Personalidades: Hiroshi Yamauchi, um senhor Nintendo que deixou saudades

Com garra, persistência e sabedoria, conheça a história de vida do maior presidente que uma indústria de videogames já teve: Hiroshi Yamauchi.

em 07/11/2014
Nascido no dia 7 de novembro de 1927, Hiroshi Yamauchi (1927-2013) foi quem transformou a Nintendo de uma grande fabricante de cartas Hanafuda a uma gigante no desenvolvimento de jogos eletrônicos. Tal fato não poderia ter sido feito de forma branda e sem muitos esforços, caráter que o levou a um dos mais renomados e ativos na empresa durante o período de seu crescimento mundial. Muitos de vocês já devem ter visto, nos créditos finais dos games, que seu nome sempre aparece, na maior parte das vezes, como produtor executivo. Uma lista gigante, visto que ele se manteve presidente da empresa por 53 anos. Terceiro e último presidente da família Yamauchi, vamos conhecer um pouco mais dos aspectos deste homem que tanto influenciou o ramo do mercado de videogames que vemos hoje.

A família Yamauchi

Fusajiro Yamauchi
Há um grande e interessante legado na família dos Yamauchi. Hiroshi foi neto de Fusajiro Yamauchi (1859-1940), artista e artesão, que fundou a Nintendo em 1889 e viu sua marca crescer através das qualidades que impôs às suas cartas Hanafuda e que atraía ainda mais os clientes: desenhos que traziam aspectos da natureza com uma forte presença das flores (Hanafuda quer dizer “cartas de flores”, em japonês). O crescimento da empresa viria à tona tão breve, e a manteria por muitos e longos anos.

Hiroshi Yamauchi nasceu em Quioto, no Japão. Era filho de Kimi Yamauchi, neta de Fusajiro, e Shikanojo Inaba, que havia adotado o nome Yamauchi de modo a se tornar o futuro sócio da empresa. De acordo com a tradição japonesa, a Nintendo permaneceria com um líder da família Yamauchi em sua direção apenas se este fosse do sexo masculino, ou marido de uma das filhas quando resolvesse adotar o sobrenome Yamauchi. Contudo, Shikanojo abandonaria a família assim que seu filho completara cinco anos. Hiroshi foi o primeiro membro do sexo masculino na família após três gerações. Naquela época, a revolta de sua mãe faria com que ela fosse morar com a irmã, deixando Hiroshi aos cuidados dos seus avós.

Tal cenário foi construindo a personalidade de Hiroshi, que já havia, nesta época, ganhado o seu status de homem vigoroso, mas também atrevido. Porém, a história com o seu pai (que sua família considerava um homem mentiroso e inútil) viria à tona quando Hiroshi se recusaria a recebê-lo na vez em que este veio para lhe reencontrar e, mais tarde, aos 30 anos, quando soube da sua morte e decidiu ir ao enterro de Shikanojo, sofreu por meses um arrependimento público e que o fez visitar o túmulo regularmente.
“Arrogante e atrevido, menosprezava os avós. Transforma­va-se num cavalheiro de beleza maligna, a deslocar o corpo pequeno com vigor presunçoso e cabeça erguida. Penteava para trás o cabelo grosso e tinha sobrancelhas cerradas sobre olhos escuros. Vestia roupas caras, de bom corte. Mantinha as unhas compridas manicuradas, polidas. Soturno e amargurado, disfarçava esses sentimentos com um comportamento leviano e uma perspicácia seca. Tal temperamento representava o legado de um pai ausente e do desprezo dos avós.” (Os Mestres do Jogo, David Sheff, 1993, p. 25-6).

Um homem à frente de seu tempo

Em 1945, Hiroshi matricula-se no curso de direito da cidade de Waseda, porém, a época da Guerra e o falecimento de seu avô (através de um golpe na Segunda Guerra Mundial) tornariam a sua história mais voltada ao mercado da família. Já havia, nesta época, recebido de seu avô a missão de cuidar da empresa futuramente, que se manteve aos cuidados de Sekiryo Kaneda (1883-1949) desde 1929. Porém, quando chegou a hora de assumir o posto, Hiroshi faria certas exigências, que poderiam parecer duras, a princípio, mas que seriam determinantes para o sucesso da empresa, segundo o próprio Hiroshi. Uma delas seria mantê-lo como único membro da família na companhia, fato que marcaria de vez o início das mudanças nas atividades da Nintendo futuramente.

Hiroshi sabia que a Nintendo precisava de novas produções, pois não sobreviveria a longo prazo caso não se adequasse aos aspectos presentes e inovadores que toda empresa deveria ter. A parceria com a Disney e a produção de brinquedos, através da mente brilhante de Gunpei Yokoi, além da entrada no mercado de games, que se revelava, já na década de 1970 uma grande fonte de lucro no Japão, foram as escolhas aceitáveis por Hiroshi e que fariam, posteriormente, sucesso mundo afora. Desde o lançamento do NES (ou Nintendinho, para os saudosistas), as criações dos grupos de desenvolvimento R&D, a decisão de expandir o mercado para os Estados Unidos e o lançamento de novas ideias que conquistariam gerações foram fatores chave para esta revolução. O modelo de gestão visionário e empreendedor de Hiroshi, com investimentos até fora de contexto, como uma rede de motéis e uma frota de táxi, levaram a Nintendo ao tão inovador mercado de games, para, assim, ser até hoje o seu grande negócio.
Gunpei Yokoi, o braço direito de Hiroshi nos primeiros anos de sua gestão.

Muitas decisões arriscadas para avançar

Mas um espírito tão impulsionador como o de Hiroshi não deixaria de marcar a história, através de seus feitios e realizações. Vejamos abaixo as principais ocorrências que fizeram sucesso na companhia e que renderam à Big N o status de gigante dos games por muitos anos, até hoje.

Telefone ao vento

Uma das estratégias, no início da carreira de Hiroshi Yamauchi, era a de, no meio de uma reunião, simular um telefonema, de modo a fazer os acionistas e clientes acreditarem que você se tratava de uma pessoa importante, com muitas requisições e pouco tempo disponível.
“O passo seguinte seria apresentar o Famicom à Atari. Skip Paul e cerca de dez gerentes juntaram-se a Yamauchi, Arakawa e Lincoln numa sala da NCL [Nintendo Company Limited], em Quioto. Masayuki Uemura mostrou o sistema, explicando, por meio de um intérprete, por que ele era melhor do que seus predecessores.
Ao longo do primeiro dia de reuniões, Yamauchi saiu e voltou várias vezes. Tratava-se de uma tática diversiva: ele queria fazer crer que tinha negócios muito mais importantes em andamento.
Yamauchi conseguiu confundir de tal forma a delegação norte-americana que Paul telefonou para Lincoln, no hotel, a fim de esclarecer alguns pontos.” (Os Mestres do Jogo, 1995, p. 176).
Alexey Pajitnov, Henk Rogers e Hiroshi Yamauchi, circa 1989. Foto: Henk Rogers e Wired.com

Avante América

Esta talvez seja a história mais conhecida. Após o incentivo ao genro, Minoru Arakawa (1946), para conquistar terras americanas, que teve um certo e grande otimismo por parte do presidente, seria dado um novo passo. Iniciando em um galpão, e, após fracassos — muito influenciado pelo fenômeno conhecido como o Crash dos Games, em 1983 —, decidir que um novato, de nome Shigeru Miyamoto, em sua empresa tomasse os rumos para produção de uma nova ideia; que seria o ponto chave para todo o sucesso nos EUA; fizeram-no o cara sortudo, visionário e de sucesso que foi.
“Yamauchi declarou que não havia mais ninguém disponível. O escolhido não integrava nenhum dos grupos de engenharia; não era nem engenheiro, mas tinha entusiasmo e ideias interessantes sobre como se deveriam elaborar videogames.
Quando soube disso, Arakawa explodiu de raiva. Precisava de um jogo superior para salvar o negócio e Yamauchi punha um aprendiz inexperiente para fazer o serviço! Por que o sogro o seduzira com a ideia de conquistar os Estados Unidos se pretendia sabotar a operação? Estava de mãos atadas.
— Qual o nome do aprendiz? — Minoru limitou-se a per­guntar, em voz débil.
— Sigeru Miyamoto — informou Yamauchi.” (Os Mestres do Jogo, 1995, p. 123).
Sede da Nintendo of America, em Washington.

Sala “Mother Brain”

Muitas das características da Nintendo eram conformadas com a personalidade de Hiroshi, e uma delas era talvez a sala que fazia mais medo ante os funcionários da empresa:
“À entrada do prédio principal, encontrava-se uma grande sala de espera com o aconchego de um terminal de aeroporto, com suas filas de desconfortáveis cadeiras e bancos de plástico e mesas de canto em fórmica. Atrás de um balcão com tampo de mármore, moças de saia e guarda-pó azul claro, algumas de chapeuzinho. Para além das paredes nuas, abria-se um la­birinto de corredores de piso encerado e brilhante. Uma porta sem identificação isolava a sala de Hiroshi Yamauchi, que um funcionário batizara de ‘domínio do Mother Brain’. No jogo Metroid, Mother Brain era a pulsante criatura cuspidora de laser que atirava raios vermelhos e sobrevivia sugando toda a energia do Universo.” (Os Mestres do Jogo, 1995, p. 71).

Rompimento com a Square

Um dos últimos, e talvez mais importantes, feitos do grande mestre seria o seu rompimento com a Sony e com a Square. Como muitos devem saber, a Sony trabalhava em conjunto com a Nintendo, sendo uma das responsáveis pelo Hardware do SNES. Com a ascenção do mercado e a propensão da empresa a seguir o mercado de CDs, houve um choque e conflito de interesses, que faria com que a Nintendo e Sony viessem a ser futuras rivais. Yamauchi não arredou o pé, e mesmo a Square, que produzia quase que exclusivamente para ela na geração 16-bits, passaria para o outro lado do time, trazendo consequências até os dias de hoje.
Hiroshi Yamauchi (Nintendo) em um momento épico com Bill Gates (Microsoft).

Qualidades de um Mestre do Jogo

Mesmo com uma história tão cheia, Hiroshi Yamauchi anda detém alguns grandes títulos de seu feitio. Seu humor e personalidade, além de terem-no dado muitas conquistas, fê-lo ser reconhecido através de inúmeras frases e estilos de gerir a empresa, ganhando o status de homem firme e forte na Nintendo.

Foi considerado um dos homens mais ricos do Japão (o 12º na lista da Forbes, com cerca de 8 bilhões de dólares), além de ter sido também um dos sócios (com 60% das ações compradas) do famoso time de beisebol Seatle Marines (houve pretensões da Nintendo se mudar para Seattle, mas isso nunca veio a ocorrer). O interessante é que Hiroshi somente jogou videogames uma vez na sua vida e odiou tal feito. Talvez não fosse este o melhor hobby de Hiroshi, mas sim os negócios, de correr atrás do marketing e de fisgar as mentes mais talentosas para apoiá-las e supri-las de energia, com vistas a seu desenvolvimento e construção de uma carreira de sucesso.
Recentemente, há pouco mais de um ano, Hiroshi Yamauchi foi vítima de um desastre, devido a complicações de pneumonia, deixando-nos no dia 19 de setembro de 2013. Uma catástrofe que pegou muitos de surpresa, principalmente aqueles que tiveram sua vida marcada, seja pessoalmente, seja ao ver um nome forte ao final dos créditos, por tantos jogos de qualidade que assinou em seu nome. Hiroshi esteve à frente da presidência da Nintendo até o ano de 2002, quando virou diretor e, em 2005, conselheiro investidor, época de sua aposentadoria.


Fica a homenagem do Nintendo Blast a esta figura, que completaria 87 anos hoje, não fosse esse incidente que lhe custou uma vida.
"I have been saying this for some time, but customers are not interested in grand games with higher-quality graphics and sound and epic stories. Only people who do not know the video game business would advocate the release of next-generation machines when people are not interested in cutting-edge technologies." (Eu costumo falar isso há um bom tempo, mas os clientes não estão interessados em grandes jogos com gráficos e sons de alta qualidade e histórias épicas. Somente as pessoas que não conhecem o negócio do mercado de games seriam a favor da próxima geração, no momento em que a população não está interessada em tecnologias de ponta.) — Hiroshi Yamauchi

Revisão: Vitor Tibério
Capa: Diego Migueis

Jaime Ninice é cravista, formado pela UFRJ, e mestre em música na mesma instituição. Sua paixão por games, eventos e revistas o levou a escrever e revisar artigos desde 2010 no @Blast. Hoje é redator das publicações impressas sobre retrogames WarpZone.me
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