O gênero Survival Horror se popularizou em 1996 com o
lançamento de Resident Evil (PS) e desde então reuniu uma considerável base de
fãs por todo o mundo. Contudo, com o passar dos anos, os jogos de terror
sofreram diversas mudanças que desagradaram a muitos. Mais voltados para ação e
com um ritmo mais frenético, boa parte dos jogos foram se descolando cada vez
mais das características que os fizeram tão famosos outrora. Mesmo assim,
algumas desenvolvedoras ainda tentam captar a essência do terror e transportá-la
para os jogos sem tentar acompanhar o senso comum, o que, infelizmente, não
parece estar dando muito certo. Nessa semana de Halloween, vou discutir a
importância desses jogos para a indústria, utilizando como base o incrivelmente
underrated ZombiU, lançado no ano passado para o Wii U.
Guerra mundial ou sobrevivência?
A franquia Resident Evil nasceu como uma experiência que
prometia assustar os jogadores. Para isso, a Capcom criou um jogo que contava
com diversos elementos muito utilizados em filmes e histórias de terror: um
grupo de pessoas, com pouquíssimos recursos para sobreviver, explorando uma
mansão abandonada e se deparando com zumbis e outras criaturas mutantes
dispostas a matá-los a qualquer custo. É
claro que, por trás disso, havia uma enorme conspiração e uma história muito
mais profunda − e ainda assim maravilhosamente clichê – que fazia com que os
jogadores desejassem sobreviver até o fim para testemunhar o desfecho de tudo
aquilo.
Do primeiro zumbi a gente nunca esquece! |
A série cresceu e se tornou uma das mais queridas da
indústria, até que a Capcom decidiu mudar seus rumos. Acompanhando as tendências
de mercado, a gigante japonesa decidiu dar um foco maior à ação do que ao
terror, incorporando inimigos mais ágeis do que zumbis e até mesmo armados.
Nestes jogos, os personagens controlados pelo jogador possuem um arsenal de
causar inveja até ao exército americano e, o que era um jogo se sobrevivência,
tornou-se mais um jogo de tiro em terceira pessoa, mas focado em bioterrorismo.
Um excelente jogo de ação, mas um péssimo survival horror... |
Jogadores de todo o mundo protestaram, desejando que o
terror retornasse à franquia, que acabou levando quase todos os títulos do
gênero pelo seu caminho. A mídia também não perdoou: as avaliações se mostraram
cada vez mais negativas e todos os redatores clamavam pelo retorno do terror.
Mas será que é isso que a maioria deseja?
ZombiU, o legítimo jogo de terror e sobrevivência!
ZombiU foi o principal título de lançamento do Wii U.
Desenvolvido pela Ubisoft, o jogo em primeira pessoa colocava o jogador em meio
a um apocalipse zumbi na cidade de Londres. Com poucos recursos, os
sobreviventes controlados durante a jornada deviam atravessar a cidade em busca
de sua salvação e uma cura para o vírus que assolava o mundo. Por serem simples
cidadãos londrinos e não soldados superpoderosos, os personagens possuíam
fraquezas, uma pontaria trêmula e podiam morrer com qualquer erro estratégico
por parte do jogador que os controlava, o que trazia uma enorme tensão para o
jogo.
Em ZombiU cada passo deve ser milimetricamente pensado |
A Ubisoft ainda fez questão de trabalhar os efeitos sonoros
de maneira que o jogador sentisse medo do silêncio e de sua ruptura, com
eventuais sons ecoando pelos corredores dos esgotos e becos de Londres. Com tal
temática, somada à falta de recursos e fraqueza física dos personagens, é
normal que os jogadores andem com cuidado e que ZombiU seja taxado como um jogo
de ritmo muito lento. E foi justamente isso que aconteceu no ano passado.
Acostumados com a nova tendência dos jogos de terror e nunca satisfeitos com
nada, boa parte do público e da mídia se viram infelizes com um jogo tão lento
e repetitivo, desejando que ZombiU fosse um bom shooter. Pera aí, shooter? Pois
é, caros leitores, infelizmente foi o que aconteceu. A mesma mídia e os mesmos
jogadores que desejavam o retorno do terror em Resident Evil foram os que
desprezaram a incrível experiência criada pela Ubisoft no lançamento do Wii U.
Só atirar não é a solução no jogo da Ubisoft |
É claro que ZombiU não é um jogo perfeito. Na minha análise
apontei alguns defeitos de jogabilidade que atrapalham bastante a experiência,
mas que de maneira nenhuma tiram o brilho do conceito desenvolvido pela
Ubisoft. ZombiU é um passo à frente no gênero Surival Horror e leva o
significado da palavra sobrevivência ao pé da letra. Assim como em jogos de
terror mais antigos, cada passo deve ser friamente calculado para que as
situações sejam superadas sem grandes perdas. Mas o jogo não é apenas uma cópia
de títulos antigos, pois graças à tecnologia atual e ao excelente uso do
revolucionário controle do Wii U, a tensão, interação e imersão são levadas a
outro patamar, de maneira que o jogador se sente parte de tudo que está
acontecendo na tela, ainda mais se considerarmos que estamos falando de um jogo
em primeira pessoa no qual não há um personagem principal, e sim sobreviventes
anônimos tentando escapar de Londres.
Srta. Zumbi assustada ao ver como ficou Resident Evil 6 |
Falando em personagens, o fato de não haver um principal
torna tudo ainda melhor. O jogador controla um simples avatar, morador de
Londres que ainda não foi infectado. Caso o personagem morra, todos os
suprimentos conquistados são perdidos e, para recuperá-los, é necessário
chegar, com um novo sobrevivente, até o lugar onde o último morreu e
derrotá-lo, já que ele se tornou um zumbi. O desafio do jogo é alto e o
desespero por suprimentos faz com que, às vezes, o jogador tome decisões
precipitadas e pague por isso. Como se pode notar, ZombiU leva o gênero a outro
patamar em diversos sentidos, e mesmo assim foi bastante desprezado. Mas por
que isso aconteceu?
A triste evolução da indústria
Vem acontecendo de uns tempos para cá, e é triste constatar,
que diversos gêneros outrora consagrados estão sendo desconsiderados pelo
mercado. Para confirmarmos isso, basta checar os jogos de maior sucesso dos
últimos anos e as grandes promessas para a próxima geração: shooter ou jogos de
esportes e corridas. O direcionamento é tão forte, que boa parte da mídia e dos
jogadores considera a Nintendo carta fora do baralho, anunciando apenas o
embate entre o PS4 e o Xbox One, desconsiderando até a existência do Wii U com
as fantásticas e únicas experiências que seus jogos podem proporcionar.
O maravilhoso mundo dos shooters cinzas. Só que não... |
Os jogos de terror são outros que estão sofrendo com o que
está acontecendo. Há poucos meses, uma sequência do espetacular Eternal Darkness: Sanity’s Requiem foi anunciada por meio de uma campanha no
Kickstarter e, depois de duas tentativas, a desenvolvedora simplesmente
desistiu do projeto por falta de apoio. E agora eu pergunto: onde estão os
jogadores que choram todos os dias sentindo falta de reais jogos de terror?
Comprando Resident Evil 5? Porque este, curiosamente, tornou-se na semana
passada o jogo mais vendido de toda a história da Capcom, superando até StreetFighter II, de Super Nintendo. Estranho pensar que esse é um dos jogos mais
criticados de toda a franquia pelo abandono quase total dos elementos de terror
que a tornaram famosa.
Shadow of the Eternals está fadado à escuridão... |
Estamos perdidos?
Não necessariamente. Mas temos que considerar que a
indústria mudou muito nos últimos anos e que os jogos estão se homogeneizando
cada vez mais, de maneira que novas experiências que fujam à regra estão sendo
desconsideradas por boa parte dos jogadores. O que a Ubisoft tentou realizar
com ZombiU foi mal sucedido não por falta de qualidade do jogo, e sim porque
grande parte dos jogadores de hoje simplesmente não está disposta a viver
experiências como essas em prol de jogos de ação mais frenéticos e cheios de
explosões e momentos épicos. ZombiU é um jogo introspectivo, em que os momentos
épicos e experiências marcantes devem ser criados com o que se passa na tela em
conjunto com a mente e imaginação dos jogadores, enquanto Resident Evil 6, por
exemplo, dá de bandeja momentos épicos que fazem com que muitos jogadores
tenham momentos catárticos a todo instante. Um é melhor que o outro? Não, são
jogos diferentes. Mas se você sente falta de jogos como o primeiro, levante-se
do sofá, compre jogos que ainda tentam ser assim e torça para que as vendas
aumentem de maneira que as desenvolvedoras reconsiderem o gênero.
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Wellington Aciole