Trinta anos atrás o mundo era bem diferente. Star Wars tinha concluído sua primeira trilogia há pouco mais de três anos, o movimento Diretas Já aqui no país havia ocorrido dois anos antes e a Guerra Fria se aproximava do fim. Também por volta deste período algo novo e especial começava a dar seus primeiros passos: videogames. Eles já existiam há mais tempo, sim, mas ainda só estavam engatinhando. No começo de 1986 o Nintendo Entertainment System completava pouco mais de quatro meses na América do Norte, mas já caminhava para seus três anos de idade no Japão, lá sendo chamado de Famicom. A Nintendo, nessa época, planejava lançar uma “expansão” para o console: o Famicom Disk System.
O Nintendo Entertainment System |
Famicom Disk System |
Só que, para entender como Zelda chegou no lugar que hoje ocupa, devemos explorar as suas raízes, e é sobre isso que faremos hoje aqui.
Mario e Link, os verdadeiros irmãos Nintendo
Shigeru Miyamoto |
Enquanto no Mario original, a partir do momento que a fase 1-1 aparece, é óbvio o que você deve fazer para avançar, sendo absurdamente intuitivo perceber o ponto inicial e o ponto final, Zelda só apresenta ao jogador seu ponto inicial, dando em sua primeira tela quatro possibilidades para o jogador progredir. Mas não é uma escolha igual à de Mega Man, outro clássico dos 8-bits que permite que você escolha em qual fase quer ir desde o começo em vez de jogar uma sequência pré-definida. A escolha de Zelda é sobre entender e encontrar o seu próximo passo. O jogador não sabe, mas naquele primeiro momento seu objetivo é achar a espada para poder se defender dos vários monstros que assolam Hyrule. Ela está na sua cara, mas isso é desconhecido por você. A caverna que deve ser explorada para obter a arma é tão atraente quanto os outros três caminhos. Além da tentativa e erro, como saber o que fazer?
Miyamoto tinha intenções claras quando fez o jogo desta forma. Em versões anteriores à que chegou nas lojas, Link começava o jogo com a espada em mãos. Durante testes de jogabilidade, este fato ocasionava uma reação de instinto de quem estava jogando, no sentido de que não existia a contemplação da próxima ação a se tomar, só o ataque frenético. Com a espada em mãos desde o começo, criou-se uma linearidade na forma de como quem jogava pensava em progredir. Miyamoto decidiu então deixar a espada como o primeiro item a se obter, deixando o jogador indefeso no primeiro momento, fazendo com que ele tivesse que analisar a situação que se encontrava e tomar a decisão que julgasse melhor.
A lendária tela inicial do primeiro Zelda. Note os 4 caminhos disponíveis. |
Os segredos de Mario e Zelda
Curiosamente, Super Mario Bros. conta com uma característica que Miyamoto considerou como uma das poucas coisas que Mario e Zelda poderiam ter em comum: segredos.
Zelda de NES é uma grande junção de segredo após segredo para chegar na próxima parte, incentivando a interação entre os jogadores para a troca de conhecimento do jogo e como chegar em novas áreas; Mario tinha suas Warp Zones. Por mais que seja uma característica miníma para todo o resto do jogo, a localização deles foi uma informação muito trocada pelos jogadores na época, permitindo uma experiência conjunta. Claro, bem distante da que Zelda passa, mas a ideia é semelhante.
The Legend of Zelda (NES)
Após o desenvolvimento, a lenda teve seu início. A estrutura da história era extremamente básica, sendo somente a missão de salvar a princesa Zelda das mãos do terrível Ganon. Não existiam tons narrativos nem picos emocionais, o jogo funcionava somente sob essa premissa. Mas isso não é um ponto fraco, muito pelo contrário. Tal estrutura permite que a experiência com o jogo seja muito mais sobre a jornada do que o destino, tendo em vista que tudo que Link obtém e vivencia faz o game se tornar muito maior que um simples jogo de exploração.Explorar o cemitério, descobrir a rota para sair de Lost Woods, achar os itens secretos que facilitam o jogo… Cada momento é extremamente marcante e único para cada jogador, fazendo a experiência ser muito maior do que qualquer um esperaria. Mas o mais curioso é falar tudo isso tendo em mente algo bem importante: o jogo, graças à evolução da indústria, não é mais nem de perto a experiência que foi quando do lançamento.
Essa imagem grita "queria estar vivo". |
O mundo também não lhe dá dicas para onde ir, e mesmo sabendo que isso é intencional e faz parte da ideia do game (o compartilhamento de informações entre os jogadores) é muito fácil se sentir completamente desmotivado a continuar quando você está perdido.
Ao mesmo tempo, o senso de descoberta ou da própria procura de informação é fantástico. Poucos jogos que tive oportunidade de jogar conseguiram passar o senso de aventura que The Legend of Zelda passa. É surpreendente pensar que os responsáveis pelo jogo atingiram os seus objetivos com ele de forma tão certeira.
Sequência e erros: Zelda II: The adventure of Link
Com o sucesso de The Legend of Zelda, a Nintendo, assim como fez com Super Mario Bros., logo autorizou a produção de uma sequência. Só que a equipe responsável pelo primeiro título não estava disponível, o que fez os responsáveis pelo jogo serem outros. Miyamoto retornaria, mas em vez de criador, foi o produtor.Com uma janela de desenvolvimento corrida, e com uma ideia que mudava completamente o que tinham de experiência do jogo anterior, Zelda II: The Adventure of Link seria lançado em 14 de janeiro de 1987, 11 meses depois do Zeldinha.
Existem três abordagens possíveis para falar sobre Adventure of Link: falar com o olhar da época, falar com o olhar que temos de Zelda hoje em dia e falar dele puramente como um jogo. Em qualquer um dos três casos acima colocados, a conclusão que se chega é a mesma: Zelda II é um rascunho cheio de ideias boas, mas que não deixa de ser um rascunho em nenhum momento.
Muitas coisas inicialmente introduzidas aqui se tornariam pontos comuns na série. Pontos onde Link pode recuperar suas forças (embora aqui seja uma casa de uma dama de vermelho no meio das cidades que o jogador visita, e não uma fonte de fadas) e a barra de magia tem suas primeiras aparições aqui, por exemplo.
Essa imagem grita "queria estar morto". |
É um jogo interessante para se jogar por valor histórico, mas nada muito além disso. Sua dificuldade frustrante e os controles horríveis podem muito bem fazer jogadores não aguentarem dez minutos nele.
Ainda assim, o jogo foi um sucesso.
O melhor pedido de desculpas possível: The Legend of Zelda: A Link to the Past (SNES)
Em 1988 o desenvolvimento para o próximo título da série começou. Graças ao sucesso de seus irmãos mais velhos, A Link to the Past pôde encarar um período de desenvolvimento bem maior. Começando sua vida como o terceiro Zelda para o NES, ele acabou sendo transferido para o SNES pouco depois. Em novembro de 1991, o jogo seria lançado. E logo na sua tela inicial, é óbvio o que estamos presenciando.A Link to the Past é a sequência que o primeiro Zelda merece. Expandindo os conceitos colocados em prática lá naquele primeiro jogo e adicionando os pontos positivos de Adventure of Link (barra de magia, cidades com NPCs, etc.), e ainda polindo as partes que nos jogos anteriores normalmente eram frustrantes (se você encontra um dodongo aqui, pode apostar que em algum lugar da sala existe uma forma de obter bombas).
ALTTP também coloca uma boa história na série, com a criação de uma mitologia por trás. Também estabelece Link como um herói predestinado e cria o conceito dos Sages. O mundo não é mais desolado e solitário igual ao do Zeldinha, agora sendo repleto de pessoas e coisas para se fazer além de ir procurando as próximas dungeons.
O jogo foi o primeiro a usar o cartucho de 8MB do SNES, sendo enorme. Existe uma grande quantidade de segredos e miniobjetivos para serem completados. Suas dungeons são das mais variadas possíveis e, mais importante, o retorno dos multiplos itens, que lhe ajudam a passar das dungeons.
Essa imagem grita "é bom estar vivo". Chega a dar uma felicidade até. |
O jogo foi um sucesso e com toda certeza é um dos melhores jogos de SNES. Marca a conclusão dos primeiros anos de Zelda, agora com a série já firme em qual direção seguir. Estes três primeiros jogos têm o começo e a evolução de uma série que, com o passar dos anos, só nos trouxe boas memórias. Completando 30 anos daquele primeiro título, só temos o que comemorar.
Parabéns, Zelda!
Revisão: Vitor Tibério