Bomberman Tournament (GBA) ensina aos jogos como se reinventar

Revisitamos a história de um bom jogo pouco comentado e que é um ótimo caso de estudo sobre como inovar franquias sem que seus conceitos-base se percam.

em 01/04/2015

De tempos em tempos, surge um jogo com um conceito original que vira um grande sucesso de críticas e vendas. Consequentemente, diversos outros tentam “pegar o vácuo” dessa disparada fazendo cópias diretamente baseadas no hit do momento. O último grande jogo que vem a minha cabeça e que foi capaz de preencher estes requisitos foi Minecraft, mas no final da década de 1990 e começo da década de 2000, esse título estava com Pokémon.


Isso significa que o cenário de jogos, desenhos e qualquer outro entretenimento que tenha influência direta no mercado infantil estava lotado de novos lançamentos, nos quais, necessariamente, deveria haver uma ligação entre pessoas (ou antropomorfos) e monstros/bichinhos. Várias franquias consolidadas se viram na necessidade de aproveitar a febre e inserir características assim em seus jogos, como foi o caso de — na época ainda gigante — Sonic em Sonic Adventure (Multi), com a introdução dos Chaos. A mania tomou conta dos consoles de mesa, mas, certamente, foi mais poderoso nos portáteis pela sua capacidade de mobilidade e trocas com outros jogos.
Para vocês verem o que era a mania pokémon durante o GBA
É verdade que a franquia Bomberman já buscava se reinventar com diversos outros lançamentos sucessores aos cinco jogos da série Super Bomberman para SNES. A série Super, com jogos bem semelhantes entre si e lançados consecutivamente a cada ano, já mostrava sinais de saturação com o público (Super Bomberman 4 e Super Bomberman 5 sequer foram localizados para o ocidente). Inclua aqui a pressão do mercado para que as principais franquias dos videogames migrassem para o universo 3D durante a geração 32/64 bits. Foi nesse cenário que, em 2001, surge Bomberman Tournament para o GBA.
Lançamentos anuais, ao contrário do que a internet parece indicar, não são novidade no universo dos videogames. A Capcom praticava isso nos anos 1980 com, perceba a ironia, Mega Man.

As mecânicas de Super Bomberman em um RPG

Se você nunca jogou um single player de Super Bomberman do SNES, aqui vai uma breve explicação: trata-se de um mapa de tiles (uma unidade de área de pixels) em que há paredes destrutíveis e indestrutíveis, além de inimigos que seguem comportamentos limitados. Sua única arma são as bombas dos mais variados tipos, e você passa de fase ao eliminar todos os inimigos e, logo em seguida, ao entrar num teletransportador antes do tempo acabar, o que o leva ao desafio seguinte. Eventualmente, um desses teletransportadores o colocará de frente para um chefe, que também é eliminado com bombas. Eles podem ser categorizados de duas maneiras: os grandes e resistentes e os pequenos com uma inteligência artificial mais elaborada. 

O aprimoramento do protagonista é realizado através da coleta de itens que podem ser obtidos após explodir paredes destrutíveis. Por consequência, eles garantirão aumento da quantidade de bombas simultâneas, alcance de explosões e aumento da velocidade de movimento ou de habilidades como chutar ou carregar bombas.

Bomberman Tournament tem tudo isso, mas é ambientado em um cenário de RPG: um planeta precisa ser salvo de um cara malvadão e seus capangas. Trocam-se os teletransportadores por um mundo aberto com cidades, dungeons e ambientes abertos com inimigos que se comportam de maneira semelhante aos antecessores de SNES, com os chefes sendo o desafio final de cada dungeon. Retira-se o desafio de tempo do jogo e insere-se puzzles e dificuldades naturais para serem resolvidas. Ou seja, todo o núcleo de um jogo Bomberman está presente aqui, mas repaginado para se adequar a um jogo de RPG. A principal diferença está justamente nos Karabons.

Mas o que diabos é Karabons???

Primeiro, dê uma olhada nessa imagem aqui e me diga se eles não são uma cópia descarada de Pokémon:

Então, provavelmente não são. Monstros auxiliares não são novidade na franquia Bomberman, e os Karabons estrearam na franquia em 1997, no jogo Bomberman 64: The Second Attack (N64), jogo anterior à já citada febre. Eles também já haviam sido utilizados em Bomberman Max (GBC), no ano de 2000. Contudo, em Bomberman Tournament, eles são inseridos de forma mais inovadora.

De todos os paralelos que tracei anteriormente com os Super Bomberman, faltou falar do sistema de aprimoramento do personagem. Os Karabons são responsáveis pelas habilidades obtidas por Bomberman durante o jogo, como chutar bombas e correr mais rápido. Não apenas isso, mas também são ferramentas para a progressão nos puzzles. Já os upgrades coletáveis durante as fases se tornaram ferramentas para o desenvolvimento dos Karabons do modo combate, um desafio no qual podemos colocar Karabons para lutar entre si, com vantagens e desvantagens por tipo (como em Pokémon). Estas lutas garantem certos itens adicionais durante a campanha.

Com uma mudança suave no processo de desenvolvimento do personagem, foi possível dar uma utilidade real aos Karabons sem impactar diretamente nas mecânicas já consolidadas do jogo. Pode-se dizer, com tranquilidade, que esta alteração cirúrgica foi determinante para que o design do jogo se encaixasse tão bem de acordo com suas ambições. Até porque, como desafio de RPG, existem alguns trechos imaturos e preguiçosos, como, por exemplo, Karabons que são obtidos do nada assim que chegamos em determinado lugar.

Mas meu Bomberman Clássico está lá?

Está sim, fique tranquilo. O modo Battle tradicional está presente na série como sempre, tanto no modo para um jogador como no multiplayer, habilitado com o cabo Game Link, seguindo rigorosamente os mesmos princípios que levaram a franquia Bomberman a seu reconhecimento na cultura dos videogames. A diversão entre vários jogadores, algo sempre presente nos portáteis da Nintendo, não foi deixada de lado aqui.

Bomberman Tournament não é histórico ou brilhante, mas é um ótimo caso de estudo sobre como mudanças simples de game design, sem alterar o núcleo do jogo, podem ser realizadas para mudar a cara de uma série. Ele deveria ser estudado por equipes que desejam repaginar suas franquias sem que os fãs tenham a sensação de que “tem algo fazendo falta aqui”. Também é um jogo que os amantes de Bomberman deveriam conhecer melhor se quiserem ter uma experiência interessante e inovadora deste personagem.

Revisão: Luigi Santana
Capa: Felipe Araujo
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