Fire Emblem: um papo sobre o passado e presente da série

No aquecimento para Fire Emblem: Fates, conversamos sobre os caminhos que a franquia vem tomando.

em 16/02/2016
O próximo dia 19 está sendo aguardado há um bom tempo pelos fãs de Fire Emblem, já que a data marca o lançamento ocidental de Fire Emblem Fates. Como estamos pilhados para a chegada do título, eu e o Dácio Augusto, redator dos portais GameBlast, conversamos sobre a série que vem acompanhando os consoles e portáteis da Nintendo ao longo dos anos. Falamos sobre narrativa, mecânicas, personagens, a história da franquia e muito mais. Confira!


Pedro: E aí, Dácio, tudo bom? Me diz, qual foi o primeiro Fire Emblem que você jogou? Já virou fã da série logo neste primeiro ou demorou um pouco mais?
Dácio: Oi, Pedro. Tudo tranquilo, espero que esteja tudo bom pra você também! O primeiro que eu joguei foi o Fire Emblem (GBA), que também foi o primeiro lançado no ocidente. Eu gostei bastante do jogo, mas não virei fã logo nele não. Talvez por ter jogado sem me aprofundar, mas, mesmo assim, foi uma ótima experiência. E o seu, qual foi? Virou fã com ele?
Arte de Fire Emblem: Rekka no Ken (烈火の剣)
Pedro: O primeiro que joguei foi justamente o último a ser lançado: o Fire Emblem Awakening. Eu tenho certeza de que me interessaria pelos jogos da série na minha época de Nintendinho e depois de Super Nintendo, mas os títulos nunca chegaram oficialmente ao ocidente. E, mesmo que chegassem, provavelmente não chegariam até a locadora do bairro. Eu gostei bastante, inclusive, ele foi o empurrão para eu ir atrás e pesquisar sobre o resto da série. Joguei o primeiro e um pouco do segundo, Fire Emblem Gaiden (NES). Agora estou me divertindo horrores com o Fire Emblem: Genealogy of the Holy War (Seisen no Keifu, ou 聖戦の系譜), de SNES. Alías, fiquei bastante surpreso em como o Awakening é representativo para a série e os seus caminhos, tem muita coisa nele que vem dos jogos anteriores.
Dácio: Awakening me parece muito como uma celebração de Fire Emblem, ao mesmo tempo em que tem uma preocupação em modernizar a franquia. Das mecânicas que ele retoma, desde Fire Emblem: Thracia 776 até a continuação da história que começou lá no Nintendinho, com os descendentes do Marth no papel de protagonistas. Considerando a pressão que existia em cima de Awakening na época em que ele iria sair, eu achei muito legal a maneira como ele se comportou como uma ótima celebração da série e um jogo incrível.
Pedro: Jogando o Fire Emblem: Genealogy of the Holy War, quarto jogo da franquia, deu para ver que o Awakening pega mecânicas e sistemas bem importantes deste título. É aqui que começa o famoso triângulo das armas (ou o pedra-papel-tesoura em forma de espada-lança-machado), que influencia bastante o jogador fazendo-o pensar melhor no posicionamento das unidades. Isto aliado às defesas de castelo, ao posicionamento das igrejas (que curam ao fim do turno) e ao design dos mapas de batalha forma um RPG estratégico sólido. O outro aspecto que fez muito sucesso em Awakening, e que também temos em Seisen no Keifu, é a existência de duas gerações e a forma pela qual o jogador pode ter uma ascendência nos atributos dos filhos, dependendo dos status dos pais.
Os mapas de Genealogy of the Holy War são grandes e com diversas etapas na batalha. Geralmente a ideia é ir conquistando os castelos inimigos (em vermelho), mas pode haver algum twist no processo. Também temos as cidades (como a em amarelo) as quais ganhamos itens, dinheiro e informação caso consigamos salvá-las. Além disso as igrejas (como a em azul) recuperam o personagem que pousar em uma delas ao fim do turno. Junto ao grande número de unidades inimigas que temos de vencer e do esquema do triângulo das armas, forma um RPG tático desafiador e gostoso de se jogar.
Dácio: A sucessão em Genealogy é bem mais completa do que em Awakening. A de Awakening existe e permite uma leve manipulação da mecânica, mas a de Genealogy é impressionante pela complexidade e boa execução. Já li muita gente comparando isso com a mecânica de fusão dos jogos da série Shin Megami Tensei. Awakening também muda um pouco o sistema de promoção de classes, agora deixando um único item para todo tipo de unidade. Nos jogos anteriores da série, cada classe necessitava de um Seal específico (Knight Seal para um Knight, Mage Seal para os Mages e Healers). Isso deixava a procura por esses itens mais complicada, e o jogador escolhia com mais atenção qual unidade promover ou não. Em Awakening, com o item de promoção sendo um só para todas as classes e você podendo comprá-lo, temos o cenário em que todas as unidades podem ser promovidas eliminando-se parte do fator estratégico nesse momento do jogo.
Pedro: Isso realmente ficou mais tranquilo no último título. Não quero aqui entrar em discussões bobas de dificuldade nos games do passado em contraposição ao presente, mas no Fire Emblem: Awakening era consideravelmente fácil formar unidades superpoderosas. Depois de um tempo o jogo ficava bem tranquilo, mesmo nas dificuldades maiores. Aliás, você disse que existia uma pressão muito grande em cima do Awakening. Qual era a situação da série antes do lançamento dele?
O verdadeiro protagonista de Awakening. Sério, o cara é uma máquina de matar!
Dácio: Antes de Fire Emblem Awakening ser lançado, Fire Emblem recebeu remakes de ambos os jogos do NES para o DS. Especialmente o segundo, o Shin Monshō no Nazo, acabou sendo extremamente mal recebido no Japão por não trazer grandes alterações em relação ao original do NES, fazendo com que a jogabilidade fosse horrível para um jogo de 2010 e 2011. Com isso, as vendas foram péssimas até no Japão e a Nintendo decidiu não localizar o jogo.
Ainda assim, a Intelligent Systems queria trabalhar na série e recebeu o aval da Nintendo, mas com uma condição: o jogo deveria ser um sucesso, vendendo pelo menos 1 milhão de cópias, se não a série morreria ali.
A solução da Intelligent Systems foi melhorar as mecânicas do jogo, dando uma simplificada em coisas que eram muito complexas ou enroladas em jogos anteriores (como promoção de unidades), introduzindo uma mecânica de Date Sim aos personagens de suporte (já existentes em jogos anteriores, mas agora se tornando um dos principais pontos de venda) e, no geral, adotando um estilo narrativo mais "anime".
Pedro: E por falar no estilo narrativo, uma coisa que me agrada bastante em Fire Emblem é essa preocupação em tentar dar profundidade aos acontecimentos. A escala dos conflitos é bastante política, no sentido de retratar disputas pelo exercício do poder, e os jogos tentam delimitar bem não só os acontecimentos presentes dentro do conflito, mas também resgatar o contexto da relação entre nações e grupos. É claro que quase sempre aparece algum aspecto místico para fazer parte e deixar a coisa mais apocalíptica. No geral, a série costuma seguir uma estrutura narrativa parecida, com poucas alterações. O que você acha disso? E qual enredo mais te prendeu na série?
Uma linha do tempo geral, separando os jogos em seus respectivos arcos. Já até falamos, quer dizer, a Pedra falou da timeline de Fire Emblem no N-Blast Responde #248. Também vale a pena dar uma olhada na wiki (em inglês).
Dácio: A série realmente segue um padrão narrativo enorme, sendo que agora em Fates teremos talvez a primeira mudança drástica nesse quesito. Eu acho que a profundidade politica para os acontecimentos é importantíssima para qualquer "épico medieval", e como Fire Emblem se encaixa nisso, é fantástico. O enredo que eu mais gosto é o do primeiro Fire Emblem de GBA que te oferecia três campanhas, cada uma explorando os mais diferentes reinos e seus cenários politicos. As três histórias se conectavam em certos pontos, mas nunca o foco saía do reino do personagem principal da campanha em que você estava jogando naquele momento. Dos títulos que você jogou, você acabou gostando mais de qual enredo? O de Awakening é muito bom também.
Pedro: Sim, eu gostei muito do enredo do Awakening, mas também estou curtindo bastante o do Genealogy of the Holy War. É legal a inversão que existe, no mais antigo existe um pulo temporal que nos leva à segunda geração de guerreiros, já no mais recente é essa segunda geração que viaja no tempo e se une aos pais para prevenir a desgraça. O que também me agrada na série é a narrativa emergente (aquela que acontece conforme jogamos e controlamos os personagens nas batalhas), que se apoia em personagens carismáticos e em um enredo bem pensado. Estava jogando e, de repente, surgiram mais inimigos em outra área, tive que dividir meu exército. Para fazer a divisão levei em consideração o triângulo das armas, claro, a força das unidades, mas também a proximidade ou não delas no que diz respeito aos relacionamentos, e a narrativa que eu estava fazendo acontecer. Podem não existir conversas sobre, ou alguma cena que mostre a repercussão, mas é recompensador quando um personagem se destaca em algum momento da batalha.

Outra coisa que é relevante nessa questão da narrativa emergente é a morte permanente. Como você encara este aspecto e qual a importância do permadeath, narrativa e mecanicamente?

[Um pouquinho de história em 20 minutos. Abaixo um vídeo mostrando a abertura de jogos da série em ordem de lançamento]

Dácio: O permadeath é uma mecânica interessantíssima, mas eu não acho que ela seja exatamente necessária. Para falar disso eu acho importante destacar que quando Fire Emblem começou, lá no NES, os videogames eram considerados um produto “infantil”. Além disso, era comum que se assumisse que quem jogava rpgs, em especial, tinha muito tempo livre.
Já hoje em dia, Fire Emblem é uma série principalmente portátil em uma indústria que sabe muito bem que nem todos aqueles que jogam tem tempo pleno e livre para se preocupar e planejar tanto com o permadeath. Muitas vezes esses jogadores estão só querendo uma partida rápida no metrô ou algo do tipo. O permadeath representa, de certa forma, o verdadeiro “terror da guerra”, onde um erro seu pode matar seus companheiros. É importante ela existir sim, principalmente do ponto de vista estratégico, mas narrativamente eu nunca encontrei muita utilidade para ela. Se o personagem for relevante para a grande história do jogo, das duas uma: sua morte ocasiona um game over, ou sua morte no mapa significa que ele levou danos críticos que não podem ser curados, não podendo mais batalhar, mas continuando tendo seu papel na história. Você até pode criar narrativas emergentes como as que você citou, só que o grande esquema da história continua imutável.
Pedro: Isso é verdade. Não só na série Fire Emblem, mas nos jogos em geral ainda não chegamos a um ponto em que mortes possam levar a diversos branchings (galhos, ou diferentes caminhos) no enredo. Aliás, garantir algo desse tipo deve exigir recursos e tempo difíceis de serem alocados em um ciclo de desenvolvimento. Voltando ao Fire Emblem, pensando em tudo o que conversamos até agora, quais são as suas expectativas para o Fates? O que ele pode representar para a franquia?

Dácio: Este é o grande momento da série. Graças ao Awakening, Fire Emblem virou uma das principais franquias da Nintendo e com isso Fates pode desfrutar de um desenvolvimento sem pressão e com mais atenção. O fato de existirem três campanhas (Birthright, Conquest e Revelation) não só é uma ótima característica, como também permite liberdades nunca vistas antes. Poder ter a noção dos dois lados da guerra e conhecer os personagens, criando uma proximidade com eles, promete ser uma experiência fantástica. Não só isso, mas mecanicamente a série parece finalmente ter percebido como se adaptar aos tempos atuais sem perder a essência que é característica dela. A durabilidade das armas vai embora, mas um triângulo de armas mais eficiente na execução cumpre a função de elas ficarem inutilizáveis. E agora as unidades parecem ter mais personalidade, além dos diálogos genéricos encontrados em Awakening, fazendo com que os laços de suporte se tornem mais significativos.Honestamente, para mim, a expectativa não poderia ser maior. E para você? Estou vendo que você está jogando o Genealogy of Holy War, imagino que também esteja relativamente empolgado.
Pedro: Estou bastante empolgado, as expectativas acabaram crescendo bastante conforme eu fui jogando o título de SNES. As ideias por trás da divisão são coerentes, mas espero que tudo acabe dando certo. No geral, estou esperando algo próximo do Awakening com alguma mudança aqui ou ali, com um enredo interessante que se valha da divisão, personagens carismáticos e um bom número de batalhas com mapas bem elaborados. Fora o Fates, que está aí para chegar, eu também estou com muita vontade de jogar o The Sacred Stones (GBA) pela primeira vez. Qual título você ainda não jogou mas que é o próximo na fila?
Mapa de Fire Emblem: Sacred Stones (GBA). Ao lado de Fire Emblem Gaiden (NES), influenciou a forma como navegamos pelo mundo em Awakening (3DS). 
Dácio: Path of Radiance (GC) é o próximo. Dizem ser um dos jogos mais difíceis da série, estou bem curioso. É lá onde o Ike, presença forte na série Smash Bros., aparece pela primeira vez.
Pedro: Bacana. Agora que estamos chegando ao fim da conversa, queria falar de informações dos bastidores. Descobri hoje que o Shouzou Kaga, criador da série, fez um jogo muito semelhante ao Fire Emblem para PlayStation. Um tal de Tear Ring Saga (que iria se chamar Emblem Saga). A história foi parecida com a do Final Fantasy VII, já havia sido iniciado a produção de um título para 64, mas o desenvolvedor saiu da Intelligent Systems e resolveu criar esse “sucessor espiritual”. Sabia disso?
Dácio: Eu sabia que o Shouzou tinha saído da Nintendo, mas não que tinha feito um jogo parecido. Fui procurar aqui quando você falou e até na arte é bem semelhante. Me pareceu muito como uma progressão natural que teria acontecido entre o SNES e o N64 mesmo. Falando em coisas fora da série principal, SMT X FE parece bem interessante, não? Eu estou com expectativas ainda meio nebulosas para o jogo, mas o que foi mostrado até agora me agradou bastante. E você, o que anda achando?
Pedro: Não sei se vou ter um Wii U até lá, mas se ainda possuir o console com certeza irei jogar. Estou gostando dessa nebulosidade, por hora. Quero ver como vai se dar esse crossover, ainda mais considerando que as últimas entradas, tanto de Shin Megami Tensei quanto de Fire Emblem, foram ótimas. Aliás, você gosta bastante de Smash Bros., não? Como você vê a participação dos personagens de Fire Emblem?
Dácio: Gosto muito de Smash Bros. sim, mas sou meio chato com o elenco. Embora entenda a força que Fire Emblem possui dentro da Nintendo atualmente, eu acho um pouco injusto termos os seis personagens presentes, principalmente quando dois deles são pouco populares no ocidente (Roy e Ike). Talvez seria melhor, na minha opinião, se eles trouxessem classes diferentes e não só os protagonistas. Um Pegasus Knight de qualquer FE me deixaria extremamente feliz. Mas, no geral, Sakurai é um grande fã da série e é ele quem decide mesmo, então fica só o desejo. Aliás, a presença em Smash Bros. de Roy é algo a se pensar. O Game Boy Advance teve três Fire Emblem, sendo que o primeiro não foi lançado no ocidente. O retorno de Roy para o Smash Bros me dá esperanças de que Fuin no Tsurugi  venha a ser lançado no Virtual Console, o que para mim compensaria ele ser um personagem péssimo.
Lucina é rainha. Sem mais!
Pedro: Quanto ódio pelo Roy! Bom, vamos ficar por aqui senão o texto ficará gigante. Valeu pela conversa, Dácio. Espero que o Fates consiga atingir as suas expectativas e que o Sakurai coloque um Pegasus Knight no próximo Smash Bros. (isso se ele estiver envolvido, coitado).
Dácio: Vamos torcer para Fates ser bom. E quanto ao Sakurai, tá na hora de aposentar mesmo. Valeu pela conversa!
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Fire Emblem: Fates será lançado no próximo dia 19 em duas versões físicas: Birthright e Conquest. O último capítulo, Revelation, será disponibilizado em forma de DLC.
A coluna RPG Blast fala exclusivamente sobre esse gênero que conquistou e conquista diversos jogadores ao longo dos anos. Vai ao ar semanalmente, às terças. Estamos sempre abertos à sugestões e comentários.
Colaboração: Dácio Augusto Castelo Branco
Revisão: Érika Honda
Capa: Diego Migueis
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