Análise: Earthlock (Switch) exige tempo livre, mas oferece uma boa experiência de RPG em turnos

Apesar de algumas imperfeições, fãs do gênero não vão se decepcionar.

em 22/05/2018

Se este nome não lhe é estranho, mas alguma coisa parece estar faltando, você está certo. Desenvolvido pelo estúdio norueguês Snowcastle Games, o RPG em turnos com inspiração em JRPGs clássicos foi originalmente lançado como Earthlock: Festival of Magic (Wii U) em 2016 para Wii U, PS4, XBO e PC. Durante seu desenvolvimento, o título passou por problemas comuns de estúdios independentes iniciantes, como falta de verba (que levaram a cortes dolorosos ao projeto) e grandes ambições. Na época de seu lançamento, o jogo alcançou notas ao redor de 6 (60) e enfrentou insatisfações, afinal, o game não foi ao ar bem da forma que deveria.

Um ano após o lançamento do jogo, os desenvolvedores já planejavam o começo do desenvolvimento do próximo título da franquia (que deve ser uma trilogia). Porém, a idéia foi interrompida por um sentimento de que primeiro deveriam arrumar o que havia sido feito, ou estariam concordando com as críticas. Foi quando uma discussão do que e como poderia ser melhorado teve início, e com a ajuda da Microsoft, Sony e Steam, Earthlock (Switch) deu as caras como uma versão melhorada e multiplataforma do game, que impulsionou as críticas para 8 (80). Para evitar confusões, é bom sempre verificar a data do trailer/notícia, pois o jogo ainda utiliza o subtítulo Festival of Magic algumas vezes. Se você tiver a curiosidade, pode saber um pouco mais sobre as dificuldades enfrentadas pelo time em um artigo criado pelo próprio.

Mas, vamos ao que interessa: Earthlock realmente vale a atenção dos donos do Nintendo Switch? Ou melhor, o jogo agradará suas preferências? Vamos analisar alguns pontos que podem contribuir para que você descubra.

Uma história de caminhos cruzados

Assim como a maioria dos JRPGs aos quais presta homenagem, Earthlock procura contar a história não só de um grupo de personagens específicos, mas também do universo em que vivem. Porém, diferentemente de outros games com o mesmo objetivo, mesmo o início do enredo do título consegue estimular o interesse do jogador. Primeiramente, o jogador é apresentado a algumas informações e ao mundo em que vai se aventurar, para depois conhecer um pouco da situação em que cada personagem está submetido.


Em Earthlock, poucos dos personagens que participam do desenvolver da trama fazem parte do grupo inicial do jogador. Boa parte deles não se conhecia inicialmente, mas tiveram seus caminhos cruzados conforme Amon Barros, um jovem caçador de quinquilharias e antiguidades, enfrenta dificuldades e acaba por ter de resgatar seu tio Benjo.

Como era de se esperar de um RPG, diferentes raças e costumes compõem a população do mundo de Earthlock. Existe também um contraste entre o estilo de vida de cada personagem, considerando que a aventura agrupa personalidades como a filha de um general, um porco-coelho intelectual e até mesmo uma viajante solitária e durona. Cada um deles tem suas especialidades, e podem realizar ações diferentes no mapa global.




Alguns personagens secundários, porém não menos importantes, acabam um pouco ofuscados na trama, e um potencial de construção de características importantes parece desperdiçado em certos momentos. Porém, vale notar que algumas dessas características podem ser amadurecidas nos próximos dois jogos do que está planejado para ser uma franquia.

Ao mesmo tempo em que algumas informações parecem estar faltando, fatores como nomes específicos para itens (como Kiss of Lys, o item responsável por reviver personagens) e aspectos (como Moonrun para designar o período de um dia) estão presentes em Earthlock. Comuns em franquias como Final Fantasy, essas especificidades contribuem para o desenvolvimento de um cenário mais curioso e característico.

O diário do personagem Gnart e interações com o cenário também providenciam dados interessantes para aqueles que desejam acumular o máximo de conhecimento sobre a história que o game conta.


Arte caprichada e navegação prática até demais

Outros dois aspectos comuns em JRPGs são artes de tirar o fôlego e trilhas sonoras memoráveis. Se você procura por animações bem trabalhadas, paisagens marcantes e melodias que contribuam para a ambientação da narrativa, Earthlock não te decepcionará. Porém, existem imperfeições. A ausência de efeitos sonoros como uivos da cadela Taika e o alerta de quando oponentes percebem sua presença podem incomodar. Em adendo, apesar da movimentação suave da câmera contribuir para a experiência visual, ela também por vezes atrapalha o jogador a ver detalhes como dicas de puzzles, por exemplo.

Além disso, assim como na versão de PC, o visual do “mapa global” (overworld) do título é pobre e deixa a desejar. Existem duas observações específicas da versão de Nintendo Switch de Earthlock a serem feitas: Textos são legíveis tanto no modo portátil quanto no dock (fator nem sempre presente em todos os jogos), e a vibração dos Joycon ocorre em situações como ataques críticos e cutscenes.

Mas não só de detalhes gráficos vive um jogo. Nem todo RPG conta com menus caprichados e intuitivos, e este é um dos pontos fortes de Earthlock. O título se destaca com visuais de interface agradável e de simples navegação, com direito a efeitos de transparência e bons retratos compactos dos personagens ou ícones de itens, mas ainda assim pisa na bola em alguns aspectos importantes. Por exemplo, não é possível saber o nível de oponentes.

 A seção de configurações do jogo permite a alteração de volumes individuais de áudio, idioma e a velocidade com que os textos de diálogo aparecem na tela. Inclusive, os desenvolvedores alegam que a opção de Português Brasileiro estará disponível em um futuro próximo. Através do menu disponível dentro do jogo, é possível também revisitar tutoriais, que apresentavam controles incorretos na versão em que joguei.


Porém, por incrível que pareça, a praticidade dos menus de Earthlock também pode ser um problema. Não existem pedidos de confirmação para o uso de itens de cura fora de batalha e para a compra de itens em lojas, o que quer dizer que a soma de pequenos enganos pode se tornar um problema para o jogador.

Para salvar seu progresso, o jogador tem de interagir com estátuas Onurasi, disponíveis em pontos específicos de cada mapa. O modelo segue a tradição dos JRPGs, que mesmo que parcialmente, continua a marcar presença em games recentes como Ni no Kuni II: Revenant Kingdom.

Uma aventura formada por quatro tipos de atividades

Para explicar os desafios de Earthlock, podemos falar em três variantes de atividades que se complementam e definem o progredir do jogador na história conforme completadas. Batalhas, puzzles (quebra-cabeças), a elaboração de itens (crafting), e explorações opcionais:
  • Batalhas:
Os combates em turnos de Earthlock são uma grande fonte de diversão, e podem ter longa ou curta duração dependendo de quão estratégico o comportamento do jogador provar-se. Existe uma variedade interessante de inimigos, e estratégias diferentes para melhor combater cada um deles. Além de cada personagem ter suas funções específicas e habilidades típicas de RPGs, uma outra mecânica contribui para a dinamização das lutas: as stances (posturas).

Cada personagem tem duas stances de batalha, que podem ser alternadas através do uso de um turno e concedem habilidades diferentes ao personagem. Alguns personagens, como Gnart, por exemplo, não são tão úteis para danificar oponentes, mas contam com stances que permitem o uso de poderosas magias de fortificação com potencial de amontoamento ou imunidade. Outros, como Ive e Amon, alternam entre armas de longa e curta distância, para alcançar oponentes voadores ou ter mais precisão de ataque em alvos terrestres.


É possível criar duplas através de um sistema de bonds (vínculos). Vínculos contam com uma progressão individual e uma barra que enche conforme os personagens agem em batalha. Quando essa barra fica completamente cheia, o jogador pode ativar ataques especiais que variam conforme os personagens vinculados. Vale a pena manter em mente que vínculos realizados entre personagens, quando quebrados para estabelecer vínculos com outros personagens, perdem toda sua progressão. A evolução de vínculos também concede pontos de talento, um sistema que vamos discutir um pouco mais para frente.

Diferentemente de outros RPGs, as batalhas de Earthlock não contam com um sistema de MP (Mana/Magic Points), mas uma quantia limitada de Amri, essência que permite a realização de movimentos durante o combate. Existem duas formas de regenerar Amri: Descansar por um turno (Rest) e recuperar dois pontos, ou simplesmente através do utilizar de um turno, que recupera um ponto de Amri.

As batalhas também contam com opções interessantes como alterar a posição da câmera e, se por um acaso o jogador estiver com pressa ou simplesmente quiser uma experiência um pouco mais veloz, o botão ZR faz com que as animações fiquem mais rápidas.

Conforme os oponentes são derrotados, cada personagem progride em sua barra de experiência. O problema é que muitas vezes a experiência ganha por derrotar monstros é ridiculamente insuficiente, exigindo que o jogador permaneça em uma única área por tempo demais para adquirir um nível capaz de derrotar um chefão. A intenção do game é que o jogador acumule uma grande quantidade de monstros pelo mapa global, e assim usufrua de um bônus de experiência. A intenção seria bem-vinda, se não fosse pela dificuldade de aglomerar os cabeças de vento que não fazem muito esforço de te seguir e o impedimento de progressão de níveis em certos pontos da história (como, por exemplo, um máximo de nível 10 aos redores de Zabirum Temples).

Quando um personagem ganha um nível, este recebe pontos de talento para investir no sistema de árvores de talento, que funciona de maneira bem diferente e interessante em Earthlock. Em uma espécie de tabuleiro de cartas, o jogador deve escolher entre melhoramentos de atributos, resistências elementais e funções especiais adquiridas por cartas (perks) fabricadas através de receitas adquiridas ao combater chefes ou progredir na história. O jogador deve formar pontes até cartas pré-estabelecidas no tabuleiro que, ao serem ativadas, concedem novas habilidades para cada personagem. É possível alterar a carta colocada em cada compartimento a qualquer momento.

Um pouco diferente de outros games do gênero, não é possível utilizar habilidades como Cure ou Haste fora de batalhas. Isso provavelmente ocorre devido ao sistema de Amri, que não funciona fora de batalhas e tornaria o uso das habilidades em uma pequena trapaça. Sempre que quiser, o jogador pode verificar as fraquezas elementais e físicas de oponentes que já combateu, e no caso de chefes, informações históricas sobre eles.
  • Puzzles:
Durante sua aventura, o jogador vai se deparar com uma quantidade significante de quebra-cabeças para alcançar lugares ou objetivos específicos. A maioria deles não recebem explicações prévias, mas também são bem intuitivos e não exigem muito além de atenção aos detalhes do cenário. Mas nem por sua simplicidade deixam de ser divertidos.



Alguns puzzles também envolvem batalhas, como lanternas mágicas que precisam ser destruídas para liberar uma essência colorida utilizada em engenhocas antigas. Cada quebra-cabeça tem seu charme, e serve de bom intercalamento entre as outras atividades.
  • Crafting:
O sistema de elaboração de itens de Earthlock é uma das formas do jogo de inovar mesmo enquanto procura se basear em JRPGs clássicos. No título, materiais podem ser adquiridos através de lojas de NPCs e/ou um sistema de cultivo, e então utilizados em três instalações diferentes: Farmoury, Forge e Gallery of Custodians.

A Farmoury permite o uso de ingredientes, principalmente aqueles adquiridos através do sistema de cultivo (fãs de Harvest Moon não devem esperar nada grandioso), para a construção de munições e itens de suporte, como poções e Kiss of Lyss.


A Forge, por sua vez, possibilita que o jogador utilize materiais para o desenvolvimento de armas para os integrantes de seu grupo. E enfim, a Gallery of Custodians permite a composição de cartas (perks) especiais para inserção na árvore de talentos.


  • Explorações Opcionais:
Vários cantos do mundo de Earthlock não são necessariamente abordados na trama principal, mas isso não quer dizer que não tenham utilidade. Existem sementes de plantas que só podem ser adquiridas através do desbravamento de caminhos alternativos, guardados por chefes igualmente valiosos.

Isso quer dizer que mesmo após completar a história principal, o jogador tem objetivos/desafios extras para desfrutar.


Uma experiência válida

A Snowcastle fez um bom trabalho na nova versão do jogo, mas é importante ter em mente que o título exige uma boa disponibilidade de paciência e tempo livre. Existem outros RPGs no mercado que podem saciar a sede por aventura daqueles que não se encaixam nas duas condições, ou simplesmente desejam outro tipo de desafio.

Apesar de visivelmente sofrer com heranças de um desenvolvimento precipitado, mesmo na versão atual, existem motivos para dar uma chance ao jogo principalmente no portátil da Nintendo. Earthlock mostra que jogos com batalhas em turnos podem ser divertidos mesmo nos dias de hoje, e que homenagens não são motivos para deixar a inovação de lado.

Prós

  • Animações, modelos e cenários caprichados;
  • Boa trilha sonora;
  • Integrantes de grupo assumem funções funcionalmente estipuladas em batalha;
  • Sistema de stances diversifica estratégias;
  • Árvore de talentos engajadora;
  • Personagens e enredo interessantes;
  • Sistema de crafting e puzzles que intercalam o gameplay.

Contras

  • Ausência de alguns efeitos sonoros;
  • Falta de pedidos de confirmação de ação de compra/uso de itens;
  • Sidequests irrelevantes;
  • Apresentação visual desinteressante do mapa geral;
  • Recompensa de EXP desbalanceada/grind desgastante.
Earthlock - Switch - Nota: 8.0
Revisão: Vinícius Fernandes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Snowcastle
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