Há pouco menos de um mês, defendi a ideia de que o Wii U
parecia estar seguindo os passos do 3DS, portátil que iniciou sua vida com
muitas dificuldades e problemas – que, por um momento, pareceram irreversíveis.
Muitos disseram que a situação era muito diferente, por se tratarem de mercados
diferentes com públicos-alvo diferentes, o que realmente poderia fazer sentido,
se não estivéssemos falando de uma empresa como a Nintendo. Sendo assim, hoje
tentarei, mais uma vez, mostrar de que forma a Nintendo está tentando fazer com
que o Wii U obtenha o mesmo sucesso do Wii. Aliás, será que a Nintendo
realmente precisa atualmente de um console com o mesmo índice de aceitação e
vendas que o Wii teve em sua época?
Mercados diferentes, mesmo público
A Nintendo é uma empresa de sorte. Diferentemente da Sony ou
da Microsoft, que geralmente precisam se esforçar muito para atrair jogadores
que desejem possuir seus consoles, a Big N possui uma base cativa de fãs que
sempre estará disposta a jogar suas franquias exclusivas, e aí está a grande
vantagem que a empresa possui sobre suas competidoras. Apesar do mercado de
consoles portáteis ser bem diferente do mercado de consoles de mesa, algo que
eu realmente vejo como uma verdade, a Nintendo possui know-how em ambos, de
maneira que sabe adaptar seus grandes jogos para qualquer uma das duas
situações.
As duas novas criações de Satoru Iwata |
Consideremos, por exemplo, a franquia Luigi’s Mansion. Em
sua estreia, no GameCube, a Nintendo nos entregou uma aventura curta, porém
focada em sessões extensas de gameplay, de maneira que o jogo não possuía
fases, e sim diferentes áreas que podiam ser terminadas em um só dia. Já no
3DS, Dark Moon apresenta uma estrutura de pequenas missões, que duram cerca de
vinte minutos e que juntas formam uma aventura extensa e gratificante. Deu para
notar a diferença? Enquanto a versão de GameCube foi pensada para ser jogada em
uma tarde descompromissada de domingo, o jogo de 3DS foi criado sob o prisma de
que jogadores de portáteis nem sempre desejam ou podem jogar por uma tarde
inteira, mas sim no decorrer de pequenas partidas que podem acontecer no
caminho à escola ou ao trabalho.
Luigi's Mansion funciona bem tanto em portáteis quanto em consoles de mesa |
Apesar da diferença de ritmo nas aventuras, ambas são
medalhões da Nintendo e qualquer fã da empresa tem interesse em jogá-las. Aí é
que entra a convergência de público da Big N. Ao contrário do restante das
empresas do mercado de portáteis e consoles de mesa, a Nintendo possui seu
público cativo que deseja jogar seus títulos exclusivos de qualquer maneira, de
forma que as vendas de um console da empresa são facilmente alavancadas pelo
lançamento de suas franquias clássicas. O jogador que comprou um 3DS para jogar
Super Mario 3D Land é o mesmo jogador que comprou ou comprará um Wii U para
jogar New Super Mario Bros. U ou Super Mario 3D World, assim como o jogador que
comprou um 3DS por Ocarina of Time 3D é o mesmo que comprará o lindíssimo
bundle do Wii U que contém o remake de Wind Waker e um controle temático da
franquia por um preço reduzido (outra clara referência à estratégia da Nintendo
com o 3DS e seu console temático de OoT).
A edição especial do Wii U começa a ser vendida no próximo dia 20 |
Com isso em mente, é fácil perceber que a estratégia adotada pela Nintendo durante a E3, complementada pela recém-anunciada queda de preço e pelas datas de lançamento para todos os jogos, é voltada exclusivamente para aqueles que, desde o Nintendinho, são fãs cativos da empresa que ainda não tinham encontrado uma boa razão para comprar o console, já que seu lançamento não contou com nada muito grande vindo de seus estúdios internos.
Mesmo se GTA V saísse para Wii U, este seria o jogo do mês para os donos do console |
O melhor dos dois mundos
Com isso, você deve estar pensando: como a Nintendo vai conseguir
obter sucesso na geração atual se ela está buscando apenas seus próprios fãs
com esses últimos anúncios. A resposta é certeira: ela faz isso desde o
Nintendo 64 e sempre obteve mais lucros do que todas as suas competidoras. Em
primeiro lugar, desde o lançamento de seu console 64 bits até hoje, a Big N
sofre do mesmo problema de falta de apoio de thirds em seus consoles. Uns dizem
que a Nintendo não precisa delas, outros dizem que a Nintendo vai falir se não
conseguir seu apoio, ambos com argumentos justos, alguns mais passionais e
outros mais catastróficos.
Que dono de Nintendo 64 reclamou de falta de jogos? |
A verdade é que a Nintendo acabou se tornando uma empresa de
nicho, com uma base fiel de fãs e um número eventual de novos jogadores que
podem ou não gostar do jeito de fazer jogos da empresa. Mesmo com vendas
inferiores às de seus concorrentes, a Nintendo sempre obteve lucros imensos com
seus produtos e é esse o motivo pelo qual ela ainda se mantém sozinha na
indústria, se assemelhando muito à Apple. Contudo, para aqueles que dizem que a
empresa vai falir caso não consiga trazer jogos multiplataforma para o console,
eu pergunto: o apoio vai cair do céu?
GTA V passará longe do Wii U |
A resposta claramente é: não. A Nintendo tem a ciência de
que seus consoles carecem de títulos multiplataforma, mas o único jeito de
atraí-los é obtendo uma boa base instalada que justifique os investimentos das
desenvolvedoras. Se um console não possui uma quantidade satisfatória de
unidades vendidas, é muito claro que poucas empresas vão querer gastar milhões
de dólares para produzir um jogo que poderá vender no máximo cem mil unidades.
Neste contexto, o único meio que a Nintendo tem de atrair desenvolvedores para
seu barco é aumentando a base instalada do console. E como isso seria possível
sem uma enxurrada de lançamentos exclusivamente voltados para os fãs cativos da
empresa?
Splinter Cell: Blacklist é um dos poucos multiplataformas lançados para o console da Nintendo |
Sendo assim, se a empresa obtiver sucesso em sua estratégia,
até o fim do ano as vendas do Wii U tendem a aumentar muito, de tal forma que o
console começará a se mostrar como um investimento mais seguro para as
desenvolvedoras que por sua vez, começarão, aos poucos, a anunciar novos jogos
para a plataforma. Com o 3DS a situação foi exatamente esta. Os grandes
lançamentos de 2011, aliados à queda de preço do aparelho, fizeram com que as
vendas fossem muito alavancadas, o que, por consequência, trouxe diversos
anúncios de novos jogos para o console, que hoje possui uma biblioteca
invejável.
E se tudo falhar?
É claro que a estratégia da Big N é um pouco arriscada, e
nada do que estou dizendo pode se concretizar até o fim do ano. Mas isso é
realmente um problema? Eu acho que não. Como disse há alguns parágrafos, desde
o Nintendo 64, a Nintendo praticamente vive de seus exclusivos e, mesmo assim,
consegue lucros astronômicos com seus produtos. O Wii, mesmo com uma quantidade
absurda de consoles vendidos, não fugiu muito dessa cartilha, a não ser pela
vantagem de ter cativado pessoas que nunca se aventuraram em um videogame por
achá-los muito complexos ou desnecessários.
A Nintendo possui franquias para todos os gostos e idades |
A Nintendo é dona de algumas das mais valiosas franquias da
indústria e cativou um público fiel que nunca deixará de jogar seus títulos.
Enquanto isso for verdade, com ou sem apoio de third parties, a empresa obterá
lucros capazes de mantê-la no negócio. Sendo assim, a Big N está certíssima em
buscar cada vez mais o apoio dos apreciadores de suas séries consagradas. O que
poucos analistas enxergam (ou fingem não enxergar) é que mesmo sem Fifa e Call
of Duty, os fãs de Zelda ou Mario não deixarão de possuir um Wii U, pois só
nele é possível jogar as séries que justificam seu amor por videogames e, para
a Nintendo, as receitas obtidas com isso ainda são suficientes.
Revisão: Samuel Coelho
Capa: Sybellyus Paiva