20 anos de Pokémon, 20 lições de Game Design - #04: Integração

Enquanto muitos jogos tentam fazer várias coisas ao mesmo tempo, Pokémon se certifica que as poucas que faz se comunicam entre si.

em 02/02/2016
2015 foi ano dos jogos de mundo aberto. Jogos desse tipo já existiam há muito tempo, mas foi no ano passado que eles realmente viraram uma tendência. Muitos títulos e franquias tentaram, de alguma forma, incorporar mundos massivos em seu design — em grande parte devido ao sucesso que jogos do gênero tiveram recentemente.




Mesmo obras que funcionavam perfeitamente bem em ambientes menores e mais confinados, como The Witcher e Metal Gear Solid, renderam-se ao conceito. Até franquias clássicas, outrora criadoras de tendência, parecem estar seguindo a moda — é o caso de The Legend of Zelda, que promete uma abordagem do tipo para o Wii U. Independente da idade ou tamanho do jogo, todos estão “abrindo” seus mundos.
Até tu, Link?
Entretanto, nem sempre isso é desejável ou positivo. Por mais que o conceito possa ser interessante e muitos jogos façam ótimo uso dele, não são todos os títulos que se aproveitam dessa “abertura”. Em alguns games, se entregar à tendência pode até mesmo ser danoso, sem acrescentar de fato valor ao produto final. Para cada exemplo de mundo aberto fantástico e cheio de vida, temos mais dez que não passam de hubs vazios separando várias missões. Isso é sentido especialmente na série Batman: Arkham. City e Knight são bons jogos apesar do mundo aberto, não por causa dele.

O problema não é o mundo aberto em si; o problema é a cultura de pontos de lista em que vivemos atualmente, na qual o número de features descritas na contracapa de um jogo é mais importante que a utilidade deles. Todo jogo precisa ter mundo aberto, sistema de craft, veículos, elementos de RPG e MOBA, multiplayer, parkour, fazer seu dever de casa e chamar o jogador de mamãe para pode se destacar. Há uma preocupação tão grande em se incorporar conceitos e mecânicas bem-sucedidas que muitos esquecem de se perguntar: eu preciso disso? Felizmente, Pokémon sempre se fez essa pergunta.

Temos que integrar, isso eu sei!

A integração é importante em qualquer design — seja de jogos, seja de armários ou apartamentos. Os elementos de um projeto precisam ter uma razão para estar lá e se comunicar entre si, reforçando um ao outro. Caso algo seja adicionado sem que se faça essa consideração, na melhor das hipóteses ele ficará incoeso com o resto; na pior, será danoso para o produto final.
Não, não esse tipo de integração!
Pokémon é uma série que sempre prezou pela integração de seus elementos, desde a narrativa até as mecânicas mais obscuras. Pegue, por exemplo, a premissa básica de que o jogador assume o papel de um Treinador Pokémon. Do começo ao fim da aventura, esse conceito é reforçado, seja através da obscuridade (como discutido anteriormente), seja através de outras mecânicas como captura e batalhas.

Um exemplo notável de integração é a forma como o jogador explora o mundo da franquia. Os obstáculos enfrentados são contornados, normalmente, fazendo-se uso das habilidades dos monstrinhos. Em vez de se usar algum item aleatório ou chaves, a solução dos problemas reside nos golpes dos Pokémon: são os infames HMs, que permitem iluminar cavernas, mover pedras e cortar árvores, dentre outras coisas.
Mesmo que essa mecânica não seja tão querida assim por alguns fãs da série — principalmente por obrigar o jogador a ter um “HM slave”, um Pokémon cujo único propósito é ter vários HMs — ela faz com que duas partes dos jogos normalmente separadas — a batalha e a exploração do mundo — se comuniquem entre si. Apesar de as gerações mais recentes terem atenuado a obrigatoriedade dos HMs, os golpes de Pokémon ainda são a principal forma de se descobrir segredos e solucionar puzzles.

Mais interessante ainda é como a franquia integra suas mecânicas com a acessibilidade. Em vez de possuir níveis de dificuldade predeterminados, a aventura começa com uma escolha entre três Pokémon. A decisão ali tomada determinará o quão desafiante serão os primeiros ginásios e lutas contra treinadores. Não é à toa que recomendam que novos jogadores peguem Bulbasaur ou Squirtle.
Mas as crianças legais sempre escolhem Charmander.
Similarmente, a opção de tornar mais fácil as cavernas, uma das partes mais estressantes de qualquer jogo da franquia, está escondida na forma de uma mecânica: é o famoso (e querido) Repel. Enquanto Bravely Default (3DS) foi elogiado por trazer a opção de se desativar os encontros aleatórios em seu menu de opções, Pokémon já permitia que seus jogadores fizessem isso desde 1996, na forma de um recurso totalmente integrado mecânica e narrativamente no jogo.

Os repelentes, posteriormente, acabaram integrando-se a outras mecânicas e situações. Desde a segunda geração, eles são o método favorito para se caçar Pokémon errantes, como os cães lendários. Por repelirem apenas seres com nível inferior ao líder de sua equipe, acabam tornando a caça por essas criaturas muito mais rápidas.

Integrar tudo eu tentarei

Muito se fala na possibilidade de Pokémon ser ambientado num mundo aberto no futuro. A ideia é realmente tentadora e cheia de potencial. Entretanto, seguindo o seu legado, se a série algum dia vier a usar o conceito, não será por pressão dos padrões da indústria. Caso isso aconteça, será executado de uma forma integrada ao mundo e mecânicas que já conhecemos da franquia — tornando ele um jogo melhor com o mundo aberto, e não por causa dele.

Revisão: José Robson Júnior
Capa: Felipe Araújo

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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