“Eu não tinha conhecimento do que estava por vir. E nem me importava. Como o conhecimento me mudou… Também mudará você. Enquanto lê isto, você virá a entender o medo como eu. Você também virá a entender ou perecerá. E pensar que um dia eu não pude ver além do véu da nossa realidade, para ver aqueles que habitam detrás dela. Minha vida agora tem propósito, pelo o que eu aprendi da fragilidade da carne e osso. Eu era um tolo…”
Feliz noite de Halloween, queridos leitores! É com esta linda citação de Pious Augustus, personagem importantíssimo de Eternal Darkness, que recebo vocês hoje. Não estou aqui para escrever uma análise, prévia ou qualquer tipo de texto usual do Blast. Como vocês devem ter percebido, nós decidimos fazer uma semana temática do terror e achei que seria muito legal fazer algo diferente hoje. Então, no melhor estilo “Clube do Terror” (e eu espero que vocês saibam o que é isso), vou simplesmente compartilhar uma história minha com vocês.
"Suas percepções não mudarão a realidade"
Não sei exatamente o motivo, mas desde que eu consigo me lembrar, o terror sempre me fascinou. Enquanto muitas meninas de quatro anos de idade se divertiam com filmes ou desenhos bonitinhos e com finais felizes, eu adorava ver um bom aterrorizante e sangrento filme de terror. Mas ver esse tipo de coisa desde criança causou um problema: como eu cresci e me acostumei com isso, deixei de ter medo. Quer dizer, claro que se eu visse algo assustador na vida real, ficaria com medo, afinal quem nunca perdeu o sono e ficou com aquela sensação de que tem alguém nos observando no escuro, não é? Mas o problema é que a falta de medo tira parte da graça das coisas ligadas ao tema de horror. Por isso, posso dizer que passei muitos anos procurando algum filme, livro, série, música ou jogo que me fizesse sentir esse medinho que te faz cobrir os olhos para não ver o que está por vir.Não que nada não tenha me assustado na vida, posso dar até alguns exemplos: a Monalisa, borboletas, o Fofão, e uma propaganda assustadora em uma HQ do Sonic que consistia de uma pagina preta, com dois olhos amarelados (ou avermelhados) ao fundo e uma mensagem como “ligue para tal número, fique sozinho, apague as luzes e me espere”. Isso, na verdade, conseguiu me assustar de modo que até hoje não esqueci, e que me fez até procurar a tal revista por aí, já que perdi o gibi anos atrás (aliás, se alguém souber do que estou falando, por favor me avise nos comentários!). Fora isso, alguns momentos dos dois primeiros jogos da série Resident Evil, Silent Hill e até mesmo Majora’s Mask chegaram a me causar certa tensão… mas nada se compara ao que eu senti ao jogar um game muito especial para mim. Aquele que eu considero como o melhor jogo de terror que já tive a felicidade de conhecer e que é todo o motivo deste texto especial de Halloween: Eternal Darkness: Sanity’s Requiem.
The darkness comes...
Não estou aqui para contar a história do jogo, seus defeitos, virtudes, segredos ou algo que vocês veriam em uma análise. Estou aqui apenas para lhes contar minha história com Eternal Darkness. Afinal, ele foi uma das únicas coisas de terror que realmente conseguiu me assustar. Esta história não será enfeitada para parecer mais aterrorizante ou interessante, é apenas uma forma de eu compartilhar isso com vocês, já que sei que muitos dos nossos leitores devem ter histórias assim também. Mas vamos direto ao ponto e, para isso, vamos voltar para o ano de 2001, quando eu lia a revista Nintendo World todo mês.Eu tinha um redator favorito, chamado Eduardo Trivella, que eu imagino que alguns de vocês devem conhecer (já que ele era o favorito de muitos leitores). De qualquer forma, por adorar seu estilo, eu sempre acompanhava seus textos e vi em uma certa edição que ele havia escrito um detonado (algo que quase não vemos hoje em dia) de um jogo chamado Eternal Darkness. Aparentemente, esse jogo tinha elementos de mágica com runas alinhadas de acordo com feitiços, personagens de diferentes épocas, diversos monstros, alucinações e tudo contado através de um livro feito de carne e ossos humanos. Wow! Como não gostar disto?! Eu sabia que precisava jogá-lo e quando tive a oportunidade, não perdi tempo e peguei uma cópia em uma locadora de games. Decidi não usar o tal detonado da NW para poder me surpreender, e por sorte, era uma noite chuvosa, ou seja, um momento mais que perfeito para um pouco de terror.
“Profundamente naquela escuridão espreitando, por muito tempo eu fiquei lá, pensando, temendo, duvidando”. Estas belas palavras de Edgar Allan Poe apareceram na tela e foram narradas de forma que prenderam minha atenção logo de cara. Já gostando do que havia visto, logo iniciei um novo jogo, que começava com a voz do personagem Edward Roivas falando sobre o tal livro feito de carne e osso, ligados por um estranho encantamento mágico. Tudo parecia intrigante… Mal tive tempo de pensar e já estava no comando de Alex, neta de Edward, com uma arma na mão matando zumbis. Quem diria? Jogar as pessoas em um quarto escuro cheio de mortos vivos no primeiro minuto do game… Eu fiquei desesperada! Mal tive tempo de pensar e já tinha que saber como me movimentar e atirar. Sem contar a tensão que sentia ao ver aqueles zumbis se aproximando: “Ah, meu Deus… Eu vou morrer, eu vou morrer!”. Essas eram as exatas palavras que eu gritava em minha mente, mas então uma cutscene me salvou e me fez perceber que era apenas um sonho de Alex.
Xel'lotath, Chattur'gha ou Ulyaoth?
Depois de um pouco de historinha, o game finalmente começou e eu estava aliviada por tudo estar tão calmo novamente. Não que isso tenha durado muito, pois logo que retomei o controle de Alex e comecei a explorar os cômodos da mansão de Edward (que havia acabado de morrer), ouvi um som de vozes cochichando, algo que descobri ser muito comum nesta parte e que tive que me acostumar. Tudo bem, isso era meio assustador… mas nada demais. Finalmente depois de dar uma boa vasculhada, encontrei uma sala secreta onde o Tomo da Escuridão Eterna se encontrava. Através dele, eu reviveria a história de diversas pessoas que em algum ponto de suas vidas, entraram em contato com ele. A cada personagem, eu viajava a diferentes períodos do tempo e vivia novos horrores.Na primeira história, me deparei com diversos zumbis e alguns puzzles, nada anormal para um jogo de terror. Então, entrei na “sala do destino”, onde tinha que fazer Pious Augustus, futuro antagonista do game, escolher um artefato para servir a um dos “ancients”. Como quem eu escolhesse seria meu inimigo e afetaria diretamente meu jogo, escolhi Xel’lotah, que me faria perder a sanidade mais rápido. Na época parecia melhor do que perder sangue ou mágica facilmente, mas isso só tornou o jogo ainda mais cheio de armadilhas e sustos, algo que descobriria em breve.
Achando que estava tudo bem até ali, segui com a próxima história,mas fui percebendo que a minha barra de sanidade estava diminuindo ao mesmo tempo que coisas estranhas começaram a acontecer. O volume da minha televisão estava ficando baixo, aumentei até o máximo e nada parecia acontecer… Até que o volume ficou altissímo do nada! Eu fiquei sem entender e continuei jogando, mas minha personagem, Ellia, parecia estar ficando pequena demais… mas tudo voltou ao normal com ela gritando que aquilo não poderia estar acontecendo. Então, aqueles eram os tais efeitos de sanidade - ou falta dela - sobre os quais eu havia lido? Dei uma repassada na edição da NW sobre o jogo, descobri que era isso mesmo e eu ia ter que aguentar o game pregando peças em mim o tempo todo. Sendo que eu mesma havia escolhido que a sanidade se esvaísse com facilidade. Mas tudo bem, não eram estes sustinhos que iriam me afugentar.
Os efeitos de sanidade na vida real
Já na história de Anthony, mais coisas estranhas começaram a acontecer: insetos estavam andando pela tela da TV, o som ficou mudo e a televisão parecia ter desligado sozinha. Sem contar a parte perturbadora em que eu entrei em outra dimensão, na qual o chão era feito de rostos de pessoas que não paravam de gritar. Logo depois, encontrei meu primeiro círculo do poder, que permitia fazer mágias com runas… esse jogo parecia perfeito, tinha tudo! Mas a madrugada havia apenas começado e a solidão em meu quarto escuro não estava ajudando. Ao retomar o controle de Alex, percebi que sua sanidade estava decaindo também por ler todas aquelas histórias no tomo da escuridão. E não havia jeito, eu teria que explorar a mansão para encontrar as outras páginas do livro.Nisso, eu comecei a ouvir alguém batendo muito forte na porta mas não havia ninguém em lugar algum, as estátuas tinham ganhando vida e me olhavam quando passava por elas. Quando fui ao banheiro, encontrei o corpo de Alex em uma banheira cheia de sangue. Com o passar dos capítulos, tudo foi piorando e os efeitos da minha insanidade aumentaram. Agora os personagens perdiam a cabeça e partes de seus corpos explodiam. Mas o jogo também gostava de brincar diretamente com a minha mente, e para isso, fazia a tela ficar preta enquanto eu ouvia meu personagem ser morto por um monstro, fazia eu achar que o jogo havia sido resetado, que o console estava corrompido com uma tela azul, que o controle não estava funcionando e o pior de todos, que me fazer arregalar os olhos de desespero: a infame mensagem que recebi ao salvar meu jogo: “Todos os seus saves foram deletados com sucesso!”
Mas foi quando cheguei ao capítulo de Peters Jacobs, que se passava em uma catedral que servia de hospital durante a guerra, que percebi que tudo aquilo era demais para mim, a barra de sanidade já tinha diminuído até o limite, fazendo minha barra de energia diminuir ao poucos também. Claro que os efeitos que mencionei estavam mais intensos e os inimigos apareciam de todos os lugares, sendo que eu nunca sabia o que era real e acabava morrendo com muita facilidade. Então, eu simplesmente desisti. Pois é, parece ridículo agora, mas eu era apenas uma criança assustada que não sabia direito o que fazer depois de falhar tanto. Fora que toda a tensão da sanidade e os monstros sem parar me desesperavam.
"Face me, and you shall surely perish!"
No fim, cansei e não queria mais ligar o GameCube, lembro que no auge do clichê “garotinha assustada”, eu tive um pesadelo e tinha medo da TV ligar sozinha. Eternal Darkness realmente conseguiu mexer com a minha mente, talvez de forma tão fácil por eu ser bem jovem na época, mas mesmo assim era um grande feito que não se repetiu até hoje. Devolvi o jogo para a locadora e por muito tempo pensei em pegá-lo novamente, para parar de ser medrosa e finalmente terminá-lo, mas isso ficou apenas como um pensamento. Ainda amava aquele jogo, ainda o achava o melhor game de terror que já havia conhecido. Meu irmão, sabendo disto, o me deu de presente em um natal, anos depois de eu ter jogado pela primeira vez. Era hora de vencer os medos e colocar um fim em Eternal Darkness.
Para a minha surpresa, não faltava muito para o fim do game. Aparentemente eu tinha passado por boa parte da história naquele fim de semana, tempos atrás. Faltavam apenas dois capítulos e então o grande final. Tomei coragem e ignorei meu medo dos monstros e dos efeitos de sanidade que apareciam toda hora. Fiz tudo o que precisava, enfrentei Pious Augustus e salvei a humanidade da escuridão eterna. Ou pelo menos eu achei que tinha, a verdade é que para ver o final verdadeiro de Eternal Darkness, é necessário completar o jogo três vezes, uma para cada Ancient: Xel’lotath, Chattur’gha e Ulyaoth. Claro que agora não tinha mais (tanto) medo e consegui terminar o game facilmente mais duas vezes. Ainda tomei diversos sustinhos aqui e ali, o que ainda faz com que Eternal Darkness seja o meu jogo de terror favorito, mas consegui acabar de vez com a Escuridão Eterna... por enquanto pelo menos, já que como diz nossa protagonista, Alexandra Roivas:
"Enquanto eu olhava o antigo que eu tinha trazido a este mundo para derrotar de Pious, meu erro se tornou claro. Ele poderia colocar o mundo à ruína tão facilmente quanto Pious o teria feito. E, no entanto, tão rapidamente como começou, acabou. E pensar que um dia eu não pude ver além do véu da nossa realidade, para ver aqueles que habitam detrás dela. Eu era uma tola..."
Bom, pessoal… esta é minha história com Eternal Darkness: Sanity’s Requiem. No fim, é uma história comum, mas que achei legal para compartilhar com vocês nessa noite de Halloween. Afinal, pensei que muitos de vocês também poderiam ter histórias similares a esta, e peço para que se tiverem, compartilhem conosco através dos comentários!
Revisão: Leonardo Nazareth
Capa: Daniel Machado