A escola Nintendo de game design

Você pode já ter ouvido falar na Fórmula Marvel, mas você conhece a Fórmula Nintendo?

em 05/05/2018

Tem algo de mágico nos jogos da Nintendo. Algo de especial que atrai até aquela sua tia chata que só sabe falar mal de videogames. Seja com Mario ou até Splatoon, a Big N consegue aproximar as pessoas de uma maneira que outros desenvolvedores apenas sonham. Seus jogos são tão criativos, divertidos e intuitivos que literalmente qualquer um pode pegar um controle e se aventurar por alguns minutos em uma experiência marcante. Mas o que torna esses jogos tão especiais? É exatamente isso que vamos discutir hoje.

Quando menos é mais

Não é novidade para ninguém que a Nintendo é mestre quando o assunto é criar novas experiências. Isso pode ser visto tanto em seus jogos, que redefinem o que pode ser feito com games desde Donkey Kong (1981), quanto em seus consoles, que não têm medo de reimaginar completamente como jogamos, como foi o Nintendo Wii (2006). Pode parecer contra-intuitivo, mas a chave de toda essa inovação vem da simplicidade.

Normalmente, essa simplicidade é alcançada determinando uma única mecânica que vai definir o jogo e pensando em diversos desdobramentos lógicos para tal movimento. Em Super Mario Odyssey (Switch), por exemplo, quando foi decidido que a nova habilidade de Mario seria seu chapéu, tudo que ele consegue fazer orbita de algum modo arremessá-lo. O chapéu até se tornou um personagem, o Cappy, pra destacar ainda mais sua importância.
Seja derrotando inimigos ou roubando a alma deles, Cappy é pau pra toda obra


Cappy permite que Mario derrote inimigos, interaja com o cenário, capture as mais diversas criaturas e até eleva as habilidades acrobáticas do encanador a um novo nível. Concentrando todas essas habilidades em Cappy, a Nintendo faz com que o jogador consiga fazer muita coisa precisando aprender muito pouco. É um game design elegante que torna seus jogos intuitivos e acessíveis até para o mais casual dos jogadores.

A sabedoria de um gênio

Decididas as mecânicas que vão revolucionar alguma de suas amadas franquias, todo o resto do jogo é pensado para realçar tais mecânicas. Em Splatoon (Wii U), por exemplo, as habilidades de atirar tinta e nadar nela nortearam o design dos Inklings, além da escolha da estética urbana e das músicas punk rock que remetem aos anos 90.

Toda essa postura econômica da Nintendo de trabalhar o jogo todo em cima de uma ideia vem bastante da filosofia do próprio Shigeru Miyamoto. “Uma boa ideia é aquela que não resolve só um problema, mas sim a que pode resolver vários de uma vez”, disse em uma entrevista para Eurogamer, lá em 2010.
Chefe é chefe, né pai? 


Você pode estar se perguntando se explorar apenas uma grande ideia não pode acabar tornando o jogo super repetitivo, mas outra mente da Nintendo também já pensou nisso.

Poesia para os olhos

Em uma entrevista ao Gamasutra, Koichi Hayashida — diretor de Super Mario Galaxy 2 (Wii), Super Mario 3D Land (3DS) e Super Mario 3D World (Wii U) — revelou ser inspirado por uma estrutura narrativa chamada de kishōtenketsu, usada em poemas chineses de quatro linhas e tirinhas japonesas de quatro quadrinhos. 

Ele incorporou a estrutura nos jogos do Mario que dirigiu da seguinte maneira. Primeiro ele introduz a ideia central da fase em um ambiente seguro. Pode ser um novo inimigo, obstáculo ou até um novo jeito de usar um power-up. Em seguida ele desenvolve a ideia, aumentando gradativamente a dificuldade.

Perto do final, acontece alguma reviravolta. Em uma fase sobre trampolins, por exemplo, o jogador pode passar a fase toda tendo que lidar com trampolins parados e no final ter um trampolim gigante que se move entre várias ondas de inimigos. No final há um desfecho, que pode ser uma espécie de chefe ou outro desafio para testar se você entendeu bem a ideia da fase.
Não era um exemplo. Era a fase 4-4 de Super Mario 3D World mesmo.
Vemos essa filosofia em diversos jogos da Nintendo desde a era do Wii. Em The Legend of Zelda: Twilight Princess (GC/Wii), somos introduzidos a um item no começo da dungeon e ele deixa de ser relevante até chegarmos ao final, depois de uma batalha final contra um chefe, dando espaço para outro equipamento surgir e brilhar.  

Nintendo fazendo escola

Óbvio que o jeito diferentão da Nintendo de pensar em jogo ia acabar inspirando outros desenvolvedores. Já podemos ver, principalmente em jogos indies mais retrô, que as lições da Big N foram muito bem aprendidas. Em Enter the Gungeon (Multi), armas governam cada aspecto do design do jogo, desde os personagens até a sua própria vida. Já em Celeste (Multi) temos uma aplicação fiel do kishōtenketsu, com cada fase apresentando um jeito único de escalar a montanha.
Celeste consegue trazer mecânicas novas em todas as fases enquanto conta uma história comovente
Nem todo jogo precisa seguir a fórmula da Nintendo para ser bom e eu fico feliz que o PlayStation siga outros caminhos com seus exclusivos. Jogos como God of War (PS4) e Persona 5 (PS3/PS4) são bastante complexos e trazem uma experiência incrível que não poderia ser contada de outro jeito. É importante haver diversidade no mundo dos jogos. Não queremos que todos os jogos sejam iguais.  

Ainda assim a fórmula Nintendo de fazer jogos veio para ficar. Até o mais recente The Legend of Zelda: Breath of the Wild (WiiU/Switch) — responsável por quebrar tantos paradigmas da franquia — continua aplicando essa estrutura em uma escala menor em seus shrines. É interessante ver que a Nintendo consegue se reinventar e ainda se manter verdadeira a sua essência. Não dá para saber que novidades o futuro da Nintendo nos reserva, mas pode ter certeza que a magia da Nintendo continuará para sempre viva.

Revisão: Vinícius Veloso

Gabriel Mattos estuda Ciência da Computação e procura sempre estar em equilíbrio com a Força. Pode ser encontrado por aí especulando sobre os próximos lançamentos da Nintendo e da Playstation na GameBlast e no Twitter.
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