Depois de narrarmos toda a história da Nintendo, da Camleot e outras desenvolvedoras, a coluna “Chronicle”dá lugar a outra grande empresa de games. Dessa vez, você confere a saga da Retro Studios, responsável por grandes títulos como Metroid Prime (GC) e Donkey Kong Country Returns (Wii). Em um contexto no qual as third-parties dominantes são aquelas que trazem uma longa história nas costas (como Capcom e Konami), a Retro Studios nasce como uma desenvolvedora independente, mas com exclusividade para plataformas Nintendo. Saiba como ela passou de mera softhouse para uma das empresas de maior confiança dos jogadores.
O nascimento
Apesar de ter sido fundada em outubro de 1998 por Jeff Spangenberg, a Retro Studios tem toda uma história por trás de si. Sua criação veio de um acordo entre a Nintendo e a desenvolvedora Iguana Entertainment . A Iguana estava nas mãos da Acclaim Entertainment, que desenvolveu e divulgou games como Mortal Kombat (Arcade) e South Park (N64) Mas o interesse da Big N, naquele momento, estava no Game Cube e em criar games mais adultos. Neste aspecto, a Iguana Entertainment chamava atenção pelo seu título Turok: Dinosaur Hunter, bem recebido no N64 pelas violentas caças a dinossauros em uma mecânica FPS.
Mesmo sem tanto reconhecimento, os funcionários começaram com quatro projetos simultâneos para o GC. É claro que isso exigiu algumas modificações. O número de 25 empregados (muitos da antiga Iguana Entertainment ) mais que quintuplicou e a sede foi feita na capital do Texas, Austin (uma das melhores cidades para se viver). Apesar desses investimentos, a coisa não estava tão boa assim. A criação dos quatro games começou sem um kit de desenvolvimento da Nintendo e as equipes de trabalho agiam sem cooperação. Diante de tamanha desorganização e crítica por parte dos superiores, um certo homem visitou a sede da Retro Studios em 2000. Seu nome você conhece muito bem: Shigeru Miyamoto. O criador de Mario e Zelda torceu o nariz para as criações da empresa, com exceção para uma mecânica de tiro em primeira pessoa (FPS). E a promessa de novo milênio para a Retro Studios não podia ser outra: reviver a série Metroid.
O primeiro presidente (e fundador) da Retro Studios foi Jeff Spangenberg. Ele foi demitido por conta de suas raras aparições no local de trabalho, além de má conduta como presidente, o que envolvia usar fotos ao lado de mulheres seminuas em um site registrado no endereço da empresa. O substituto foi Steve Barcia (ao lado), que já era empregado da Retro Studios e acompanhou a empresa até sua renúncia em 2003. Michael Kelbaugh entrou em seu lugar e mantém o cargo até hoje.
O primeiro (grande) desafio
A franquia Metroid havia alcançado um alto nível de excelência em Super Metroid (SNES), mas, na era do N64, a única participação de Samus Aran foi em Super Smash Bros.. Com o GameCube e seu poderio gráfico incrível para a época, os fãs não aceitariam qualquer coisa para chamarem de “renascimento da série Metroid”. Trazer de volta Samus não poderia ser encarado de forma diferente pela Retro Studios: era um projeto extremamente difícil e trabalhoso. Para tornar-se realidade, algumas medidas foram tomadas. Uma grande peneira retirou mais de 100 funcionários da empresa, incluindo o então presidente Jeff Spangerberg (leia o box acima para saber o porquê), e admitiu poucos novos trabalhadores. Além disso, os games que estavam sendo desenvolvidos foram cortados, o que inclui o RPG Raven Blade (leia o box abaixo para saber mais dos projetos cancelados). Com o foco todo voltado para o novo Metroid, a Retro Studios deu início ao desenvolvimento com uma quantia de 1 milhão de dólares em investimentos da Nintendo.
Imagens iniciais do desenvolvimento de Metroid Prime mostram que ele nem sempre foi um jogo de tiro em primeira pessoa, mas um em terceira
Apesar do empenho, o desenvolvimento de Metroid Prime contou com alguns embargos. Primeiramente, nem todos os fãs reagiram bem ao fato do jogo ser um FPS em vez de uma tradicional aventura 2D. Além disso, o próprio projeto exigia demais de uma empresa com pouca experiência. Cumprir os prazos da Nintendo ocasionou em cargas horárias de até 100 horas semanais! Mas a recompensa foi indiscutível. Metroid Prime (GC), lançado em novembro de 2002, foi muito bem recebido pela crítica, galgando inúmeros prêmios. Em questão de vendas, ele não decepcionou, tornando-se o game da franquia Metroid mais vendido e o segundo de todos os jogos do Game Cube (atrás apenas de Super Smash Bros. Melee ). Mesmo assim, não esteve livre da maldição comércial da série Metroid. O visual muito bem feito, a trilha sonora imersiva e a mecânica que elevou o conceito de FPS ao de FPA (first-person-adventure) fizeram deste um game atemporal, daqueles que nunca parece obsoleto. Infelizmente, um game de tiro em primeira pessoa afastou muitos jogadores japoneses e fez de Metroid uma série tipicamente ocidental.
Esqueceram da gente!
Quando foi solicitada a produção de Metroid Prime, a Retro Studios abandonou seus projetos para concentrar-se no game de Samus Aran. O primeiro deles foi um game de ação e aventura (de codinome Action-Adventure), usado como base para Prime. Um protótipo avançado de um jogo de corrida e batalha também foi posto de lado. O projeto é bem curioso, pois, segundo a Nintendo, mistura estilos de Mario Kart 64 (N64) e Street Fighter II (SNES). Um simulador de futebol americano também foi feito, originalmente para ser um Mario Football. Fora esses, havia também o RPG Raven Blade (ao lado), que chegou a ser apresentado na E3 de 2001.
Metroid, Metroid e mais Metroid
O sucesso de Metroid Prime rendeu à Retro Studios o reconhecimento que merecia. Como podia uma empresa desconhecida competir com games como Halo (Xbox)? No entanto, a vitória ainda não estava garantida. A própria série Halo lançou sua sequência, Halo 2, que, com um modo multiplayer, assegurou vendas ainda mais expressivas que o primeiro game. A resposta da Retro foi Metroid Prime 2: Echoes (GC). A Nintendo exigiu que o game fosse lançado pouco antes do Natal de 2004, o que implicou em uma correria para cumprir os prazos. Para se ter uma idéia, mais de 2/3 do jogo foram concluídos pouco antes do lançamento. Isso obrigou a Retro Studios a reciclar muito do material do primeiro Metroid Prime. O enredo mais sério tirou o foco dos Metroids e Space Pirates, trazendo à tona a alternância entre os planetas Aether e Dark Aether. Interessante que, para se acostumar com esse conceito de mundos paralelos, a Retro Studios entrou em contato com os produtores de The Legendo of Zelda: A Link to the Past (SNES), que traz característica semelhante. O conflito entre bem e mal também deu margem para a criação de Dark Samus, notório rival de Samus inspirado em uma batalha de Metroid: Zero Mission (GBA) em que a heroína enfrenta sua versão espelhada.
Uma aventura mais longa, difícil (a atmosfera de Dark Aether causava dano continuamente) e com suporte a multiplayer não deu para menos: as vendas ultrapassaram 1 milhão de cópias e a crítica ovacionou. Interessante ressaltar também uma campanha de marketing viral feita pela Nintendo, que fazia os espectadores mergulharem no mundo de Metroid como se ele fosse real. A Retro Studios cooperou com a Nintendo Software Techonology na produção de um spin-off da série Prime para o DS, Metroid Prime Hunters, cujo foco ficou para seu multiplayer online. Mas no que a Retro Studios realmente arregaçava as mangas para tornar realidade naquele momento era Metroid Prime 3: Corruption (Wii).
Ao contrário dos primeiros dois games da trilogia, Corruption excedeu os prazos da Nintendo e foi adiado algumas vezes, perdendo a oportunidade de ser um título de lançamento do Wii. Para se ter uma idéia, foi um projeto que se iniciou no GC para depois chegar ao novo console. Apesar disso, Reggie Fils-Aime (presidente da Nintendo americana) dizia que “quando o jogo for lançado, será perfeito” e permitiu que os jogadores acompanhassem de perto as novidades do título através de um canal específico no Wii. Uma das ideias era usar o recurso WiiConnect 24 para fazer o download de conteúdo extra, mas nem mesmo o esperado multiplayer online o game recebeu. Mesmo assim, o visual ainda mais refinado, o aumento na quantidade de dublagens e os controles por movimento permitiram uma experiência de jogo excelente, que rendeu vendas expressivas e mostrou o poder do Wii, em que muitos jogadores desacreditavam.
O respeito merecido
Apesar da controvérsia por trás de Metroid Prime, é certo que a Retro Studios fez um trabalho exímio com a série, seja no aspecto artístico, seja na jogabilidade. Para deixar marcada sua presença no mundo dos games para sempre, a Retro Studios decidiu relançar Metroid Prime e Metroid Prime 2: Echoes no Wii (console mais popular do que o GC), o que daria mais visibilidade para o trabalho da empresa. No Japão, ambos foram lançados como parte da linha de títulos New Play Control, ao lado de outros clássicos do GC, como Pikmin e Mario Power Tennis. Na América e Europa, o tratamento foi muito mais digno, dada a recepção ocidental à série Metroid Prime, muito mais relevante que a japonesa. Os três games da trilogia Prime foram compilados em Metroid Prime Trilogy, lançado em 2009 em um DVD de dupla camada cuja capa é metálica e traz dentro muito conteúdo extra. Os dois primeiros games da série tiveram a jogabilidade modificada para o padrão usado em Corruption, além de uma singela remasterização gráfica. Infelizmente, hoje em dia é raro encontrar Trilogy à venda. Mas engana-se quem pensa que a ideia surgiu com o lançamento de Corruption; desde o fim do desenvolvimento de Echoes, o produtor sênior Bryan Walker já havia proposto juntar os games em uma trilogia para agradar os fãs. O fato é que com a trilogia Metroid Prime, a Retro Studios não deixava dúvidas de que merecia todo o respeito adquirido.
O retorno do macacão
Ok, chegou a hora de pensar no futuro e rumar para novos horizontes. O fim do trabalho em Metroid Prime não significou férias para a Retro Studios, pois a desenvolvedora logo recebeu a difícil missão de reviver a aclamada série Donkey Kong Country. O presidente da Retro Studios, Michael Kelbaugh, tinha trabalhado na série na época do SNES e havia interesse dele em trazê-la de volta. A tarefa foi árdua. Mais uma vez, os fãs pressionavam a equipe a não fazer feio, mas os prazos impostos não ajudavam.
O objetivo era que o game estivesse disponível antes das festas de fim de ano de 2010, mas, entre o anúncio na E3 2010 e o lançamento, mais de 70 estágios tiveram de ser refinados e criados. A equipe teve de lidar com muito mais texturas e modelos 3D do que com Metroid Prime, tudo para fazer algo impecável. O resultado foi uma experiência de jogo que faz jus ao clássico do SNES (rendendo mais de 5 milhões de cópias vendidas e o posto de segundo game mais vendido da série), mas com um estilo próprio também. Donkey Kong Country Returns foi eleito como um dos melhores games para Wii e também como um dos mais difíceis da atualidade.
São impressionantes a qualidade e o estilo das artes conceituais de Donkey Kong Country Returns. Bem que podiam criar um jogo com estilo de arte, não?
O trabalho indiscutivelmente nobre com Country Returns rendeu à Retro Studios participação no desenvolvimento de Mario Kart 7 (3DS). A empresa cuidou da criação do estágio dedicado ao novo jogo do macacão. Com as vendas baixas do 3DS, a equipe da Nintendo precisou apressar a produção para disponibilizar o novo Mario Kart antes do Natal de 2011, o que exigiu que a empresa solicitasse à Retro Studios para criar os 16 circuitos retrô do jogo. O resultado foi muito bem recebido pelos fãs por conta da nostalgia e das novidades implementadas.
Os games da Retro Studios têm como grande ícone em suas trilhas sonoras o compositor Kenji Yamamoto (ao lado). O artista já havia trabalhado nas músicas de Super Metroid e trouxe o clima futurista e obscuro da trilogia Metroid Prime (incluindo Metroid Prime Hunters) à tona, mérito também de Kouichi Kyuma. Kenji também esteve por trás das músicas de Donkey Kong Country Returns, as quais foram inspiradas pelo trabalho de David Wise, compositor da trilogia Donkey Kong Country original e responsável por composições aclamadíssimas, como Stickerbrush Symphony.
O que o futuro reserva
O respeito adquirido pela Retro Studios lhe permitiu o título de first-party da Nintendo. Apesar de ter trabalhado em poucos títulos, já rolaram boatos de que ela iria anunciar um novo Baten Kaitos (renomado RPG do GC) na E3 de 2011, o que acabou não acontecendo. No entanto, já sabemos que a Retro Studios está trabalhando em um novo jogo para Wii U, mas sem nenhum detalhe revelado. A única coisa que sabemos é um pequeno comentário da própria desenvolvedora: “é um projeto que todos querem que façamos”. Será a empresa responsável por trazer de volta mais uma série esquecida? Ou quem sabe o trabalho será em uma franquia nova? Além disso, o próprio Shigeru Miyamoto já mostrou confiança na empresa para assumir a série The Legend of Zelda, o que seria uma grande responsabilidade. Mas os movimentos recentes mostram que ela estará preparada para grandes projetos. A Retro Studios teria contratado figuras importantes que trabalharam em Uncharted na Naughty Dog e em Darksiders na Vigil Games. Se está ansioso pelos seus próximos projetos, não deixe de ler o Future Blast: O que a Retro Studios estaria aprontando para o Wii U.
Revisão: Leandro Freire