Zelda: Breath of the Wild (Switch/Wii U) e as primeiras impressões de uma Hyrule selvagem

O novo capítulo da lenda de Zelda já entrou para a história dos games. Mas o que o jogo tem de tão especial para nós, jogadores?

em 16/03/2017
Uma tela preta com a palavra “Start” escrita em letras pequenas na parte inferior. É assim que começa a nova aventura para salvar Hyrule das garras de Ganon. The Legend of Zelda: Breath of the Wild (Switch/Wii U) roubou a cena nas últimas semanas sendo endeusado e idolatrado por crítica e público em toda parte do globo. Mas para quem não experimentou o título ainda, fica aquela pontada de dúvida se este jogo é tudo isto que falam por aí ou se é só uma reação exagerada da comunidade de fãs fiéis à franquia, que já possui mais de 30 anos.

Para isso então compartilho com vocês alguns relatos sobre as minhas primeiras seis horas de jogo e as impressões que tive sendo imerso lentamente em um mundo absurdamente detalhado e convidativo. Assim, vocês podem começar a tirar as próprias conclusões do jogo aos poucos, além de, caso já tenham jogado, concordar ou não com o que falarei aqui. Então preparem-se para viajar para uma Hyrule nunca antes vista, de um tamanho jamais imaginado anteriormente.

Como o texto se trata de um relato de experiência de jogo, contém alguns pequenos spoilers, então leia por sua conta em risco!

“... open your eyes…”

Antes de mais nada é importante dizer que eu, particularmente falando, não estava exatamente tão ansioso por este Zelda como eu estava há alguns anos. Todos os casos de adiamento do jogo e a remoção da exclusividade dele do Wii U foram me desanimando do título, fazendo-me vê-lo como uma espécie de elefante branco ou algo do gênero. Então quando adquiri o jogo, fui jogá-lo com uma desconfiança que jamais eu havia tido para experimentar um game da franquia. Mas, mesmo assim, comecei a jogá-lo.

O início do game te deixa completamente perdido. Isso pode frustrar alguns por conta da quantidade quase inexistente de informações, mas o motivo disso é percebido ao continuar a jogatina. Você acorda em uma caverna apenas com a voz de Zelda pedindo para que abra os seus olhos, pois é hora de acordar. Após a cinemática em que Link se levanta, você está livre para jogar e é isso. Ponto. Não tem uma introdução clara, uma história de “é por aqui que você deve seguir” ou uma noção básica de como fazer o que você tem que fazer. A propósito, o que você tem que fazer? Não é explicado.



Então você começa a andar e chega até uma elevação de terra dentro da caverna onde está. Quando tenta pular para alcançá-la, agarra na parede e descobre como é fácil escalar as coisas. Ao escalar, a barra verde de estamina surge já lhe dando a ideia de que aquilo não é infinito. Então você sai da caverna e o primeiro impacto de jogar o novo e mais inovador Zelda em muito tempo estoura na sua cara: a contemplação da grandeza do mundo. É realmente uma incrível localidade com 360 km² de área. Mas você não percebe tudo isso logo de cara, na verdade, você só acha o lugar bem bonito.

Ali, com o título do game aparecendo sutilmente no canto da tela, você acha tudo maravilhoso e começa a se animar a jogar. O dia está lindo, o céu bem azul e a grama verdejante balançando em um movimento do vento que você nem imagina a importância que tem ainda. Então ali começa Breath of the Wild, sem uma direção clara, sem um objetivo específico, sem tutoriais, sem narrações prolongadas. Você está no mundo e é isso, “se vira”.


Exploração e descobrimento

Dando uma voltinha com a câmera do ponto onde você contempla a vastidão dessa nova Hyrule, notei uma construção chamativa. Nesse ponto é importante ressaltar que acompanho a franquia desde o SNES com A Link to the Past e, mesmo que Ocarina of Time (N64) seja o meu jogo favorito até então, também joguei Majora’s Mask (N64), Twilight Princess (GC/Wii), The Wind Waker HD (Wii U), The Minish Cap (GBA), Skyward Sword (Wii),  A Link Between Worlds (3DS) e o The Legend of Zelda original de NES. Então quando bati o olho na construção, reconheci sua referência na hora: ela parecia bastante com o Temple of Time, o templo que você usa para viajar no tempo em Ocarina of Time.

Ali minha alma de fã da série já começou a se acender novamente. Então, por motivos óbvios, tracei meu rumo até a construção em ruínas. O lugar, ao mesmo tempo que é belíssimo, também nos dá uma sensação de abandono terrível. Isso é agravado por vários artifícios do jogo, inclusive a trilha sonora, praticamente inexistente em locais abertos sem população próxima, como no caso. Chegando à construção, minhas dúvidas foram respondidas com o nome da localidade: Temple of Time. A minha visão de fã foi correspondida da devida forma e, mesmo com diferenças arquitetônicas específicas, a nostalgia de entrar nas ruínas de um templo que há tempos visitei foi sensacional.



Ali, explorando o lugar, encontrei um baú com um arco. Próximo a ele alguns jarros onde encontrei minhas primeiras flechas. Neste momento a minha primeira sensação de contemplação pessoal do jogo apareceu na minha cabeça. Eu me lembrei da não linearidade do jogo, lembrei que nada me forçou a ir até ali, a não ser minha própria vontade. E por conta da minha própria vontade, encontrei aquele arco sendo observador e curioso. Então pensei: “e se eu tivesse ido para outro lado? O que será que eu poderia ter encontrado primeiro?”.

Nesse momento comecei a entender a profundidade da experiência de jogar Breath of the Wild e literalmente fazer a sua própria aventura. Essa sensação só aumentou mais ainda quando, por pura curiosidade e senso de desafio, tentei subir no telhado das ruínas do Templo. Lá encontrei outro arco, mais forte que o anterior, em um baú e então não pude parar, meu senso de desafio me fez subir ainda mais, chegando no topo da torre. Ali encontrei meu primeiro Korok Seed, dado por um Korok que me fez lembrar bastante de Wind Waker.



Mais uma vez pensei: “quantas pessoas passam direto desse ponto e só vão descobrir que existe um Korok nesse lugar por conta de dicas na internet?”. Assim, perdi-me em devaneios enquanto via a belíssima vista do topo das ruínas. Mas claro que não por muito tempo, afinal, acabei de descobrir que havia um mundo cheio de possibilidades para descobrir e ele era todo meu.

A beleza que aumenta nos detalhes

Claro que não fui andando até o Temple of Time ignorando tudo que estava a minha volta. Na verdade, já nos meus primeiros passos descobri parte de uma mecânica incrível do jogo: a possibilidade de pegar praticamente qualquer coisa no mapa. Vi alguns cogumelos à sombra de uma árvore no caminho para o Templo e, ao chegar perto deles, algumas interrogações surgiram. Apertei A instintivamente e ali estavam alguns cogumelos que serviam para eu recuperar minha vida comendo-os.

Mais abaixo, um galho jogado no chão virou minha primeira arma do jogo (que não durou muito tempo). E bem abaixo na estrada que se seguia, os primeiros inimigos surgiram, com uma AI que me surpreendeu bastante: eles desviam de golpes e possuem comportamentos variados. Além disso, seus ataques dependem da arma que estão utilizando e da quantidade na qual estão. Fora isso, suas armas são totalmente “livres” deles, aumentando as possibilidades, pois é possível derrubar um inimigo no chão, fazendo com que ele deixe sua arma cair, por exemplo.



Mas esses detalhes ainda são muito óbvios para explicar a grandeza que Breath of the Wild representa na forma de experimentar um jogo. Descendo do Temple of Time, vi um grupo de pássaros parado na grama alta. Ao chegar próximo a eles, todos voaram. Eram uma espécie de garça ou algo parecido. Achei aquilo curioso, mas segui caminho. Mais à frente, mais duas aves paradas também na grama alta: desta vez me posicionei com o arco e mirei em uma delas, só para ver o que aconteceria. Como se não bastasse a minha surpresa em acertá-la de primeira, ela ainda deixou dois itens caírem: um par de coxas de carne branca. 

Ali minha perspectiva do jogo novamente aumentou. Agora eu coletava alimentos de animais selvagens, com toda a lógica que o jogo permite. Essas carnes, como os cogumelos de antes, também recuperam minha vida. Dessa forma comecei a explorar florestas, matar criaturas e caçar animais. Encontrei maçãs em uma árvore e, com a maior naturalidade que adquiri jogando, subi no pé e coletei todos os frutos. Cacei um javali e coletei alguns itens. 



Em cerca de uma hora de jogo, eu já estava me familiarizando com as mecânicas de combate e exploração básicas de forma completamente intuitiva, sem que nada e nem ninguém me parasse e dissesse “aperte A para fazer isso, ou B para aquilo”. Mas de tudo foi uma borboleta azul que mais me chamou a atenção.

Andando por uma parte de grama bem alta vi uma borboleta azul voando na minha frente e, não sei dizer ao certo se por susto ou por instinto, apertei A quando cheguei perto dela. Com isso eu coletei a borboleta. Aquilo me deixou tão chocado, pois era um detalhe tão mínimo, uma criaturinha tão minúscula num universo de jogo tão imenso que eu podia jurar que ela estava ali apenas para embelezar o cenário. Jamais iria imaginar que aquele insetinho voador era um item coletável bem como tantas outras coisas no jogo.

Novamente, não tinha uma seta indicando a borboleta, ela não brilhava mais do que as coisas ao seu redor, não tinha uma marcação no mapa e nem muito menos um padrão ao redor que me indicasse que aquela borboleta era coletável. Ela só estava ali, totalmente despretensiosa, voando pela campina. Esse nível de detalhismo me surpreendeu mais do que a física do jogo, as gramas amassando quando Link passa por elas ou a AI dos monstros. Esse nível de detalhismo e capricho foi o que começou a causar em mim o contentamento por estar segurando realmente algo inovador em minhas mãos.


A curiosidade recompensada sempre

Com isso o jogo me fez crer que a exploração realmente valia a pena. Descobrir coisas escondidas, encontrar inimigos e itens novos, ver paisagens belíssimas e, o mais importante, sobreviver. O tempo todo o jogo colocava minha observação espacial à prova, enganando-me com perspectivas, sensos de direção, localização espacial e atenção. Detalhes como completar um círculo de pedra com uma pedrinha qualquer que você encontra por perto, ou então mergulhar na água a tempo de pegar um peixe que nada ali. É preciso estar atento em cada detalhe do jogo e, com isso, não ter pressa em sua jornada.

Em uma dessas explorações, encontrei um ancião que cortava árvores num bosque próximo. E quando eu falo de cortar árvores, eu digo que literalmente ele estava tombando troncos de árvore com seu machado. Ali, apenas com um exemplo simples, você aprende que pegando um machado, pode fazer o mesmo. Conversando com o ancião ele me diz que está cansado do trabalho e precisa descansar um pouco. Ele abandona seu machado e segue para seu lar, uma casa de madeira bem próxima dali.



Resolvi segui-lo e conhecer a casa de madeira bem rústica que se encontra no local. Ao entrar na casa, praticamente nenhum item interessante a ser pego. Exceto por um livro em cima da mesa que me dava a opção de lê-lo. Aquele era o diário do ancião, o qual dizia da dificuldade do homem de suportar o frio das grandes elevações que tinham ali perto. Mas o diário também informava que, preparando carnes assadas com boas doses de pimenta, o homem ganhava uma resistência temporária contra o frio.

Por coincidência ou não eu tinha carnes cruas e pimentas coletadas na floresta. Resolvi chegar até a grande panela no fogo que o homem mantinha do lado de fora da casa e experimentar interagir com ela. Ela só me dava a opção de sentar ao fogo e fazer o tempo passar mais rápido. Mas falando com o homem sentado foi que a próxima informação chegou: para que eu pudesse cozinhar, bastava que eu segurasse os alimentos que eu queria combinar em minhas mãos e chegar perto da panela no fogo, para que assim eu pudesse jogá-los ali e cozinhá-los devidamente.



Assim aprendi a cozinhar e fiz minhas primeiras receitas. Em uma mistura de mestre cuca e cientista maluco, juntei diversos alimentos distintos e analisei os efeitos que causavam no resultado final. Algumas combinações garantiam maior recuperação de vida do que outras, bem como a receita do homem utilizando a pimenta realmente funcionava. A comida apimentada, além de recuperar minha vida, dava-me um aumento de temperatura temporário, de acordo com a quantidade de pimenta que eu usei na receita.

Com isso, de uma forma totalmente aleatória e regada somente pela minha curiosidade, descobri como funcionava o mecanismo de preparo de comida, bem como uma receita que me garantiu um maior preparo no momento que precisei subir altitudes mais rarefeitas, onde a temperatura diminuía drasticamente, fazendo-me perder vida só por estar ali sem uma fonte de calor própria.

Um mundo absurdamente imersivo

Assim me vi preso neste novo mundo da franquia e definitivamente eu não queria sair mais dali. Com o passar das horas de jogo comecei a literalmente esquecer seus objetivos e me perder em minhas explorações. A cada momento que eu esbarrava em uma Main Quest (as missões principais do jogo); a animação era incrível. Pois, de uma forma totalmente despretensiosa e, arrisco dizer, natural, os eventos vão se desenrolando e fazendo com que a narrativa seja absolutamente pessoal e movida pelos seus instintos aventureiros.



Isso faz de Breath of the Wild uma experiência imersiva como nunca antes eu havia visto. Com o passar das horas de jogo você vai aprendendo mais e mais sobre este mundo, descobrindo seus segredos e mecânicas, bem como a história principal e suas bifurcações opcionais. Com algumas horas iniciais você consegue resumir seu jogo em “se preparar arduamente para invadir o castelo e enfrentar Ganon”. Entretanto, nas aventuras que se desenrolam da sua exploração, essa missão final fica cada vez mais distante, pois quanto mais você explora e conhece o mundo, mais você quer conhecê-lo.

Ao prestar atenção nos pequenos detalhes da nova Lenda de Zelda, você esquece a sede por vitória e realmente passa a exercitar sua curiosidade, criatividade e senso de desafio. Você se coloca os próprios limites, você é limitado em grande parte pela criatividade com a qual utiliza o material e o mundo ao seu redor e assim, tal como no mundo real, as consequências de suas escolhas vão se desenrolar em novos fatos. Assim, exploração despretensiosa, missões secundárias e o enredo principal da narrativa se misturam de tal forma que você chega a pensar como você chegou ao ponto que chegou da jogatina, se foi tudo improviso ou se era realmente para acontecer daquele jeito.



Com isso encerro este texto, convidando vocês a experimentarem o jogo por vocês mesmos o quanto antes. Como deixei claro por aqui, a experiência de jogar Breath of the Wild é única e de uma imersão até então sem igual. O novo capítulo de The Legend of Zelda fez algo que há muito tempo a franquia em si não fazia, inovou o mundo dos games tal como o primeiro jogo em seu tempo, e Ocarina of Time em seu primeiro passo no mundo de três dimensões. 

Neste patamar é que eu deixo Breath of the Wild, uma experiência única do ato de jogar, que se iguala em inovação aos grandes e mitológicos ícones da indústria que vieram antes dele. Encontro vocês nos campos de Hyrule!
Revisão: Vitor Tibério
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Gilson Peres é Psicólogo e Mestre em Comunicação pela UFJF. Está no Blast desde 2014 e começou sua vida gamer bem cedo no NES. Atualmente divide seu tempo entre games de sobrevivência e a realidade virtual.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Você pode compartilhar este conteúdo creditando o autor e veículo original (BY-SA 3.0).