O longo título nos dá pistas de que Knights of Pen and Paper +1 Deluxier Edition chega ao Switch já com uma certa bagagem. Tendo sido um hit nas plataformas Mobile na ocasião de seu lançamento, há mais de cinco anos atrás, o game da desenvolvedora indie Behold Studios chegou aos PCs sem se livrar por completo de suas raízes em que flertava com o modelo free-to-play, trazendo consigo algumas mecânicas famigeradas de microtransações que angariaram críticas negativas dentre alguns dos potenciais entusiastas da simpática premissa.
Mesmo assim, o jogo conseguiu ter um ciclo saudável no PC, podendo ser considerado atualmente como um clássico indie do início da década. Nesse sentido, é de se estranhar o quanto a produção demorou para dar as caras nos consoles, já que sua estrutura e jogabilidade, embora desenhados inicialmente com as telas de toque dos celulares e tablets em mente, têm muito mais em comum com os RPGs tradicionais de console do que com os games do gênero nativos do PC. O port para os consoles da versão Deluxier vem remediar esta falta antes tarde do que nunca, trazendo a versão final do game para um acabamento que permite aos jogadores (re)visitarem a terra de Pen and Paper sob um novo ângulo.
O meta-RPG: jogando como um jogador!
Knights of Pen and Paper parte de uma proposta muito inventiva. Trata-se de algo que se poderia chamar de um meta-RPG. Se em qualquer role-playing game tradicional o jogador é convidado a assumir o papel de um personagem, a escolha do jogo é a de voltar essa premissa básica contra si mesma na frente do espelho. Você interpreta um grupo de jogadores de RPG os quais, por sua vez, interpretam seus próprios personagens in-game.Uma aventura caseira. |
Com isso, a criação dos personagens envolve a seleção de duas etapas: o jogador no “mundo real” e a sua classe a ser interpretada no mundo do RPG. Para o primeiro critério, sua seleção se dá entre um conjunto de figurões que vai desde uma seleção de tipos conhecidos (por exemplo o Jock, o Hipster, o Roqueiro e… Paris Hilton!?) até entradas mais inusitadas como um E.T., Mr. Beaver (o mascote da Behold Studios) e a participação especial, exclusiva da versão +1, de um dos magos de Magicka (PC). Cada um deles possui seu próprio bônus pré-determinado e fixo.
Quando o sistema é bom, ninguém quer ficar de fora do jogo! |
A combinação eficiente entre o bônus do jogador e as características de sua classe é o primeiro aspecto estratégico com o qual você se verá às voltas. Para um Clérigo ou Mago, por exemplo, classes que consomem muitos pontos de magia com suas habilidades, é uma boa pedida recrutar os serviços do simpático maguinho de Magicka, que possui bônus no quesito. Cada jogador só pode ser recrutado uma vez (afinal de contas, é o mundo real!), o que torna mais desafiadora a tarefa de montar uma party equilibrada com cinco componentes.
O que seria dos heróis de RPG sem um bom pub para relaxar? |
O famigerado RNG (random number generator, como costuma-se chamar o princípio aleatorizador responsável pelos aspectos de sorte em games do tipo) acaba fazendo um retorno às suas raízes analógicas, sendo apresentado como um único dado d20, o qual é rolado em situações diversas do jogo. Porém, não espere as minúcias e complicações de um Dungeons & Dragons da vida: o sistema do game consiste mais em colocar a roupagem do RPG de mesa sobre a variante eletrônica do que de simular propriamente o caráter aberto e cheio de variáveis dos sistemas de caneta e papel. Trata-se, assim, de uma proposta de recriar, em uma experiência simplificada e linearizada, um pouco da mágica do jogo de D&D.
O mundo de Pen and Paper
Montada a equipe inicial (que na verdade começa com apenas dois participantes, sendo que novas vagas precisam ser compradas com a grana adquirida nas primeiras aventuras), é a hora de começar o roleplaying. O mestre narra uma sequência inicial (o clássico “Vocês estão num calabouço, tentem escapar!”) que acaba levando a equipe até a cidadezinha nada especial de Vila Qualquer, a partir da qual uma gama de opções se abre aos jogadores.O início da jornada. |
Cada trecho de estrada possui um custo a ser pago em moedas e gera uma rolagem do d20, a qual determina se a equipe passará por uma batalha de encontro aleatório ou se chegará impune ao seu destino escolhido. O sistema é bastante funcional ao impor um custo às viagens (o tempo de jogo em dias também é computado, mas tem pouca influência sobre a jogabilidade), o que aumenta o senso de exploração e imersão e te leva a traçar estratégias sem no entanto ter que lidar com os polêmicos encontros aleatórios a todo momento.
Os habitantes locais sempre têm pedidos para o grupo de heróis. Vem cá, eu não te conheço de algum lugar, não? |
Pen, Paper and Pixels
A história é contada através de diálogos curtos com os diversos NPCs do jogo, alguns tornando-se personagens recorrentes no desenvolver da campanha. Repletos de bom humor, é recomendado experienciá-los na versão em português do jogo que, beneficiando-se de seu desenvolvimento ter sido realizado por uma developer nacional, traz piadas e trocadilhos impagáveis os quais podem acabar perdidos no processo de tradução. É curioso notar que uma ou outra referência já soam bastante datadas, mostrando que a vida útil de um meme não é lá muito bondosa com criações de meia década.Em um bom RPG, a imersão é tudo! |
Porém, são os backgrounds e os inimigos que roubam a cena no quesito gráfico. Os fundos detalhados investem na mudança brusca da paleta de cores para retratar os diferentes cenários de forma a dá-los personalidade, fator completado pelo elenco de criaturas temáticas para cada região. Novamente com belos designs minimalistas, os monstros são muito bem animados e retratam alguns clichês do gênero de forma carismática, ainda que falte aqui a inventividade genial que daria as caras posteriormente em Chroma Squad (Multi).
Teste de percepção: consegue descobrir qual é a melhor empresa de games, conforme profetizado pelas runas ancestrais das colunas? |
Do outro lado da mesa: controlando o mestre de jogo!
As batalhas em turnos acabam sendo reminiscentes do estilo que costumamos associar aos JRPGs. A divisão do combate restritamente em turnos, a visualização frontal, a ordenação do grupo de inimigos segundo sua distribuição horizontal e o enfoque em técnicas de buff e debuff fazem com que os combates lembrem mais o estilo clássico inaugurado em Dragon Quest (NES) do que a variante da franquia Final Fantasy, que tendeu a uma maior experimentação com o modelo. Assim, não espere encontrar aqui uma exploração minuciosa de diferentes tipos de dano elemental (que existem, mas possuem um papel secundário nas batalhas), de uma gama muito diversificada de status e habilidades variadas de batalha ou da divisão dos turnos com elementos em tempo real.Hora da batalha! |
A forma que a produção encontrou de explorar a premissa do meta-RPG no desenvolvimento e progressão da história consiste em conceder a você o controle sobre algumas das ações do mestre de jogo. A principal delas é a organização das batalhas, que oferecem total liberdade na construção dos grupos de monstros a serem enfrentados na maioria dos combates. Exceto em lutas pré-determinadas pelas quests e pelas raras abordagens randômicas durante as viagens, a maioria das lutas é organizada através do controle do mestre de jogo.
S-Seu MissingNo.! O senhor por aqui, no meu Switch!? (Por favor, tenha piedade do meu save!) |
Explorando a premissa do RPG de mesa, essa flexibilidade traz também um aspecto interessante de customização para a tarefa muitas vezes tediosa do grinding, implementando um mecanismo interessante onde você se vê frequentemente pesando situações de risco x recompensa. O engenhoso sistema de auto-save garante que a palavra final seja dos resultados, ou seja, como nos lembra sempre o mestre do jogo: “Nada de trapacear”!
Um bom lanche também ajuda muito no desempenho dos jogadores! |
Diversão com simplicidade
Assim, o game funciona bem tanto para ser zerado em poucas sessões mais alongadas de jogo, quanto para ser explorado ao longo de várias sessões mais curtas, garantindo uma boa experiência sob ambas abordagens. O port para consoles traz o diferencial determinante do controle via botões, que garante uma interface muito mais fluída do que o esquema truncado dos controles via mouse no computador, resultando na versão do game com melhor jogabilidade dentre todas.No Switch, o jogo sai ganhando dos dois lados: o modo docked possibilita apreciar os belos gráficos retrô do jogo em uma tela grande e com a distância necessária para que os pixels não saltem às formas (como ocorre na versão para o PC, quando observado com a tela muito próxima), enquanto o modo portátil é praticamente um enviado pelos deuses para as sessões mais alongadas de grinding.
Retro-RPG fica bom mesmo é na TV! |
Equilibrando bem a possibilidade de livre exploração com uma narrativa linear ao mesmo tempo simples e envolvente, o game é uma boa pedida para os entusiastas dos RPGs (mais especificamente, dos JRPGs retrô) interessados seja pela premissa criativa seja por uma experiência mais abreviada de jogo, em um gênero que costuma exigir centenas de horas para se obter qualquer sensação de completeza. Trazendo uma narrativa humorística cheia de referências à cultura pop e um sistema de batalha simples, envolvente e potencialmente viciante, Knights of Pen and Paper +1 Deluxier Edition mantém-se um RPG indie cheio de personalidade e mostra que é possível entreter no gênero prezando pela simplicidade.
Prós
- Premissa inovadora, muito bem executada;
- Diálogos repletos de bom humor;
- Sistema de batalha simples, funcional e envolvente;
- Visual e sonoridade coesos;
- Fator replay garantido pela variedade de classes e pelo modo New Game+;
- Referências divertidas à cultura pop e ao mundo dos games;
- MissingNo. dando as caras no Switch.
Contras
- Indicadores de dificuldade das quests tornam a progressão um tanto confusa;
- Pouca variedade de habilidades para cada classe;
- Problemas de escrita nos diálogos e de otimização (drop de framerate);
- Ausência de um tutorial sobre algumas das mecânicas (Itens de Mesa, Ferreiro, Pedras de Amolação) para guiar jogadores iniciantes.
Knights of Pen and Paper +1 Deluxier Edition — Switch/PS4/XBO — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vinícius Fernandes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Behold Studios