Song of Storms: um paradoxo temporal em meio à linha do tempo maluca de Zelda

em 05/05/2013

Abençoado seja o dia em que a luz da deusa Hylia pairou sobre a cabeça de Shigeru Miyamoto  para fazer do tempo um tema recorrente nos ... (por Gabriel Toschi em 05/05/2013, via Nintendo Blast)



Abençoado seja o dia em que a luz da deusa Hylia pairou sobre a cabeça de Shigeru Miyamoto para fazer do tempo um tema recorrente nos textos da série The Legend of Zelda. Além de ser uma ótima e eficiente desculpa para aquela linha do tempo maluca e complicada que Hyrule Historia nos revelou, ele acompanha muito bem todo o enredo da série. Em Ocarina of Time, entretanto, foi que o material de estudo da cronologia começou a ter uma grande importância: Link podia viajar no tempo!

Tudo bem que era para apenas dois pontos do espaço-tempo separados por sete anos e isso só era feito tirando e colocando a Master Sword no templo, mas não deixa de ser uma viagem no tempo, não é mesmo? Porém, Zelda é assombrado por um pequeno problema científico que também está presente em praticamente toda a ficção onde as viagens temporais são possíveis. Não importa se você tem um DeLorean e um casaco laranja legal, uma TARDIS e uma chave de fenda sônica ou se é um super-herói e tenta retroceder o tempo girando em volta da Terra (o que mataria todos nós, na verdade; Super-Homem burro!): os paradoxos temporais vão estar lá para te impedir. Ou pelo menos em tese.

Para uma total compreensão do que vamos falar hoje, é importante entender o que é um paradoxo temporal. De acordo com o oráculo máximo da internet, a Wikipédia, paradoxo é “uma declaração aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica, ou a uma situação que contradiz a intuição comum”. Assim, um paradoxo temporal é uma situação que acaba se desenvolvendo por causa de uma viagem no tempo que tem formato de paradoxo, ou seja, que produz uma contradição lógica dos fatos.

Trovões espaço-temporais

Tudo isso parece coisa de filme de ficção científica? Muito bem, então, é hora de irmos à Hyrule de The Legend of Zelda: Ocarina of Time, primeiro jogo que permite a viagem no tempo na série, para ouvir uma música. Na verdade, a música: Song of Storms (a partir de agora, teremos alguns spoilers sobre a história do jogo).



Em Ocarina, você a aprende já quando adulto, dentro do moinho de vento de Kakariko Village. Ao falar com o velho Guru-Guru dentro da construção, ele te ensina a música e diz que a aprendeu com uma criança vestida de verde que segurava uma ocarina. De toda forma, ela ainda pode fazer com que você cause tempestades, mesmo dentro do moinho: é uma música mágica e a falta de nexo em formações de nuvens dentro de um lugar fechado não é nosso foco.


Essas tempestades podem causar o aparecimento de fadas e o crescimento de feijões mágicos, mas a sua principal função é conceder acesso a um mini-calabouço em Kakariko Village, Bottom of the Well (aquele dentro do poço, onde está a Lens of Truth). Para tal, você deve deixar a Master Sword no templo, voltar sete anos no tempo e ir até ao mesmo moinho de vento tocar a música, fazendo o moinho acelerar e secar o poço.

Percebeu o que aconteceu? Link, quando adulto, vai ao moinho e aprende a música do homem, que diz ter aprendido com um garoto de roupa verde que tocava ocarina. Link, quando criança, tem de ir ao mesmo moinho, de roupas verdes e ocarina, para tocar a mesma música ao mesmo homem. Considerando que é bem improvável de uma criança hyruleana estar de roupas verdes tocando ocarinas por aí, que Link se veste como um Kokiri e que estes seres não podem sair da floresta, então, provavelmente, não teria outro garoto de roupas verdes e ocarina neste período de tempo. Isto só nos leva a uma conclusão:

Link aprendeu a música que ele mesmo ensinou?

Bem, é o que parece. Siga o raciocínio: Link adulto aprende a música que Link criança, após voltar no tempo, ensinou. Ele só poderia ter ensinado se já tivesse aprendido e só poderia ter aprendido se alguém já tivesse ensinado ao velho do moinho. Conclusão? Paradoxos temporais não são coisas apenas de ficção científica: a Song of Storms é uma pedra no chinelo das viagens no tempo de Link.

Hora de tentar entender se isto seria possível e por quê. Claro que sabemos que viagens no tempo não são possíveis no mundo real e usaremos teorias criadas por outras pessoas, incluindo aquelas usadas dentro dos filmes de ficção científica. Agora, para dar um clima, dê play na música e vamos entender como uma simples canção pode causar tantos problemas assim.


A lógica por trás de um paradoxo

A definição de paradoxo temporal, como já vimos antes, é bem abrangente e acaba por existir diversas situações meio complicadas de se ver. Talvez o mais famoso seja o conhecido por Paradoxo do Avô: você volta no tempo e mata um antepassado próximo seu, como seu pai ou seu avô; logo, você não teria nascido e não poderia ter voltado no tempo para matar o seu parente. O que acontece com a Song of Storms é algo parecido, mas envolve informação em vez de família.



A situação em que Link se mete nessa música pode ser sintetizada assim:
  • Quando adulto, aprende a música com o velho;
  • Volta no tempo;
  • Quando criança, ensina a mesma música ao velho que o ensinou.
Essa situação é conhecida na ficção científica como Paradoxo dos Loops de Informação (ou Bootstrap Paradox, em inglês). É quando uma informação é enviada do futuro para o passado se tornando a fonte original desta mesma informação, na qual vai ser usada no futuro. Neste caso, a informação é a própria Song of Storms.

Se você ainda não entendeu, temos alguns outros exemplos. Lembra-se da música-tema de Back to the Future - De Volta para o Futuro aqui no Brasil - que (provavelmente) está tocando? No primeiro filme da trilogia da série, o protagonista Marty McFly toca a música Johnny B. Goode no ano de 1955, ao voltar no tempo. Só que essa música é ouvida por telefone por Chuck Berry, criador da música, que a lançou em 1958 e pelo qual Marty aprendeu a tocá-la. Um exemplo mais simples? “Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?” Sem ovos, não haveria uma galinha. Sem galinha, não haveria ovos. Ou seja, um completa o outro, assim como o aprendizado das músicas de Link e Marty.

Mas isto não é possível! Como um completa o outro?

Você finalmente entendeu o que um paradoxo faz: ele faz toda a lógica do mundo quando dizemos que “um completa o outro”, mas não tem lógica nenhuma ao se perguntar como isso aconteceu. Não existe um ponto inicial, ou seja, não se sabe se Link aprendeu ou ensinou a música primeiro. Existem algumas explicações para viajantes do tempo fugirem dos paradoxos, porém, uma interessante para tentar explicar o caso da Song of Storms é a das dimensões paralelas.

Em tese, ela é bem simples: cada vez que alguém viaja no tempo, cria uma dimensão paralela à original e viaja nela, fazendo com que cada alteração nessa dimensão paralela não atinja a original da qual o viajante saiu. Assim, Link pode ter aprendido a música em uma outra dimensão, criada quando voltou ao tempo futuro; e haveria ensinado a música também em outra dimensão, quando voltou ao tempo passado. Ou talvez algo bem mais complicado, contando que ele, no mínimo, já teria criado uma outra dimensão ao ficar sete anos preso dentro do templo, assim, “viajando no tempo”, além de outras alterações de tempo-espaço.

E, por mais que tenhamos descartado por ser bem improvável, existe a hipótese de haver outra criança com roupas verdes e ocarina andando por Hyrule e que tenha ensinado a música para o velho do moinho. Vai saber, não é mesmo?

Você, leitor, teria a coragem de colocar seus neurônios para funcionar e deixar sua opinião sobre isso? Como você explicaria essa música, que além de ser mágica por fazer trovões, pode fazer uma grande tempestade no nosso cérebro ao tentar entender a bagunça temporal que causou?

Revisão: Lucas Oliveira
Capa: Felipe Araujo
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sempre com projetos criativos, estranhos ou os dois ao mesmo tempo. desenvolvedor de software, game designer e escritor sobre as coisas que eu gosto.
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