Battletoads (NES): onde os fracos não têm vez

O que mais assusta no jogo não é a dificuldade, e sim a punição a quem não está à sua altura.

em 11/05/2018
Desafio é algo que precisa sempre estar balanceado nos vídeo games. Não se pode criar um jogo muito simples a ponto de aborrecer o jogador, nem tão complexo que o deixe enfurecido. Battletoads (1991), para o Nintendo Entertainment System (NES), flerta com essa segunda opção. Seu design e nível de dificuldade são capazes de desafiar e motivar os mais corajosos, mas algumas decisões de programação colocam uma camada de frustração sobre tudo.

Fluidez e variedade

O jogo é protagonizado por três sapos antropomórficos chamados Rash, Zitz e Pimple - palavras em inglês que significam vermelhidões na pele e espinhas. Os três, no entanto, não sofrem de qualquer tipo de doença cutânea, ou algo do gênero. Pelo contrário: possuem aquela atitude "descolada", típica de personagens dos anos 90. Essa qualidade, porém, não impede que Pimple e a princesa deste mundo, Angelica, sejam raptados pela Rainha Negra e levados ao planeta de Ragnarok. Cabe aos outros anfíbios resgatá-los. Uma trama que não foge do clichê dos games lançados nesta época, mas que funciona bem como motivação para avançar pelas fases.

Cada nível mescla elementos de jogos de plataforma e de beat-em-ups. Há momentos em que só é possível prosseguir no cenário se todos os inimigos na tela forem eliminados, algo presente em games de arcade, como Double Dragon. Em outros, é preciso dar pulos certeiros sobre abismos e outros perigos, assim como ficou marcado nas séries Mario e Sonic. A simplicidade e boa resposta dos controles faz com que seja possível alternar entre os dois em uma mesma fase sem empecilho algum. Em nenhum momento, o jogador se sente traído por um pulo ou um soco que foi registrado atrasado pelo jogo. Os comandos fluidos fazem com que seja prazeroso controlar os personagens e que cada porrada desferida venha carregada de satisfação, que é aumentada pelos efeitos sonoros e pelas músicas.

Os 12 níveis nos quais esses controles são utilizados impressionam pela sua variedade. Cada um deles gira em torno de uma mecânica específica. Destruir robôs e usar suas partes para vencer outros inimigos, enfrentar chefões usando a própria perspectiva deles para desviar de seus ataques, descer crateras pendurado em cordas e defrontando com corvos e lasers, usar uma moto voadora para desviar de obstáculos, surfar por redemoinhos de água e usar cobras como plataformas são algumas maneiras como o jogo tenta manter cada fase instigante.
Correr pelo corpo de uma cobra enquanto pula espinhos é um dos exemplos de inventividade do jogo

(Muitas) tentativas e (muitos) erros

No entanto, controles responsivos e níveis variados nada significam sem o jogo que foi criado para eles. E, no caso de Battletoads, foi produzido um jogo muito difícil. Ao contrário de muitos games que aumentam sua dificuldade à medida que o jogador se especializa com os controles e comandos, a desenvolvedora britânica Rare resolveu eliminar os meios-termos e criou um jogo que começa simples, mas que se torna um pesadelo em questão de duas fases. Depois desse pico de dificuldade, o desafio se mantém igual, ou até maior conforme o game avança.
Turbo Tunnel: o terceiro nível do jogo é considerado o mais difícil de todos


Esse pesadelo se relaciona diretamente com a maneira que os níveis foram elaborados. A grande maioria dos obstáculos foi desenhada tendo em mente a tentativa e o erro. O game quer que o jogador não tenha tempo para reagir ao que lhe foi apresentado na primeira vez e seja derrotado. A variedade das fases acaba entrando aqui, pois, com cada cenário drasticamente diferente do outro, é difícil saber o que lhe espera pela frente. Do inimigo que só aparece quando o cenário avança ao obstáculo que mata instantaneamente, há muitas armadilhas que exigem várias tentativas para serem superadas. Isso incentiva a memorização de cada aspecto dos níveis como forma de motivar o jogador a ultrapassar cada um dos desafios e, eventualmente, vencer a fase. A sensação de vitória ante uma situação difícil é a recompensa final neste jogo.

Claro, este investimento depende do quão determinado é aquele que joga. Este tipo de design de níveis acaba afastando pessoas que não são atraídas à ideia de repetir mesmas fases e ações várias e várias vezes, em busca de um eventual momento de superação. Porém, mesmo aos jogadores que se divertem com essa perspectiva, Battletoads exige um patamar ainda maior de determinação, devido ao modo como pune aqueles que não tiveram os reflexos rápidos o suficiente.

De início, o game oferece três vidas ao protagonista. Cada uma delas é composta de uma barra, que diminui conforme ele é atingido. Vidas extras são escassas e exigem que o jogador se arrisque para consegui-las, ou alcance um alto número de pontos. Ao fim das vidas, um continue é oferecido e o jogo retoma do início da fase em que parou. Ao final de três continues, o jogo acaba e retorna ao começo. Devido às limitações tecnológicas da época, não há como salvar o progresso.
Se acostume: você verá muito esta tela ao jogar
Esse tipo de sistema, combinado à natureza de tentativa e erro do jogo, faz com que o andamento seja frustrante até mesmo para quem se dispôs a enfrentar esse mundo. A facilidade de perder vidas torna igualmente fácil gastar todos os continues sem que nenhum avanço real seja feito. O retorno ao início do game depois disso irrita, pois assume um trabalho ainda maior para regressar ao ponto em que o game encerrou. Algumas fases possuem portais que permitem pular alguns níveis e avançar mais rapidamente após o game over. Porém, eles estão em locais secretos e muitas vezes difíceis de alcançar, o que se torna um desafio em si utilizá-los.

A falta de uma maneira rápida de voltar ao lugar em que o jogador falhou é a principal falha aqui. Tomando de exemplo outros jogos da época, os desenvolvedores poderiam ter estabelecido um sistema de senhas que direcionariam diretamente a cada um dos níveis. Outra alternativa seria o uso de continues infinitos, pois a punição pela derrota se manteria, mas não seria tão severa, assim como o é em Super Mario Bros. 3, em que os continues são ilimitados, mas seu uso leva o jogador de volta ao início do mundo. Falando em Mario, a solução mais simples de todas seria colocar os portais em lugares mais simples de acessar, como são as Warp Zones de Super Mario Bros.

Custo-benefício?

É difícil entender a decisão da Rare ao desenvolver Battletoads dessa forma. O espaço limitado dos cartuchos de NES fez com que muitas desenvolvedoras criassem jogos pequenos, mas difíceis de terminar como forma de justificar o preço pago pelo consumidor no produto. Porém, mesmo se tivesse um sistema de punição mais brando, Battletoads não seria um jogo cuja duração invalidaria a compra. Os desafios do game já oferecem um conteúdo duradouro, devido à sua natureza repetitiva, a qual é um atrativo para muitas pessoas. Inserir empecilhos desnecessários faz com que o jogo perca seu custo-benefício de fato, pois muitos não conseguirão nem mesmo finalizá-lo.

O design do jogo se torna ainda mais complexo de compreender quando se leva em consideração que estes três sapos foram criados com a intenção de competir com as Tartarugas Ninja pela preferência das crianças dos anos 90. Assim como aconteceu com elas, uma série de produtos licenciados foram lançados com o nome Battletoads. Mas a marca das Tartarugas Ninja continua forte até hoje, enquanto Rash, Zitz e Pimple entraram em obscuridade, lembrados somente com nostalgia. Não seria surpreendente se a frustração dos pequenos ao se depararem com um game extremamente inflexível tivesse parte nisso.
Fantasia dos Battletoads: expansão para além dos jogos que não vingou


No final das contas, Battletoads não é um jogo ruim. É um game cujos controles, personagens, mundos e desafios são capazes de entreter e divertir. No entanto, sua dificuldade e principalmente sua estrutura impiedosa limitam a diversão somente às pessoas com determinação e paciência, infelizmente.

Revisão: João Paulo Benevides
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Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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