Entretanto, tão importante quanto as informações disponíveis são as que foram obscurecidas dele. Pode parecer anti-intuitivo à primeira vista, mas tal ferramenta é comum e utilizada em várias mídias. Qualquer livro ou filme com boas reviravoltas deixa bem claro que a forma como uma informação é escondida e como se escolhe revelá-la é tão importante quanto a informação em si. Em jogos, isso pode fazer toda a diferença — não só narrativamente, mas mecanicamente também.
Quem é esse Pokémon?
Pokémon usa tão bem esse princípio que o obscurecimento deliberado de informações acaba se tornando uma mecânica em si e reforçando vários outros de seus elementos e temas. Um dos exemplos mais pertinentes é a forma como você descobre os monstrinhos.Uma das premissas básicas dos games da série é de que o jogador assume o papel de um treinador Pokémon. Uma de suas tarefas é catalogar as várias criaturas que habitam aquele mundo fantástico. Para fazer com que o jogador tenha o sentimento de descoberta e exploração em cada novo bioma apresentado, a franquia faz uso de uma mecânica que, por muitas vezes, chega a ser um pouco malfadada: encontros aleatórios.
Encontros aleatórios são considerados irritantes por muitas pessoas, e há vários argumentos que corroboram isso. Eles interrompem o fluxo da jogatina, costumam ser inevitáveis e muitas vezes confrontam os jogadores com desafios que eles não estavam preparados para enfrentar.
Pokémon deve ser um dos únicos exemplos de game que usa a mecânica de forma justificada. Mais do que isso, os jogos seriam piores se não a usassem. Ao esconder do jogador que monstrinhos encontrará e quando, os jogos ajudam a passar a sensação do que seria ser um Poké Trainer. Como um caçador em uma floresta ou savana, você não sabe que criatura encontrará, muito menos se é pacífica, agressiva ou fácil de lidar.
Ou se ele existe pra começo de conversa. |
A Pokédex reforça esse tema de exploração e catalogação de animais, escondendo quase tudo de você e revelando novas coisas a medida que mais criaturas são “caçadas”. Os números e pontos de interrogação, aos poucos, transformam-se em monstrinhos com peso, altura, tipo e curiosidades. O obscurecimento da natureza dos bichinhos até que você os capture é o grande motivador para procurá-los e conquistá-los. Assim, outra mecânica essencial da franquia e uma de suas maiores características — a captura de Pokémon — é reforçada.
Escondendo da comunidade
Em jogos competitivos, o obscurecimento (ou revelação) de certos tipos de informação pode ter efeito na comunidade de jogadores como um todo. Pokémon virou um caso a ser estudado nesse sentido com a implementação do Team Preview na quinta geração.Nas comunidades competitivas, o papel do “lead” costumava ter suma importância — maior do que hoje em dia. Ele era basicamente um Pokémon “seguro” de se usar como o primeiro na batalha, por ser capaz de resistir a maioria das ameaças, poder utilizar movimentos como Spikes, Stealth Rock ou que podem alterar o clima e serem fáceis de substituir em casos de emergência. O papel dos chamados “líderes suicidas” também era muito comum — Pokémon que tinha como tarefa se sacrificar logo no início da luta para dar alguma vantagem para o resto do time.
Muitas vezes, "lead" era sinônimo de "Azelf". |
Esse tipo de estratégia era usada por um simples motivo: não era possível saber de antemão que Pokémon o oponente iria usar. Prever quais seriam as principais ameaças a enfrentar ocupava parte constante do metagame. O quão bem seu lead se saísse poderia alterar todo o destino da batalha, surgindo até mesmo papéis de anti-leads e anti-anti-leads.
O Team Preview mudou tudo isso. Desde a quinta geração é possível ver a equipe de seu inimigo e escolher qual será seu inicial baseando-se nas ameças que você está para enfrentar. Isso colocou toda uma nova camada de jogos mentais no mundo competitivo e diminuiu a proeminência de certos “líderes faz-tudos”. Essa simples informação que antes estava obscura e agora se tornava disponível desde o início, segundo muitos experts do cenário competitivo, foi a maior revolução do metagame.
Cuidado com o que você esconde (ou revela)
Muitos jogos clássicos além de Pokémon escondem certas informações de maneira deliberada. Nem sempre isso é efetivo. Há uma tênue linha que separa “fazer o jogador descobrir as coisas sozinho” de “esconder informação básica do jogador, punindo-o injustamente e estressando-o”.Pokémon oferece o exemplo a ser seguido: a informação obscurecida deve ter uma justificativa para não ser revelada e só pode agregar valor ao game se houver uma forma de descobri-la. Mais ainda, o que você revela ou não para os jogadores, por mais básico que seja, pode ter efeitos gigantescos na comunidade. Se algum dia pensar em fazer um jogo, lembre-se de considerar não só o que mostra aos seu público, mas, principalmente, o que esconde dele.
Revisão: Robson Júnior
Capa: Felipe Araujo