Quem é o verdadeiro "herói" responsável por The Wonderful 101 (Wii U) - Parte 2

em 21/08/2013

Na primeira parte dessa entrevista individual com o diretor de The Wonderful 101 (Wii U) , fizemos um viagem pelo túnel do tempo e conhece... (por Bruno Seixas em 21/08/2013, via Nintendo Blast)

Na primeira parte dessa entrevista individual com o diretor de The Wonderful 101 (Wii U), fizemos um viagem pelo túnel do tempo e conhecemos seu passado como gamer.
Se você sempre quis saber como funciona a cabeça de alguém como ele e como que se começa uma carreira nessa área, aqui há algumas respostas. Além disso, vamos descobrir qual a importância dos fliperamas e da série Resident Evil em sua vida.

A resposta está nos games

Iwata:  Pelo o que parece, você jogou bastante fliperama também.

Kamiya:  Joguei. Graças às viagem ao fliperama perto da escola preparatória, eu tive uma experiência real e profunda com a era de ouro dos fliperamas dos anos 80. Nessa época, nós nos empolgávamos toda vez que aparecia uma máquina nova, ficávamos: “Uau! Olha isso!”

Iwata:  Nessa época, quando as pessoas que gostavam de games ouviam falar sobre um videogame novo na cidade vizinha, eles eram tão apaixonados que viajavam uma boa distância para poder jogar.

Kamiya:  Quando eu estava no ensino fundamental, o fliperama em frente à estação ficava fora dos limites da escola, e havia uma norma escolar contra as crianças irem sozinhas. Se você quisesse jogar videogames, o único lugar era em uma pequena esquina em um centro de rebatidas perto da escola. Porém, custava 100 yens por jogada, enquanto era apenas 50 yens no fliperama que ficava em frente à estação.

Iwata:  Que grande diferença! (risos) Você pensou se deveria obedecer as normas da escola e pagar 100 yens ou se arriscar para pagar apenas 50 yens?

Kamiya:  Com certeza. No começo, todos iam ao centro de rebatidas. Mas no segundo ano do fundamental, um aluno transferido chamado Machida-kun, apelidado de Macchi, apareceu na cidade e era um pouco sofisticado.

Iwata:  Ah.

Kamiya:  E exatamente nessa época, eu ouvi que o centro de rebatidas comprou o game Dragon Buster. Eu e meus amigos planejamos ir até lá no sábado para jogar. Eu convidei o Macchi para ir junto e — como se não fosse nada especial — ele respondeu: “O centro de rebatidas é caro, vamos para o fliperama.” Isso sem dúvida criou um rebuliço.

Iwata:  (risos)


Kamiya:  Na época, parecia que os fliperamas eram lugares onde os bagunceiros iam se reunir. Foi por isso que todos ficaram chocados, mas também intrigados pelo sensação de fazer algo do tipo. Então, pedimos para o Macchi nos levar até o fliperama que ele estava indo.

Iwata:  Ah, ele já estava familiar com o fliperama da sua cidade? É mais como se o aluno transferido fosse você! (risos)

Kamiya:  Ele deve ter ido muitas vezes desde que chegara a cidade. Eu estava nervoso, mas fui até o fliperama que ele costumava ir. Só que não sabia qual game jogar enquanto olhávamos as demonstrações na tela. Eles podiam custar apenas 50 yens, mas minha mesada era muito preciosa. Portanto, eu assisti os outros jogarem, fiz umas simulações na minha cabeça e ponderei cuidadosamente para que eu não me arrependesse de ter gasto o dinheiro.

Iwata:  Isso é divertido também.

Kamiya:  Pois é. Mas enquanto eu hesitava, escureceu e alguém começou a dizer que deveríamos ir embora. Porém, eu ainda não tinha feito nada, a não ser olhar. Então, pedi que eles esperassem enquanto eu jogava algo.

Iwata:  Uhum.

Kamiya:  Joguei primeiro Road Fighter, que tinha as regras mais fáceis de entender. Essa foi a primeira ficha que usei no fliperama. Eu joguei apenas uma vez e fui para casa. Mas depois disso, todo sábado era dia de fliperama.

Iwata:  Você se soltou e entendeu a emoção dos fliperamas.


Kamiya:  Bom, eu não estudei, então como era de se esperar, não passei no exame de admissão do ensino médio. Mas aquele ano na escola preparatória foi intenso, e isso continuou na vida quando entrei no ensino médio.

Iwata:  Entendi. Porém, jogar videogames dessa maneira, como parte da sua vida, se tornou uma habilidade valiosa.

Kamiya:  Exatamente. Por exemplo, percebi que exibir a imagem dos itens que você pegou, ao invés de mostrar apenas uma lista com seus nomes, é muito mais, assim como ocorre em The Tower of Druaga. Sem perceber, eu aprendi com os simples fliperamas do passado esse tipo de compreensão e estética instintivas.

Iwata:  Eu acho que é surpreendentemente difícil perceber tais coisas simplesmente jogando videogame. Mas assim que se compreende isso e se mantém essa informação organizada dentro de você, é possível recuperá-la rapidamente, exatamente da maneira que você fez. Como que você veio a ter essa perspectiva?

Kamiya:  Hum. Eu não acho que eu mudei.

Iwata:  Então, você sempre teve esse conhecimento à sua disposição?

Kamiya:  Não, e nem sei se tenho agora. Por exemplo, enquanto eu fazia o Viewtiful Joe, eu mesmo criei o mapa, e no começo não conseguia fazer nada divertido.

Iwata:  Viewtiful Joe foi um tipo de jogo de ação completamente novo feito para o GameCube.


Kamiya:  Exato. Eu comecei a desenvolver o jogo quando meu chefe na Capcom, Shinji Mikami, disse: “Tente fazer o processo de design você mesmo.” Antes disso, eu havia me envolvido em grandes equipes que fizeram jogos como Residente Evil 2 e Devil May Cry. Então, era a primeira vez que eu mesmo tinha que criar um projeto e vê-lo ser feito até o último detalhe.

Iwata:  Essa foi a primeira vez que você experimentou fazer algo desde o rascunho.

Kamiya:  Eu já havia visto mapas feitos por outros pessoas, mas era hora de eu fazer um sozinho.

Iwata:  Eu diria que a grande razão disso foi que o Mikami queria te ajudar a crescer.

Kamiya:  Eu acho que sim. Ele também havia vivido na era 8-bits do NES. Acho que ele quis me dar a experiência de começar um projeto com relativamente poucas pessoas.

Iwata:  Uhum.

Kamiya:  Mas eu usei mais o instinto do que a lógica. Quando fiz o mapa sozinho, todos os tipos de problemas começaram a aparecer. Por exemplo, no começo, eu fazia uma plataforma para pularem nela, mas no final, você podia ir direto por baixo sem nem usá-la.

Iwata:  Entendi.

Kamiya:  Simplesmente não era divertido. Então, eu coloquei um item chamado V-film no ar para que os jogadores tivessem que pular. Depois, alinhei vários V-film fazendo a parábola de um pulo, e de repente, percebi o quanto isso era parecido com as moedas do Super Mario!


Iwata:  Verdade? Enquanto as experiências ficavam desorganizadas na sua mente, conforme trabalhava em um processo de tentativa e erro, você encontrou ajuda nas suas experiências passadas e as comparou?

Kamiya:  Exatamente. Quando crio algo, eu não organizo minhas ideias no começo, tipo, “esse jogo vai ser assim e assim, então vou fazer isso e isso.” Ao contrário, eu repentinamente percebo algo num dado momento e digo: “Ah! Foi por isso que fizeram o jogo dessa maneira!” Foi aí que percebi pela primeira vez que eu estava fazendo exatamente o que você queria que eu fizesse.

Iwata:  Isso mesmo! (risos)

Kamiya:  Assim, durante o desenvolvimento de Viewtiful Joe, eu percebi que havia respostas importantes nos games que eu jogava. E desde então, tenho muito mais consciência da estrutura da jogabilidade.

Conhecendo Shinji Mikami

Iwata:  Desde que a Capcom surgiu, você poderia nos contar como que você veio trabalhar aqui?

Kamiya:  Como eu já havia mencionado, eu nunca tentei exatamente me tornar um designer de games. Eu disse aos meus pais, em Matsumoto, que depois que me formasse eu voltaria para minha cidade-natal e procuraria um trabalho.

Iwata:  Ah.

Kamiya:  Eu procurei por trabalho perto de casa e recebi umas ofertas em diversos lugares. Mas ao mesmo tempo, eu ainda queria fazer videogames. Então, sem contar para ninguém, eu mandei propostas de projetos para várias grandes desenvolvedoras de jogos. E, é claro, isso incluía a Nintendo.

Iwata:  Ah, verdade? (risos)

Kamiya:  Eu não acho que a Nintendo estava recrutando planejadores nessa época, mas mandei mesmo assim. Até liguei para o departamento de RH, mas eles disseram: “Não estamos procurando por planejadores agora.”

Iwata:  Eu sinto muito por isso.

Kamiya:  Não, não sinta! (risos)


Iwata:  Qual foi a proposta que você havia escrito nessa época?

Kamiya:  Eu nunca fui bom em explicar coisas escrevendo, então fiz desenhos. Desenhei os personagens, é claro, e também algumas fases e telas de jogo — tudo — incluindo representações da jogabilidade. Acabei recebendo ofertas da Capcom e da Namco, talvez por causa do estilo incomum da proposta.

Iwata:  Entendi. Por que você escolheu a Capcom?

Kamiya:  Para ser honesto, eu gostava da Namco, então eu lutei por ela. Mas eles falavam sobre me usar como designer. Pensando agora, eu acho que começando de ambas maneiras teria dado na mesma. Muitas pessoas vão de designer para planejador.

Iwata:  Com certeza, muitas pessoas.

Kamiya:  Mas no final — e não foi algo que eu mesmo escolhi — me colocaram no departamento do Mikami, o que foi muita sorte.

Iwata:  Por causa dele ter sido seu mentor?

Kamiya:  Exatamente. Eu sou muito agradecido a isso. Não estou exagerando se disser que eu não estaria aqui hoje se não fosse por isso.

Iwata:  O que você quer dizer exatamente?

Kamiya:  Hoje, eu estou mostrando minha refinada dedicação aos videogames, mas, quando entrei na Capcom, eu não era muito exigente em relação a isso.

Iwata:  Você amava videogames, e dedicava sua energia a eles, mas faltava um senso de obsessão em relação a eles.

Kamiya:  Isso mesmo. Eu tinha minha força de vontade em relação a eles, mas quando as coisas ficavam difíceis durante o caminho, eu pensava: “Já está bom assim.” Era importante ter essa atitude relaxada arrancada de mim.

Iwata:  Como se fosse um tipo de motivação esportiva?

Kamiya:  Exato. Fisicamente. (risos) Como se chutasse uma cadeira e gritasse: “Se não nos dedicarmos a isso, vocês sabem o que vai acontecer com esse game?!” O primeiro grupo que participei na Capcom estava trabalhando no primeiro jogo do Resident Evil. Eu trabalhava para o Mikami como planejador.

Iwata:  Do primeiro Resident Evil?


Kamiya:  Quando me juntei à companhia, o projeto já estava em andamento, mas ainda tinha o nome experimental “3D Horror”, e estava sendo submetido a repetitivas pesquisas e desafios. Era o primeiro jogo verdadeiramente poligonal da Capcom.

Iwata:  É verdade.

Kamiya:  Na época, eu estava um pouco desanimado com os jogos da Capcom por causa da sua devoção unilateral ao 2D. Então, quando eu o vi pela primeira vez durante uma orientação, eu pensei: “Isso é ótimo! Quero me juntar à equipe!” Mais tarde, eu fiquei sabendo que como o game era parecido com um filme, eles estavam pensando em colocar pessoas na equipe que pudessem desenhar um storyboard.

Iwata:  Ah, então foi por isso que a sua proposta ilustrada chamou a atenção deles.

Kamiya:  Exatamente. Eles sabiam que eu podia desenhar e me colocarem na equipe do Resident Evil.

Iwata:  O que você aprendeu com o Mikami?

Kamiya:  Ele foi o primeiro na Capcom a criar o estilo de equipe em que o diretor é responsável pela parte central do game. Até então, a atmosfera na Capcom era de todos fazerem os jogos juntos, e ainda era assim quando eu me juntei a eles. Então, houve uma grande repercussão e um choque ao ser atribuída ao diretor autoridade absoluta. Eu costumava ser contra isso também.

Iwata:  Ah.

Kamiya:  Por exemplo, o grupo nos níveis de base presumiu que precisaríamos aumentar a ação, e reclamavam para o diretor como estávamos frustrados de, por exemplo, não poder fazer o personagem se mover mais rápido. O diretor, porém, dizia que a temática do jogo era o medo, então isso deveria continuar dessa maneira, e recusava o pedido. E quando eu joguei a versão completa final, pude ver claramente por que o Mikami não havia cedido.

Iwata:  Você começou a perceber como o Mikami via algumas coisas que você, como um dos muitos membros da equipe, não via.

Kamiya:  É isso mesmo.

Iwata:  A maneira de operar do Mikami estabeleceu algo que você usou como diretor?

Kamiya:  Sim. Logo após isso, quando ele me fez diretor do Resident Evil 2, eu fiz uma grande besteira. Por dizer sim para tudo o que surgia, o jogo acabou ficando horrível. Nós precisamos jogar fora o que havíamos gasto um ano e meio fazendo.

Iwata:  Justamente pelo diretor arcar com a completa responsabilidade pelo resultado, ele tem a autoridade de tomar todas as decisões.


Kamiya:  Tudo o que não funcionava, era por minha culpa como diretor. Resident Evil 2 estava recebendo atenção como um dos novos grandes títulos da Capcom, então a notícia se espalhou rapidamente pela empresa. Eu sentia como se as pessoas estivessem me olhando na cafeteria e dizendo: “É ele! O cara que arruinou o Resident Evil 2!” Foi um choque muito duro.

Iwata:  Deve ter sido uma experiência bem depressiva já que você era jovem e estava na empresa há apenas três anos.

Kamiya:  Mas o Mikami me manteve como diretor, ao invés de dizer: “Esse cara fez besteira, portanto, ele não é bom.”

Iwata:  Ao invés disso, ele disse: “Por ele ter feito besteira, ele aprendeu algo.”

Kamiya:  Exatamente. Foi muito importante ter recebido essa chance. Eu pensei bastante sobre o que havia dado errado. Estava tomando decisões sem nenhum visão, e entre todas as pressões, diminuí meu critério de aprovação. Além disso, e acima de tudo, foi importante como eu pessoalmente sofri desastrosos resultados disso.

Iwata:  Embora essa experiência tenha sido dura, também foi uma incrível benção.

Kamiya:  Eu realmente acho que sim.

Iwata:  Estou tocado pela maneira como o Mikami confiou em você novamente. Ele deve ter visto algo em você.

Quer descobrir de onde vem tantas idéias? Será que é uma ajuda divina? Não deixe de ver a última parte da entrevista!

Fonte: Iwata Asks - Nintendo
Revisão: Samuel Coelho
Capa: Hugo Henriques Pereira


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