Apesar de ter sido um excelente console e de ter recebido
vários jogos que até hoje são considerados alguns dos melhores já lançados em
todos os tempos, o Nintendo 64 sempre sofreu bastante por não ter recebido tantos jogos
quanto seu concorrente, o PlayStation. Os fãs do gênero RPG foram os
que mais sofreram na época, já que a Squaresoft (atual Square Enix), grande
parceira da Nintendo em gerações anteriores, parou de apoiar a Big N graças à
sua equivocada ideia de manter cartuchos como mídia para seu poderoso console.
Dentre os poucos RPGs lançados, alguns devem ser lembrar de
Hybrid Heaven, jogo produzido pela Konami que mistura elementos de thrillers
sci-fi com jogos de ação e RPG tradicionais. Descubra agora as razões pelas
quais este é um dos títulos mais underrated do Nintendo 64!
Ameaça subterrânea
Faltando poucos dias para o Natal, ainda no ano 2000, o
presidente dos Estados Unidos viaja até Nova Iorque para negociar um tratado
anti-armas nucleares com a Rússia sem saber que uma ameaça ainda maior lhe
aguardava. Acontece que em algum lugar, abaixo da grande metrópole, há uma base
habitada por uma raça constituída de clones geneticamente modificados que
pretende dominar todo o mundo traçando um plano de conquistar inicialmente toda a
América. Neste contexto, Diaz, um híbrido badass que vê tomado por
misteriosas vozes em sua cabeça, assassina o clone de Johnny Slater, um agente
de confiança do presidente e parte para a base subterrânea para destruir aquele
lugar.
O enredo do jogo é simples, mas algumas reviravoltas durante a
trama garantem que o jogador sinta-se imerso àquela sombria aventura até a sua
emocionante conclusão. O que realmente chama a atenção no jogo é sua
ambientação, que graças à excelente e sombria trilha sonora, possui um clima
pesado e angustiante (até porque estar em uma base subterrânea cheia de
monstros estranhos querendo te matar não deve ser nada muito agradável). Os
cenários não são lá muito variados. Industriais e frios, os locais servem
apenas de cenário para o desenrolar da trama e para as batalhas contra os mais
variados e bizarros monstros já vistos em jogos para o Nintendo 64.
Progressão lenta
Hybrid Heaven não é indicado para os aficionados por jogos
de tiro com ação intensa, ou mesmo jogos de ação nos moldes de Metal Gear Solid
(PS). Contudo, conceitualmente, o jogo pode passar essa impressão, já que durante os momentos de
exploração a jogabilidade é muito influenciada pelo clássico da Konami. Diaz
pode realizar boa parte dos movimentos realizados por Snake na obra prima de
Kojima, mas quando inimigos são encontrados, a dinâmica do jogo se modifica
completamente. Apesar das batalhas não ocorrerem com a rigidez dos turnos de
Final Fantasy, já que o jogador pode se movimentar livremente pelos cenários
durante esses momentos. Para atacar, é necessário abrir um menu em que você
deve selecionar a forma com que desferirá o golpe em seu inimigo. E aí entra a
maior sacada da Konami na criação do título. Isso porque os ataques são
corporais, e cabe ao jogador selecionar se o golpe será um chute ou um soco e
se estes serão altos, baixos etc. Com isso, o jogador não treina seu personagem
nas batalhas, e sim seus membros, que vão ficando mais fortes ou mais
debilitados conforme você progride na aventura. Tal solução faz com que o
jogador não se limite a utilizar sempre os mesmos golpes, já que isso faria com
que Diaz possuísse uma força desproporcional entre seus braços e pernas, o que
dificultaria bastante o progresso em certos momentos que exigiriam determinada
habilidade do personagem.
Além disso, durante as batalhas, o protagonista também pode se machucar em partes específicas de seu corpo, o que estimula ainda mais o
jogador a construir um personagem equilibrado. Heaven é um jogo difícil e lento,
não sendo indicado para qualquer tipo de jogador, mas para os que gostam de treinar
seu personagem e criar estratégias para vencer batalhas o jogo é um prato
cheio. Para tornar tudo mais interessante, ainda é possível criar diferentes
combos conforme se vai avançando no jogo e, se Diaz consegue sobreviver a golpes muito
fortes dos inimigos, ele os aprende ao final da batalha, o que incentiva ainda mais os jogadores a não fugir das lutas, por mais difíceis que elas possam parecer.
Arquivo X em corredores genéricos
Talvez o maior problema de Heaven esteja em seus cenários
genéricos e sem inspiração. Claro que não dá para esperar muita variedade
quando temos um jogo que se passa em apenas um lugar e foi criado para um
hardware deveras limitado se comparado aos consoles atuais aos quais estamos
acostumados. Contudo, a mesma Konami que desenvolveu Hybrid Heaven desenvolveu
Metal Gear Solid um ano antes em um console mais limitado que o Nintendo 64 e,
mesmo se passando também em apenas um lugar, nunca deixava a impressão de que
os cenários eram reciclados e genéricos. Vários jogos lançados anteriormente
para o próprio console da Nintendo eram muito mais variados e possuíam uma arte
mais chamativa. Mesmo assim, tecnicamente o jogo é muito belo, com efeitos de
luz bastante avançados para a época.
No entanto, o que rouba a cena no jogo é o design dos inimigos,
sendo alguns assustadoramente engraçados e outros apenas assustadores. A Konami
quis criar monstros que passassem medo ao jogador, e admito que quando joguei o
título pela primeira vez, com menos de dez anos de idade, senti um pouco do que
o jogo se propunha a passar. Mas olhando direito para cada um dos inimigos do
jogo atualmente, percebo que boa parte deles está muito mais para engraçado do que assustador (ou você teria medo de
um monstro usando uma saia?). Mesmo assim, o clima proporcionado pela trilha
sonora e a ambientação em geral é tão angustiante e claustrofóbico que os
monstros acabam desempenhando bem o seu papel.
Falando em trilha sonora, a Konami sempre foi referência na
criação de trilhas imersivas para os seus jogos, desde as franquias consagradas
como Castlevania até jogos mais simples ou novas franquias, tal como o próprio
Hybrid Heaven. Como já dito, as músicas presentes no game transmitem um clima
muito pesado, que casa perfeitamente com a trama, que é muito sombria e algumas
vezes até apocalíptica. O não uso de música em momentos oportunos também é um
artifício pensado pela Konami para maior imersão dos jogadores, de maneira que
a fantástica ambientação e melancolia de Heaven tocará os aficionados por
ficção científica e tramas de dominação mundial.
Esquecido
Hybrid Heaven recebeu boas avaliações em seu lançamento, mas
como quase todos os jogos de terceiras lançados para consoles da Nintendo,
acabou ficando ofuscado diante dos títulos da própria desenvolvedora e das
pérolas da RareWare, maior parceira da Big N no período. Contudo, para os
amantes de RPG e ficção científica, Heaven é uma bela pedida, e trouxe
inovações que mal foram notadas pelos jogadores da época. Uma pérola esquecida
do console de 64 bits da Nintendo.
Revisão: Samuel Coelho
Capa: Douglas Fernandes e Daniel Machado