu não te conheço de algum lugar, não?
Enquanto o mapa possui relativamente poucas localidades, cada uma delas traz um cenário particular que conta com monstros temáticos e, na maior parte das vezes, opções de side-quests, as quais na maioria das vezes se dividem em: Caça, Coleta, Viagem e Escolta. Tanto os locais quanto as quests apresentam indicadores de level recomendado, mas, na minha experiência, eles não foram de particular ajuda, com indicadores mais baixos levando a desafios mais longos e difíceis, enquanto indicadores mais elevados (por exemplo, uma missão indicando lvl. 30, enquanto minha equipe se encontrava em torno do 25) levaram a missões bastante fáceis.

Pen, Paper and Pixels

A história é contada através de diálogos curtos com os diversos NPCs do jogo, alguns tornando-se personagens recorrentes no desenvolver da campanha. Repletos de bom humor, é recomendado experienciá-los na versão em português do jogo que, beneficiando-se de seu desenvolvimento ter sido realizado por uma developer nacional, traz piadas e trocadilhos impagáveis os quais podem acabar perdidos no processo de tradução. É curioso notar que uma ou outra referência já soam bastante datadas, mostrando que a vida útil de um meme não é lá muito bondosa com criações de meia década.

Tanto o mundo quanto os habitantes de Pen and Paper são bastante carismáticos e realizam de forma competente a imersão dos jogadores (tanto eles quanto nós) em sua narrativa irreverente, que abraça os clichês do gênero ao mesmo tempo como sátira e homenagem. Ajuda o fato de que o game sustenta visuais bastante condizentes com sua proposta, resultando em um todo bastante coeso.
Em um bom RPG, a imersão é tudo!
Se no lançamento original do jogo a pixel art minimalista me chamou a atenção pela ousadia e inovação, hoje ela já se encontra em um panorama onde estamos habituados com o uso corrente desse estilo gráfico, o que não tira seu mérito como inovadora na época. Com ares bastante autênticos dos gráficos do início da era 16-bits, os jogadores, mestres e NPCs trazem um estilo minimalista e super-deformed que lembra vagamente um misto de Earthbound (SNES) com traços mais cartunescos e caricaturais, somados em um bom resultado.

Porém, são os backgrounds e os inimigos que roubam a cena no quesito gráfico. Os fundos detalhados investem na mudança brusca da paleta de cores para retratar os diferentes cenários de forma a dá-los personalidade, fator completado pelo elenco de criaturas temáticas para cada região. Novamente com belos designs minimalistas, os monstros são muito bem animados e retratam alguns clichês do gênero de forma carismática, ainda que falte aqui a inventividade genial que daria as caras posteriormente em Chroma Squad (Multi).
Teste de percepção: consegue descobrir qual é a melhor empresa de games, conforme profetizado pelas runas ancestrais das colunas?
Algo semelhante pode ser dito em relação ao som: nada em termos de música ou efeitos sonoros soa necessariamente abaixo do esperado, porém ao mesmo tempo pouco se destaca, sendo que faltam faixas mais empolgantes e diversificadas, como aquelas que veríamos no simulador de Super Sentai do mesmo estúdio. Por outro lado, a sonoridade 8-bits é bastante coesa com os visuais e a ambientação do jogo, e eu já te adianto: você vai ficar com algumas chiptunes gravadas na cabeça depois de um certo tempo de jogo!

Do outro lado da mesa: controlando o mestre de jogo!

As batalhas em turnos acabam sendo reminiscentes do estilo que costumamos associar aos JRPGs. A divisão do combate restritamente em turnos, a visualização frontal, a ordenação do grupo de inimigos segundo sua distribuição horizontal e o enfoque em técnicas de buff e debuff fazem com que os combates lembrem mais o estilo clássico inaugurado em Dragon Quest (NES) do que a variante da franquia Final Fantasy, que tendeu a uma maior experimentação com o modelo. Assim, não espere encontrar aqui uma exploração minuciosa de diferentes tipos de dano elemental (que existem, mas possuem um papel secundário nas batalhas), de uma gama muito diversificada de status e habilidades variadas de batalha ou da divisão dos turnos com elementos em tempo real.
Hora da batalha!
Enquanto essas limitações podem a princípio dar a impressão de uma falsa simplicidade, o fato é que o jogo possui uma variedade robusta o suficiente de monstros, classes e habilidades para fazer com que seu sistema de batalha mantenha cativado o interesse do jogador. O estilo "direto e reto" das batalhas contribui para manter o ritmo rápido e descontraído da exploração e do desenvolvimento das quests, sendo que a exploração das diferentes possibilidades estratégicas de batalha acaba sendo feita de forma linear na progressão das quests principais da história.

A forma que a produção encontrou de explorar a premissa do meta-RPG no desenvolvimento e progressão da história consiste em conceder a você o controle sobre algumas das ações do mestre de jogo. A principal delas é a organização das batalhas, que oferecem total liberdade na construção dos grupos de monstros a serem enfrentados na maioria dos combates. Exceto em lutas pré-determinadas pelas quests e pelas raras abordagens randômicas durante as viagens, a maioria das lutas é organizada através do controle do mestre de jogo.
S-Seu MissingNo.! O senhor por aqui, no meu Switch!?
(Por favor, tenha piedade do meu save!)
Por exemplo, mediante uma quest de coleta de itens ou de caça a determinado tipo de monstro, é possível optar por um grupo repleto de criaturas (o que traz um bônus de experiência ao final da batalha — justo!) ou por várias batalhas contra grupos menores (no caso em que a equipe ainda está alcançando o nível de poder da localidade atual, por exemplo).

Explorando a premissa do RPG de mesa, essa flexibilidade traz também um aspecto interessante de customização para a tarefa muitas vezes tediosa do grinding, implementando um mecanismo interessante onde você se vê frequentemente pesando situações de risco x recompensa. O engenhoso sistema de auto-save garante que a palavra final seja dos resultados, ou seja, como nos lembra sempre o mestre do jogo: “Nada de trapacear”!
Um bom lanche também ajuda muito no desempenho dos jogadores!
Porém, não se deixe enganar: grande parte da diversão do jogo está em administrar estrategicamente a experiência e o ouro ao longo do que, mesmo mascaradas sob quests, não são muito mais do que sessões longas de grinding. Ou seja, o entusiasmo ou não do jogador com esse tipo de mecânica é determinante para um bom aproveitamento do que Knights of Pen and Paper tem para oferecer.

Diversão com simplicidade

Assim, o game funciona bem tanto para ser zerado em poucas sessões mais alongadas de jogo, quanto para ser explorado ao longo de várias sessões mais curtas, garantindo uma boa experiência sob ambas abordagens. O port para consoles traz o diferencial determinante do controle via botões, que garante uma interface muito mais fluída do que o esquema truncado dos controles via mouse no computador, resultando na versão do game com melhor jogabilidade dentre todas.

No Switch, o jogo sai ganhando dos dois lados: o modo docked possibilita apreciar os belos gráficos retrô do jogo em uma tela grande e com a distância necessária para que os pixels não saltem às formas (como ocorre na versão para o PC, quando observado com a tela muito próxima), enquanto o modo portátil é praticamente um enviado pelos deuses para as sessões mais alongadas de grinding.
Retro-RPG fica bom mesmo é na TV!
Antes de encerrar, é necessário notar alguns pequenos problemas que impedem o port de ser sem falhas. O jogo apresenta alguns erros de digitação no texto que, embora não representem um grande problema, podem ser distrativos. Também temos cenários onde observam-se quedas do framerate, o que indica problemas de otimização. O destaque visual do botão selecionado na interface alterna entre as cores cinza e amarelo, o que pode causar confusão ao jogador no início, ainda mais ao levarmos em conta a disposição pouco usual dos menus, que se abrem de baixo para cima. Felizmente, nada disso é impeditivo de que a experiência do port seja a mais completa e definitiva do game até hoje, suas adições e melhorias compensando estes detalhes que, com sorte, podem vir a ser adereçados em um patch futuro.

Equilibrando bem a possibilidade de livre exploração com uma narrativa linear ao mesmo tempo simples e envolvente, o game é uma boa pedida para os entusiastas dos RPGs (mais especificamente, dos JRPGs retrô) interessados seja pela premissa criativa seja por uma experiência mais abreviada de jogo, em um gênero que costuma exigir centenas de horas para se obter qualquer sensação de completeza. Trazendo uma narrativa humorística cheia de referências à cultura pop e um sistema de batalha simples, envolvente e potencialmente viciante, Knights of Pen and Paper +1 Deluxier Edition mantém-se um RPG indie cheio de personalidade e mostra que é possível entreter no gênero prezando pela simplicidade.

Prós

  • Premissa inovadora, muito bem executada;
  • Diálogos repletos de bom humor;
  • Sistema de batalha simples, funcional e envolvente;
  • Visual e sonoridade coesos;
  • Fator replay garantido pela variedade de classes e pelo modo New Game+;
  • Referências divertidas à cultura pop e ao mundo dos games;
  • MissingNo. dando as caras no Switch.

Contras

  • Indicadores de dificuldade das quests tornam a progressão um tanto confusa;
  • Pouca variedade de habilidades para cada classe;
  • Problemas de escrita nos diálogos e de otimização (drop de framerate);
  • Ausência de um tutorial sobre algumas das mecânicas (Itens de Mesa, Ferreiro, Pedras de Amolação) para guiar jogadores iniciantes.
Knights of Pen and Paper +1 Deluxier Edition — Switch/PS4/XBO — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vinícius Fernandes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Behold Studios
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é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).