Quem viveu a época das locadoras sabe muito bem o encanto que essas caixinhas mágicas tinham sobre nós. Gastei muitas fichas em Virtua Cop 2 (Sega, Arcade, 1995) naquele dia, até meus primos me chamarem para ver algo incrível que estava rolando em frente a uma das lojas próximas. Uma multidão de crianças e adultos apertavam-se para observar o que parecia ser a apresentação de um novo jogo.
Pequeno, conseguia ver apenas a parte de cima da TV, que mostrava uma torre de castelo e um céu azul. Às vezes, aparecia um objeto vermelho desconhecido. Me espremi entre eles e cheguei perto o suficiente para ter uma visão mais clara. Não era o Papai Noel. Me deparei com um certo encanador bigodudo correndo para todos os lados no cenário mais bonito que eu tinha visto até então. Este foi meu primeiro contato com Super Mario 64.
Não resista ao King Bob-omb! Ligue o N64 e o derrote mais uma vez na primeira fase! |
Um salto para o futuro
Todos bateram palmas ao fim da exibição e eu, fã de carteirinha de Super Mario World (SNES, 1990), fiquei mais ansioso ainda, procurando nas prateleiras de jogos 16-bits onde estava o novo título do bigodudo. Meus primos riram. Eles sabiam mais que eu e me levaram até outro videogame, este sim, que estava rodando a nova aventura do encanador. Foi ali que minha cabeça explodiu e vi de perto o todo poderoso N64.Inesperadamente, havia conhecido ao mesmo tempo dois dos meus maiores desejos gamers de criança. O aparelho havia sido lançado oficialmente no Brasil em 10 de dezembro daquele ano e Super Mario 64 era sua principal vitrine.
Os games nunca mais foram os mesmos depois que Mario chegou ao universo 3D
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Os arcades, mais modernos que os consoles, já traziam títulos com o uso da nova tecnologia e os jogadores queriam levar a experiência para casa. Nesse contexto, não houve um título que melhor representou a transição do 2D para o 3D, com qualidade de cenários, jogabilidade satisfatória e grande repercussão de público, do que a nova aventura de Mario.
Estreia do bigodudo no N64 foi uma das primeiras oportunidades das pessoas levarem para casa jogos em 3D com gráficos avançados e boa jogabilidade |
O trabalho de outras desenvolvedoras, como a Rare, evoluiu a estrutura do gênero com o passar dos anos e nos proporcionou experiências mais profundas, como Banjo Kazooie (N64, 1998) e Donkey Kong 64 (N64, 1999). No entanto, o que observava-se na nova aventura do encanador era o início de uma revolução de conceitos que haviam chegado para ficar. Para mim, na época, aquilo era inimaginável.
Se lembra do bebê pinguim chorão e a aventura para levá-lo até a mãe em Cool, Cool Mountain? |
Alguns anos depois, The Legend of Zelda: Ocarina of Time (1998) também assumiu esse papel. Isso, claro, quando encontrávamos amigos que tivessem o N64 na época, pois o valor do aparelho no Brasil era surreal. Ganhei o meu de presente apenas em 1999 e mesmo assim meu pai pagou caro. Jogar Super Mario 64 para valer, só em 2001.
A expansão de jogo proporcionada pela nova perspectiva levou o encanador a experiências nunca vistas até então |
O primeiro bigode 3D
Lançado em 1996 como parte da primeira leva de jogos do N64, Super Mario 64 representava a responsabilidade da Nintendo em oferecer uma nova experiência ao público. Até hoje, o jogo é considerado um dos maiores de todos os tempos, tamanha sua contribuição para a história dos videogames. Não é à toa que ele foi homenageado no recente Super Mario Odyssey (Switch, 2017), mostrando que aquilo que é bom merece sempre ser lembrado.Um fato é que Super Mario 64 estava no lugar certo e na hora certa. As ideias trabalhadas no título ocasionaram um certo recomeço para a indústria de games, assim como havia acontecido em 1985 com o lançamento de Super Mario Bros. (NES). Os dois jogos são exemplos de como unir experiência de qualidade com inovação tecnológica. Ambos representaram saltos técnicos na linha temporal dos consoles a ponto de tornarem-se símbolos culturais.
O primeiro chute 3D na fuça do Goomba a gente nunca esquece |
Tanto no 2D como no 3D, Mario estava lá como um dos primeiros personagens a apresentar tais avanços e isso fez com que muitas crianças e jovens (eu incluso) crescessem em contato com o bigodudo de boné vermelho. Tamanho sucesso se refletiu por todo o planeta e o personagem roubou os holofotes durante a campanha de divulgação dos Jogos Olímpicos de Tóquio em 2020, anunciada ao final das Olimpíadas do Rio em 2016. Uma homenagem que extrapola o universo dos videogames e alcança também a cultura pop.
Super Mario 64 permitiu que controlássemos um personagem em um ambiente totalmente tridimensional, seja na modelagem do herói ou nos elementos de cenário. A liberdade de movimentação e o controle da perspectiva de câmera foram as maiores contribuições do game, amplamente utilizadas tempos depois por outros jogos e desenvolvedoras.
Tudo isso era refletido pela forma como Mario se movia e o que podia ser realizado através dele: saltos normais, saltos duplos, triplos, agachamentos, saltos longos, socos, chutes, saltos pelas paredes. Mario nunca esteve tão versátil e o encarte do jogo fazia questão de mostrar todas essas possibilidades. Os movimentos se adaptavam muito bem à perspectiva 3D com câmera livre e ao direcional analógico de 360 graus.
Super Mario 64 permitiu que controlássemos um personagem em um ambiente totalmente tridimensional, seja na modelagem do herói ou nos elementos de cenário. A liberdade de movimentação e o controle da perspectiva de câmera foram as maiores contribuições do game, amplamente utilizadas tempos depois por outros jogos e desenvolvedoras.
Obrigado Lakitu por ter revolucionado a câmera livre nos jogos de plataforma 3D |
O encarte do jogo mostrava toda a gama de movimentos que Mario era capaz de realizar. Um avanço que definiu a estrutura do gênero plataforma 3D |
A alavanca permitia o controle não apenas da direção para onde Mario se movimentava, mas também a intensidade da ação. Miyamoto já planejava esse tipo de experiência anos antes, desde o lançamento de Super Mario World e protótipos com o uso do chip Super FX, mas foi só com o N64 que conseguiu realizá-las de forma satisfatória.
Alguns cenários ainda remetem ao projeto original com visão isométrica, semelhante a Super Mario RPG: Legend of the Seven Stars (SNES), também lançado em 1996. Nas fases onde batalhamos contra Bowser, a câmera foi estruturada de modo a nos fazer avançar pelo cenário com destino ao final, diferente da exploração de área nas demais fases. Os protótipos da Nintendo para desenvolver Mario em 3D, produzidos pela Argonaut Software, ainda serviram de base para a criação de Croc: Legend of the Gobbos (Multi, 1997).
Resquícios da visão isométrica ainda são encontrados nos estágios do Bowser. Inicialmente, Super Mario 64 seria projetado inteiramente dessa forma |
Experiências marcantes
E o que dizer das batalhas contra o vilão mais casca grossa (ou casca espinhosa) dos games? Ver Bowser pela primeira vez em 3D era intimidador. O uso da alavanca analógica se tornava essencial, pois precisávamos contorná-lo, agarrá-lo pela cauda, girá-lo no ar e lançá-lo nos espinhos explosivos que ficavam nas extremidades da arena. O bigodudo simplesmente vencia o vilão “no braço” e nós jogadores sentíamos os efeitos em nossos dedos. A alavanca analógica não era tão confortável como as de hoje.Se você também morria de medo de enfrentar Bowser na época, bem-vindo ao clube |
A experiência ficava ainda mais imersiva graças à adição de vozes. Pela primeira vez, ligávamos o videogame e éramos recebidos por um “It’s-a-me, Mario!”, seguido pelo rosto do herói na tela, que podia ser esticado pelo jogador para formar as caretas mais engraçadas possíveis.
Era um dos trabalhos mais importantes de Charles Martinet após sua estreia como dublador oficial do bigodudo em 1995 e as frases proferidas ficaram na memória até hoje: “Mammamia”, “Hello”, “Press Start to Play”, “So long-a-Bowser!”, bem como o agradecimento ao final da aventura em “Thank you so much a-for-to playing my game!” (eu sei que você leu isso com a entonação do Mario).
Era um dos trabalhos mais importantes de Charles Martinet após sua estreia como dublador oficial do bigodudo em 1995 e as frases proferidas ficaram na memória até hoje: “Mammamia”, “Hello”, “Press Start to Play”, “So long-a-Bowser!”, bem como o agradecimento ao final da aventura em “Thank you so much a-for-to playing my game!” (eu sei que você leu isso com a entonação do Mario).
Em termos de jogabilidade e objetivos, o desafio era encontrar todas as 120 estrelas espalhadas pelo castelo da Peach em 15 fases diferentes, além de locais secretos no próprio castelo. Primeiro explorávamos o saguão de entrada, depois desbloqueávamos as masmorras e por fim os andares superiores, cada área com salas específicas que escondiam quadros nas paredes, usados como porta de entrada para as fases.
Cada uma delas apresentava ambientações variadas entre campos, fortalezas, montanhas, desertos, vulcões, cenários aquáticos e outros inusitados, como o interior de um relógio. Em vez de seguirmos um caminho até a bandeira final, como nos títulos anteriores, agora tínhamos liberdade para vasculhar cada canto do cenário na busca pelas estrelas.
Os cenários exigiam um bom tempo de exploração para encontrarmos todas as estrelas, divididas em sete por fase |
Super Mario 64 reuniu num só jogo tudo o que havia de melhor e o que podia ser criado naquele momento: gráficos avançados em três dimensões, jogabilidade inovadora, sistema de câmera livre, direcional analógico de 360 graus com intensidade de movimento, elementos de exploração e coleta de itens, trilha sonora marcante e efeitos de som, como as vozes, que tornaram a experiência mais que memorável.
Confesse que você perdeu inúmeras vidas na primeira vez que passou por Rainbow Ride, a última fase de Super Mario 64 |
Mesmo 20 anos depois, o título continua relevante e é jogado por muitas pessoas, seja na versão original ou nos ports lançados para o Virtual Console do Wii e Wii U e na versão remasterizada para DS, que conta com mais personagens jogáveis e estrelas para coletar. Jogá-lo hoje ainda causa em mim o deslumbre de tê-lo visto pela primeira vez naquela tarde de domingo no shopping de São Carlos.
Aquele sentimento bom de conquistar uma estrela! |
Talvez o avanço da realidade virtual (VR) nos próximos anos ou o surgimento de novas experiências de videogame possam causar efeito semelhante no futuro. Se isso acontecer, não duvido que Mario esteja lá para fazer parte desse momento.
Salvar a princesa sempre será a maior aventura! |
Revisão: João Paulo Benevides