3DS

Simbologia, mistério e morte: Seja bem vindo à Aika Village e ao lado sombrio de Animal Crossing New Leaf (3DS)!

em 30/10/2013

 Animal Crossing: New Leaf já está à venda há algum tempo, e cada vez mais podemos ver conteúdos gerados por jogadores – desde roupas e ca... (por HugoH2P em 30/10/2013, via Nintendo Blast)

 Animal Crossing: New Leaf já está à venda há algum tempo, e cada vez mais podemos ver conteúdos gerados por jogadores – desde roupas e caminhos até cidades temáticas – de cair o queixo. Temos uma cidade inspirada nos primeiros Pokémon Red e Blue, outra cujos moradores são somente Leões, retratos desenhados dos mais diversos personagens, camas com o rosto do Reggie e casas com senso de estilo impecável recebidas às vezes pelo spotpass. Mas entre todo esse conteúdo que motivou a Nintendo a criar um pinterest oficial dedicado ao jogo, algo, ou melhor, um local específico se destacou: o Aika Village.

Criado por uma jogadora japonesa relativamente pouco tempo após o lançamento do game, o vilarejo mostrou mais um potencial escondido de Animal Crossing: contar histórias. Usando apenas quatro casas de jogador disponíveis em New Leaf, alguns patterns, quatro manequins, a miríade de itens do catálogo do jogo e uma boa dose de criatividade, a criadora deste ambiente passa uma excelente história sobre a progressão do caso de obsessão e psicose entre garota Aika e sua boneca ao melhor estilo Coraline (um excelente filme em stop-motion, recomendo! ). Agora convido vocês, leitores, a embarcarem nessa viagem pela possivelmente mais famosa vila de Animal Crossing. Aviso, entretanto, que as opiniões expressas neste artigo são conclusões às quais cheguei e não representam uma verdade absoluta. A própria criadora da cidade em questão disse em entrevista que prefere não revelar o que pensou enquanto criava a história de Aika Village, pois a graça está justamente na interpretação pessoal de cada jogador e a conclusão a qual ele chegará. Enfim, vamos logo tirar nosso cochilo na Dream Suite com o Dream Code do Aika Village -  2600-0218-7298 – e prosseguir em nossa jornada.
Como algo bonitinho assim pode ser assustador? Pois em breve você saberá a resposta.

Após um sono profundo, acordamos no meio de uma grande praça deserta, com lâmpadas e fontes. Pela música de fundo, pode-se dizer que é madrugada, entre três e quatro da manhã. Sem conseguir ir para baixo, decidimos andar pelo norte, passando por um caminho adornado de lindas rosas e pessegueiros perfeitos - que, por sua vez, simbolizam a imortalidade na cultura nipônica. Falando em perfeição, podemos notar a presença de uma Jacob’s Ladder, a flor indicando que o local onde estamos atingiu o status de ‘cidade perfeita’. Como percebo pelo mini-mapa, o vilarejo é bastante linear: só existe um caminho a seguir, uma espiral de dentro para fora, deixando bem claro que há uma ordem certa de casas a serem visitadas.

Casa número um: A Família Perfeita.


A representação perfeita
de uma família comum
Retomando nossa trajetória, passamos pela casa do Octavius, o polvo, um dos mais concorridos villagers, mostrando claramente como esses lugares não fazem parte da história (vide a temática Extraterrestre do lar de Octavius), e enfim chegamos à primeira casa de jogador. Muito simples, normal – como tudo até agora – onde somos recebidos pela própria Aika, dizendo algo do tipo “Eu te amo, mamãe!!”. Dentro da casa, vemos o que parece a comemoração de um aniversário. Manequins representando possivelmente o pai, a mãe e uma filha, a aniversariante. Uma cena normal, de uma casa normal, a não ser por um pequeno detalhe que me intriga: a cômoda na frente da porta do quarto dos fundos. Sem poder movê-la ou ultrapassá-la, decido visitar o outro cômodo disponível, no segundo andar. Nenhuma surpresa, é um quarto de brinquedos, com vários itens, incluindo uma boneca de roupa semelhante à da garota Aika. Além disso temos também três quadros provavelmente pintados pela própria menina. Um parece ser a mãe de Aika, estando representados ela, a mãe, o pai e, por fim, o cachorro de estimação da família.

Não tem como não estranhar isso!
Saindo da casa, dirijo-me à ponte para a segunda área do vilarejo. Bem diferente da seção anterior, aqui não há mais flores ou árvores perfeitas e sim dezenas de arbustos e buracos formando um gigantesco labirinto, adornado com diversos doces e algumas luvas perdidas ao longo do caminho. Enquanto sigo até a delegacia, não posso deixar de notar a presença de um megafone perdido em frente à loja Re-Tail. Mas minha curiosidade rapidamente se dissipa ao ver o que os policiais guardavam na seção de achados e perdidos: colméias! Dez colméias sobre as bancadas da delegacia do vilarejo. Embora nesse caso não seja algo relativo a cultura nipônica, é interessante comentar que as abelhas também são associadas como símbolo de imortalidade.

Casa número dois: A Fuga e a Falsidade.

Chegando na segunda casa de um dos jogadores, novamente sou recebido por Aika, com a mesma frase nas linhas de “Eu te amo, mamãe!!”. Tudo parece normal por fora, mas ao entrar fica evidente uma enorme discrepância. Tal qual nos arredores, o cômodo principal da casa possui um grande labirinto; o jogador precisa sentar e girar nos bancos para passar de uma seção à outra. Quando finalmente consigo atravessar o local, percebo que as coisas começam a ficar um pouco estranhas. Este novo ambiente tem as luzes apagadas e está lotado de bonecos, pelúcias e brinquedos, todos de costas para o jogador; voltados à parede ao fundo. Achei estranho e, para meu próprio remorso, quis ver de um outro ângulo aquela situação. Conforme giro a câmera em 180 graus, as paredes antes invisíveis surgem, junto com quadros de dois pares de olhos bizarríssimos pendurados nelas. Saio rápido daquele lugar perturbador e subo para o segundo andar.
Depois de tamanho labirinto somos presenteados com
um belo par de olhos psicóticos.
Com a mudança drástica, o que se nota é algo tentando simbolizar o paraíso segundo o cristianismo, com campos floridos, Adão, Eva, uma maçã perfeita e uma cobra. Analisando mais calmamente, percebemos que as estátua David e Venus empregadas como Adão e Eva, respectivamente, são cópias falsas do Crazy Redd, não obras originais. Mas qual seria o significado? Estariam essas estátuas também representando os pais de Aika e afirmando que eles são falsos, até certo ponto? Ainda é cedo para debatermos isso, então decido checar o porão da casa. Bem bonito para um porão, somos agraciados com o que parece um chá ou refeição entre 12 bonecas, do mesmo modeloque temos visto constantemente. Depois do acontecido com os olhos na parede, decido girar a câmera para ter certeza de que não estou perdendo nada e me surpreendo novamente: atrás da boneca vermelha há nada mais nada menos que um machado! Por curiosidade confiro o quadro da Santa Ceia e não me espanto ao ver a boneca em questão sentada comparativamente onde Judas estaria. Podemos considerá-la uma traidora, então ?
O "Falso Paraíso" de Aika

Do cemitério de cães pra frente,
só piora!
Saindo da casa e andando para o sul, encontramos um cemitério. Ao exumar os "corpos" percebo a peculiaridade de que todos os dez são cachorros. Curiosamente ou não, dez é exatamente o número de Villagers da cidade. Seriam estes animais dos moradores do vilarejo? Conforme sigo até a 3ª casa, percebo que o lugar onde entramos é o extremo oposto do que foi visto no inicio: ao invés de flores e árvores perfeitas temos rabanetes estragados, bambús murchos, ervas daninhas, árvores mortas, troncos podres e por aí vai. Tal oposição à primeira área fica ainda mais clara quando chegamos na frente da terceira casa. Essa é de má qualidade, feita com restos de metais, desde sua porta e paredes até a caixa do correio e a cerca. Além do fato de que, pela primeira vez, há um cômodo em uma das laterais da casa. 

Casa número Três: A Ruína da Obsessão.

Ao entrarmos no terceiro imóvel, o choque é instantâneo: nós damos de cara com a boneca vermelha e seu machado em meio a um labirinto formado por estantes de livros. Não bastasse a visão com a qual fomos agraciados, um radiofone ou seja lá o que for cria um barulho de estática estridente que fica cada vez mais agudo conforme chegamos mais perto. Nas paredes, podemos notar dois quadros: um da familia completa (Aika, mãe e pai) e outro de Aika e sua mãe na mesma posição do anterior. Significaria isso que o pai de Aika deixou a familia? Ou ela não o considera mais parte da família (prefere esquecê-lo)? O cômodo ao leste parece ter sido completamente destruído, com piso e paredes vindos de restos de demolição. Incoerentemente, temos doze lindos ovos ordenados em duas fileiras no chão. Simbolizariam eles a Páscoa? ou quem sabe Jesus e ressurreição? Além dos ovos, vemos também o piano, item comumente associado ao desejo dos pais terem um filho perfeito (na cultura japonesa é comum eles obrigarem seus filhos a desenvolver diversos tipos de habilidades para ter sucesso no futuro, e tocar piano é um dos clássicos exemplos disso).
Todo mundo se assusta, não tem como evitar!
Seria este lugar a cena de um crime?!
Sem ter mais o que ver decido ir para o quarto ao fundo. Simples, completamente em branco, possui muitas folhas espalhadas pelo chão, bem como um trevo de quatro folhas dentro de um livro e um fichário, estes dois últimos protegidos por uma redoma de vidro. Confesso que esse quarto em questão não me inspirou nenhuma teoria maluca ou simbolismo oculto. No máximo, talvez, era Aika que escrevia um diário e, por qualquer motivo, surtou e arrancou várias páginas. Deixo o possível diário de lado e subo ao segundo andar. As coisas não ficam menos estranhas quando encontro um santuário de adoração que acredito ser da mãe de Aika, com muitos móveis e sua figura estampada neles. Para piorar a situação, ainda temos a boneca vermelha assistindo à televisão e a única imagem na tela é estática. Talvez possamos dizer que ela desenvolve algum tipo de obsessão pela mãe, não? No último cômodo da casa, o porão, vejo o que poderia ser um escritório, não fosse pela má iluminação e papel de parede e pisos desgastados. Ah, e também a cama onde alguém morreu. Bem, ao menos é o que parece. Ao que tudo indica, a obsessão da boneca pela mãe de Aika atingiu um patamar insuportável que levou a tramar seu assassinato (vide instrumentos como a máquina de escrever, cartas, ampulheta e a presença tanto da boneca vermelha quanto do quadro da mãe). Mas seria mesmo a mãe que morreu? Como poderíamos saber? A melhor opção seria investigar a última casa!

 O caminho até nossa parada final continua se deteriorando, agora com lixo no chão, mas não muda muito em relação ao que vimos antes. Chegando na casa, ao invés de entrar, eu a contorno e escavo a surpresa escondida: um biscoito da sorte! Sabe-se lá quanto tempo aquilo esteve enterrado, mas decido comê-lo para ler sua mensagem, que diz " O poder muitas vezes é passageiro"... Humm, isso quer dizer algo se você associar com o conceito de morte iminente que temos observado, não?

Casa número quatro: A Família Não Tão Perfeita.


Estaria essa cena representando
uma prisão no sentido literal
ou figurado?
Bem, entramos na última casa e vemos que o layout dos móveis é exatamente igual ao da primeira, até com a mesma música de fundo tocando. Fora a família, que não está mais ali, do lixo no chão e do móvel deslocado para o lado no fundo, tudo se manteve igual. Subo até o segundo andar e me deparo com algo semelhante ao que vimos: um quarto de brinquedos com desenhos de todos. Dessa vez, entretanto, a mãe está riscada de seu retrato, tal qual Aika no da familia e o cachorro no dele. Para deixar ainda mais macabro, temos novamente os brinquedos olhando para a parede e a boneca vermelha com um machado. Será que isso significa que a boneca matou tanto a mãe como a Aika e o cachorro? É verdade que achamos os restos de vários cachorros, mas se a mãe foi morta, por que ela foi riscada no primeiro desenho e não no segundo? Ainda sem respostas, vou para o útimo cômodo, aquele antes bloqueado por um móvel na primeira casa. Ao entrar vemos nada mais nada menos que Aika, sua boneca e o machado cercadas por grades e observadas em quase todas as direções por estátuas do busto de Nefertiti. Mas o que isso quer dizer? Aika e a boneca estariam presas juntas para sempre? Embora essa seja a última casa, existe outro lugar no vilarejo que eu gostaria de visitar antes de tomar alguma conclusão.   


Na praia encontramos uma coisa peculiar que normalmente passaria batido: um par de sapatos vermelhos à beira-mar. Enquanto para nós isso não quer dizer nada, na cultura japonesa, é costume tirar os sapatos antes de cometer suicídio. Ou seja, podemos não saber se a boneca matou de fato a mãe (se for mesmo a mãe da garota), mas com esses sapatos vermelhos posicionados em frente ao mar, fica um tanto claro que Aika realmente se suicidou. No entanto os segredos da praia não param por aí: eu visto minha roupa de mergulho e sigo até a praia secreta (aquela depois da cachoeira). Um pouco antes de entrar na água acho quatro trevos de quatro folhas. Curiosamente (ou não), no Japão esse número é associado à morte (tanto que vários prédios de lá não possuem o 4º andar). Será que eles representariam alguém que teve sorte com a morte? Ou uma morte sortuda? É estranho pensar que algo associado à sorte, como o trevo de quatro folhas, pode ser usado para simbolizar uma coisa tão ruim. 

 Deixando isso de lado, mergulho na água e sigo em direção ao último lugar que falta ser explorado. Nado até o pedaço de areia no canto superior esquerdo do mapa e de cara já percebo que trata-se de mais um túmulo. Este, por sua vez, tem alguns doces e flores como oferendas ao seu redor e, escavando-o, percebo que não é de outro cachorro, mas sim de um ser humano! O item desenterrado, o "esqueleto assustador", além de todo o resto também possui uma boneca vermelha enterrada ao lado! Ainda que o assassinato cometido pela boneca e o suicídio de Aika não sejam explícitos ou conclusivos, fica claro que alguma morte realmente aconteceu. Mas agora que já visitamos todos os cantos deste macabro vilarejo, o que exatamente nós presenciamos?
É nessas horas que agradeço o fato de que todos os
itens de Animal Crossing são retratados como folhas!


Bem, como dito no começo, não existe nenhuma verdade absoluta no que diz respeito à Aika Village. Dado tudo o que vimos e as experiências passadas, cada um pode tirar suas próprias conclusões. Eu pessoalmente acredito que a boneca, por um curto tempo, foi o objeto favorito da garota, mas ela começou a maltratá-la tal qual fazia com os demais brinquedos (por isso eles evitavam o olhar psicopata na segunda casa) e eventualmente os cachorros (levando à sua morte). Aika desenvolveu uma distorcida visão de amor na qual este se relacionava fortemente com a morte e acabou com sua própria mãe, enterrando-a junto ao objeto que desencadeou toda essa compulsão, a boneca vermelha. Quando ela percebe o que fez, não consegue suportar o peso em sua consciência e decide se matar. Eu particularmente gosto dessa visão pois, ao contrário das demais, Aika não é retratada como uma sofredora coitada à mercê da boneca assassina possuída. Mas, como já disse várias vezes, essa é minha visão e não há uma versão definitiva. E quanto a vocês leitores? Já se aventuraram pelo vilarejo da garota Aika? Se sim, quais conclusões tiraram após vivenciar este conto do infortúnio?


Independente de qual seja sua teoria, Aika Village não pode ser considerado um lugar normal... E muito menos comum!

Revisão: Bruno Grisci e Bruna Lima
Capa: Douglas Fernandes
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