O duro mundo Pokémon de Kanto retratado na webcomic It's a Hard Life

Conheça essa série que apresenta uma versão inquietante do mundo Pokémon.

em 02/04/2014
Existe uma regra na internet que dita que Pokémon será parodiado de todas as maneiras possíveis em todas as mídias disponíveis. Sejam os inúmeros vídeos no Youtube com trailers falsos de jogos e filmes que não existem, creepypastas como a Black Version, webcomics como a Super Effective, que tira sarro de algumas das características da franquia e Letters to an Absent Father, sobre um treinador Pokémon que escreve cartas narrando sua jornada para o seu pai que sumiu, o universo dos monstrinhos está sempre presente.

A grande maioria desse conteúdo é voltado para a comédia, explorando o lado absurdo dos jogos e do anime. Um bom exemplo é a série de vídeos Pokémon Rusty do site Dorkly, sobre um treinador totalmente incapaz e sem noção que se considera ótimo. Em meio a esse mar de paródias, encontra-se uma webcomic feita a lápis e aquarela que se destaca por seu clima diferente.

“Qualquer Pokémon que desmaiar é considerado morto e deve ser liberado”.

A citação acima é a principal regra do Nuzlocke Challenge, uma variação na maneira tradicional de jogar Pokémon que originalmente pretendia apenas inserir um fator extra de dificuldade no game. Quem se propõe a experimentar o desafio precisa apenas seguir duas regras (sendo que outras diversas podem ser adicionadas em variações encontradas por aí):

  1. Qualquer Pokémon que desmaiar é considerado morto e deve ser liberado.
  2. O jogador deve capturar apenas o primeiro Pokémon que encontrar ao entrar em uma nova área.

O criador desse desafio, o artista Nuzlocke (daí o nome), compartilhou sua criação no 4chan, revelando que não apenas o jogo se tornou mais desafiador, o objetivo inicial, mas também o fez se tornar muito mais apegado emocionalmente aos seus monstrinhos, afinal não bastaria levá-los ao Pokémon Center mais próximo para vê-los novamente. Uma vez derrotados, adeus para sempre. Nuzlocke também acabou criando uma vertente de webcomics baseadas no seu desafio, que prezam justamente por essa característica da efemeridade dos seus companheiros.
Foi esse gênero que o ilustrador de 23 anos Han (conhecido como Qlock) buscou para criar em junho de 2011 a sua própria webcomic: “It’s a Hard Life”, ou “É uma Vida Difícil”, em português. A história, que já recebeu 10 capítulos com uma média de 25 páginas cada desde então, é ambientada na região de Kanto e baseada no enredo de Pokémon Red, acompanhando a jovem de apenas dez anos Robin a partir do momento em que ela inicia a sua jornada como treinadora. Acontece que Robin não recebe qualquer preparo para tal, ela é, de fato, apenas uma menina expulsa de casa pela mãe sem nenhuma certeza do que deve fazer. Até aí, trata-se de um roteiro recorrente de textos sobre a série, mas logo a natureza Nuzlocke da trama se manifesta e revela ao leitor o que esperar.

O Gary é um babaca

Como o próprio personagem se define na webcomic, Gary, o vizinho e autoproclamado rival de Robin, é um babaca. Quando os dois estão no laboratório do Professor Oak para receberem seus primeiros Pokémon, Robin pega Skott, o Bulbasaur, então é claro que Gary escolhe o Charmander. Eles começam a lutar e, bom, fire é super efetivo contra grass. Em apenas duas páginas, uma garotinha recebe seu primeiro Pokémon e o vê ser morto. Ela então parte para a floresta com Puck, o Squirtle. É uma vida difícil, ninguém disse o contrário.
Aqui é onde percebemos a primeira característica fundamental de It’s a Hard Life, ela consegue ser intrigante e incômoda ao mesmo tempo. O próprio estilo de desenho reforça essa sensação, bastante estilizado e cartunizado mas com algo perturbador ao fundo. Não é o tipo de coisa que agradará a todos, até porque a presença de palavras de baixo calão e violência explícita é grande, às vezes até mesmo um pouco de gore, embora sempre dentro do contexto do que está acontecendo. Se isso não o afetar, você encontrará uma história rica apresentando uma outra visão de cenários e personagens já conhecidos.

Esse é o outro ponto da série, o autor se sentiu livre para aproveitar o que podia do jogo, mas também para fazer as alterações necessárias. A principal talvez seja o fato de os Pokémon poderem falar, o que parece estranho num primeiro momento, porém é importante para o desenvolvimento dos personagens e relacionamentos. Outro exemplo é que a população de Kanto possui uma religião baseada na divindade Arceus (Lord Helix que nos perdoe), e quando falam de algo considerado mal, atribuem o acontecimento ao Giratina.

Voltando à história, Robin acaba tendo que aprender a se virar sozinha para sobreviver, contando com o seu time de Pokémon que acaba se tornando a sua família. As duras condições impostas pela natureza e uma série de infortúnios, contudo, fazem da garota uma procurada tanto pela polícia de Kanto (e os líderes de ginásio) quanto pela temida Equipe Rocket. Como, não custa lembrar de novo, estamos falando de Nuzlocke, dá para imaginar que esse conflito gera muitas perdas e sofrimento para todos os lados. Quem aprecia a tensão de não saber quem ainda estará vivo no próximo episódio de Game of Thrones, por exemplo, provavelmente irá gostar desse fator, com medo do seu favorito cair em batalha. Não espere que Robin seja protegida por uma equipe super poderosa, o time é composto por monstros “comuns”, inclusive alguns dos primeiros disponíveis, como Rattata e Weedle, cada um com traços de personalidade distintos. É muito fácil simpatizar com todos e torcer pelo seu sucesso; por outro lado a frágil protagonista, privada do convívio social, vai cedendo e não demora para tomar decisões moralmente duvidosas, a ponto de poder ser considerada um monstro em certos momentos.

O desfecho dessa história ainda está em aberto, e infelizmente a webcomic não possui um cronograma de atualização, sendo construída aos poucos e com intervalos irregulares. Mesmo assim, as 392 páginas disponíveis já são o suficiente para justificar a leitura e mergulhar na trama envolvente.
Revisão: Catarine Aurora
Capa: Diego Migueis
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