O Game Boy Advance foi o sistema mais marcante da minha infância e da minha iniciação como jogador assíduo de videogames. Enquanto vários amigos começaram jogando Super Mario World no SNES, eu tive a versão portátil do clássico, Super Mario Advance 2, naquela tela quase impossível de enxergar. Foi também no GBA que comecei a jogar Pokémon, Metroid, Kirby e, sim, Fire Emblem, séries que continuo jogando e admirando até hoje.
Não lembro bem qual foi minha motivação ao jogar Fire Emblem: The Blazing Blade (GBA), de 2003. Provavelmente, assim como foi o caso de tantas outras franquias da Nintendo, a conheci através de Super Smash Bros. — lembro bem de acompanhar fervorosamente o blog de Super Smash Bros. Brawl (Wii) e ficar curioso sobre as origens do então novato Ike. Foi assim que conheci o clássico RPG estratégico da Intelligent Systems, sem saber da já antiga história da série, além da franquia-irmã Advance Wars.
Mas, novo como eu era, devo admitir que não entendi completamente as mecânicas e nuances ao redor do combate e, após chegar em alguma barreira de dificuldade, acabei abandonando o estilo de jogo. Foi apenas anos depois, após já ter completado outros jogos da série como Shadow Dragon (DS), Awakening (3DS) e Birthright (3DS), que fui novamente dar uma chance a este clássico da Nintendo. Este ano, finalmente joguei Fire Emblem: The Blazing Blade até o fim.
Pode ser estranho para alguns ouvir o título "The Blazing Blade". Afinal, o jogo foi lançado por estes mares apenas sob o título "Fire Emblem", pois foi o primeiro da série a ser localizado para inglês e lançado fora do Japão. Na verdade, o jogo é o sétimo de uma série que já contava com lançamentos no Famicom, no Super Famicom e no próprio GBA, que nunca viram a luz do dia no ocidente (com a exceção de alguns remakes). Foi apenas com o recente lançamento de Fire Emblem Heroes (iOS/Android) que o game recebeu um título oficial em inglês. Adicionalmente, a narrativa de Blazing Blade ocorre 20 anos antes de Fire Emblem: The Binding Blade, lançado no Japão no GBA em 2002, que nunca recebeu versão ocidental.
Cada vida importa!
Como todos devem saber a esta altura, Fire Emblem é um jogo de estratégia no qual todas as unidades aliadas são, de alguma maneira, importantes. Durante a campanha da Lyn, ela conhece figuras como Sain, Kent, Dorcas, Wil, Florina, Erk e Matthew, que são distintos tanto em habilidades e atributos quanto em personalidade e significância narrativa. Parte da diversão é imaginar as interações que o jogo não mostra, pensando como seria a personalidade de uma figura como o Dorcas, que começa o jogo como um simples lenhador e que, ao menos na minha campanha, se tornou um membro poderosíssimo do exército. No entanto, o que distingue Fire Emblem de outros RPGs é seu uso de permadeath — ou seja, mortes de personagens são permanentes.Durante a minha campanha, não deixei nenhuma unidade morrer. "Oh Renan, tu deves ser o mestre da estratégia", alguém pode pensar, mas a verdade é que eu sempre reiniciei o capítulo quando ocorria alguma fatalidade. Em alguns casos, as mortes podem ser realmente atribuídas ao jogador, mas, em outros, o azar é o grande culpado, o que pode ser bastante frustrante. Grande parte do combate de Fire Emblem ocorre ao redor do RNG (random number generator, ou gerador de números aleatórios), um algoritmo misterioso que decide se golpes erram, acertam, ou são críticos, de acordo com probabilidades definidas pelos combatentes e suas armas.
Curiosamente, este e outros (mas não todos os) jogos da série usam os eventos do jogo para definir esse número não-tão-aleatório. Executar as mesmas ações dentro do jogo fazem com que os resultados dos combates sejam os mesmos. Isso é notável porque o jogo salva automaticamente a cada ação, mas após a ação ser confirmada: se um personagem morrer e o jogador reiniciar o sistema, verá um ponto salvo imediatamente antes da inevitável morte, mesmo que as chances de acerto do inimigo fossem menos de 50%.
Personagem morreu? Reset. |
A principal delas é que, se um dos três protagonistas morrer, ocorre um game over imediatamente. Ou seja, o jogador sempre precisará ter unidades suficientes para garantir a segurança dos protagonistas (que são unidades fortes, mas relativamente frágeis) e auxiliá-los a derrotar os chefes de cada capítulo. Digamos, mesmo que um jogador perca todas as unidades exceto a Lyn, é improvável que ela sozinha possa derrotar um chefe, pois eles são feitos para ser derrotados por vários personagens.
Adicionalmente, o jogo introduz novos personagens na maioria dos capítulos. Alguns integram a equipe automaticamente, enquanto outros precisam ser resgatados no mapa ou são inimigos que devem ser convertidos, e vêm em níveis adequados para o ponto atual do jogo. Esse fluxo de novatos evita que o exército do jogador fique completamente desfalcado e, como algumas classes se repetem, novas unidades podem suprir o papel de aliados perdidos (por exemplo, o mago Pent pode suprir o papel de Erk). Como eu joguei sem perder ninguém, acabei deixando de conhecer melhor alguns desses personagens que aparecem depois — geralmente, eu já tinha alguma unidade similar mais poderosa.
A profundidade das mecânicas que cercam cada personagem faz com que Fire Emblem tenha uma relação única com a morte em videogames. Cada perda sofrida não é apenas um plot twist escrito por um roteirista, como a morte de Aeris em Final Fantasy VII (PS), mas sim consequência direta dos atos do jogador. Pode-se dizer que jogos da Telltale, como The Walking Dead (Multi), capturam uma sensação próxima, mas eu diria que ainda há uma grande distinção entre as relações por diálogo que ocorrem naquela série e o controle direto que o jogador tem sobre cada personagem e seus destinos em Fire Emblem.
Atualmente estou jogando Fire Emblem Echoes: Shadow of Valentia (3DS), cuja análise publicarei nas próximas semanas aqui no Nintendo Blast. Após isso, pretendo me afastar de Fire Emblem por um tempo, mas, quando eu voltar para jogar The Binding Blade ou The Sacred Stones (GBA), pretendo jogar de forma mais natural, sem evitar mortes com tanta convicção. Tenho certeza que a experiência acabará sendo bem diferente e, quem sabe, mais interessante também.
Revisão: Pedro Vicente