Até que ponto uma empresa deve se preocupar mais com seus lucros do que com seus princípios? É melhor ser o console mais vendido do mercado ou priorizar as vontades de antigos fãs leais em detrimento do lucro? Até que ponto é errado copiar ideias que já deram certo em outras companhias? Eu, Thomas Schulze, e meu amigo e colega de redação Gabriel Vlatkovic, cujas opiniões vocês poderão ler aqui na forma de caixa de citações, sentamos para conversar e debater estes e outros assuntos, com o intuito de analisar os rumos que a Big N pretende tomar no Wii U. E agora convidamos você, leitor, a participar de nossa conversa e deixar sua própria opinião sobre os temas que discutimos.
Conservadorismo inovador
Thomas, eu ando preocupado com o futuro da Nintendo…
Mas Gabriel, depois de uma série de decisões questionáveis no Wii, penso que a Nintendo está finalmente voltando aos trilhos no Wii U. O que lhe aflige, meu amigo?
Acho que a Nintendo tem uma visão contraditória sobre o que faz. Ao mesmo tempo em que ela quer inovar a todo custo, é de longe a empresa mais conservadora da indústria.
É realmente engraçado e inegável essa postura quase paradoxal que a Nintendo parece abraçar. Ao mesmo tempo em que ela norteia a indústria dos videogames com suas invenções mirabolantes desde os anos 80, o seu conservadorismo atual parece impedi-la de abraçar as atuais tendências, exigidas principalmente pelo público mais hardcore. É essa a sua preocupação, imagino.
Exatamente isso, Thomas! Acho muito curioso como a Nintendo cria tendências na indústria e ao mesmo tempo consegue fugir das mais óbvias. Veja nesta geração que já está se despedindo: a Nintendo apresentou uma nova forma de se jogar videogame, atraiu para o mercado pessoas que tinham preconceito com esse tipo de entretenimento, criou jogos de gêneros que nem existiam até seis anos atrás, mas deixou coisas óbvias, como a jogatina online, quase que totalmente fora da equação! Esse receio da Nintendo em seguir certas tendências me deixa com o pé atrás quanto ao sucesso do Wii U, sabe?
Entendo perfeitamente seu ponto. Ao mesmo tempo em que possuo um profundo respeito pelo Wii, às vezes sinto vontade de ter uma boa e longa conversa com os senhores Fils-Aime e Iwata sobre os rumos que a Nintendo tomou nesta geração que se encerra. Acho louvável isso que você falou da Nintendo ter encontrado um novo público nos jogadores casuais mas, como jogador hardcore, não pude deixar de me sentir alienado em diversas decisões que a Big N tomou em sua história recente. A área online, como você bem destacou, é algo que me incomoda demais. Acho inconcebível o modo como a Nintendo, mesmo com todo seu pioneirismo e visão do mercado, demorou anos para embarcar no universo online! Por exemplo, eu sou viciado em caçar troféus no meu PlayStation 3. Não passa um dia em que não penso em como seria demais poder batalhar por achievements em jogos da série Mario e Zelda e comparar minhas conquistas com a de meus amigos. E como pudemos ficar tantos anos sem poder baixar DLCs para nossos jogos favoritos? Enquanto a concorrência há anos pode expandir suas experiências de jogo com conteúdo adicional, o conservadorismo da Nintendo empatou nossa vida. Agora, finalmente, nossos amigos da Big N tomaram coragem de copiar o modelo online que já se mostrou acertado em outros consoles há muito, mas muito tempo. Mas pelo menos agora, através da Nintendo Network, parece que finalmente teremos uma grande comunidade, e os tempos negros dos friend codes e online pobre vão ficar para trás, não é?
Eu espero que sim! Os friend codes vieram como uma forma de proteger os usuários de não possuírem contatos indesejáveis em seu console. Sendo um console com proposta familiar, eu acho a iniciativa muito válida. Mas o preço que os jogadores hardcore pagaram por isso foi muito alto! Não existe um senso de comunidade se você não pode interagir livremente. Tenho medo dessa época não ficar para trás porque a Nintendo teve a chance de eliminar esses códigos no 3DS, e não foi o que ela fez! Mesmo assim, o Miiverse parece extremamente promissor, espero que o Wii U compense todos esses problemas. Ainda temo muito também porque a Nintendo acabou de dar outra bola fora: Trava de região de novo? Sério?
Trava de região, trava de progresso
Nossa Gabriel, nem me fale sobre as travas de região! Eu entendo os argumentos de defesa que o nosso colega Gustavo Assumpção levantou em seu artigo, mas na minha concepção a trava de região é uma atitude tão absurdamente retrógrada que eu não posso fazer nada além de tapar meu próprio rosto com a mão e lamentar silenciosamente a decisão da Big N num longo e intenso face palm. Como alguém que joga videogames desde os anos 80, eu só consigo imaginar a trava de região como um convite à pirataria e a alterações clandestinas no hardware, como aquelas centenas de programinhas que o pessoal instalava no Wii para rodar os lançamentos exclusivos de outros países. No fim do dia, a maioria dos jogadores acabou optando por correr o risco de comprometer seu hardware com instalações de programas arriscados apenas para poder rodar no sistema jogos que eles deveriam estar aptos a jogar desde o instante em que compraram seus consoles legalmente nas lojas! Na minha concepção, a trava de região é um dos mais claros exemplos de como a Nintendo consegue ser cabeça dura em algumas áreas, abraçando uma ideologia completamente obsoleta em prol de seu lucro. Se pelo menos isso fosse um caso isolado na história da Nintendo...
Na verdade, acho que nem a lógica das vendas se aplica direito para essas malditas travas! Veja o que a NoA fez com o Wii: a Nintendo comprou a Monolith Software, criadora de coisas lindas como Baten Kaitos. A empresa criou dois jogos maravilhosos para o Wii, Disaster: Day of Crisis e Xenoblade. O primeiro ficou, no máximo, pelo velho continente e o segundo só saiu (dois anos depois) porque o pessoal criou um movimento fortíssimo para que isso acontecesse! Além desses jogos, ainda temos The Last Story, Pandora's Tower e Fatal Frame, desenvolvido em parceria com a GrassHopper… Entre esses jogos, somente The Last Story chegou por aqui! Isso já acontecia antes nos consoles da Nintendo, lembra? Afinal, quem pode se esquecer de Captain Rainbow e Doshin the Giant de GameCube, ou até mesmo Mother (EarthBound), a franquia que o ocidente inteiro implora para que seja lançada por aqui?
Mother é possivelmente o maior símbolo da percepção equivocada que a Nintendo pode ter do mercado às vezes. Sinceramente, não acredito que exista franquia mais cultuada no universo da Big N. O amor pela série é tão grande que os próprios fãs chegaram a realizar um trabalho de tradução no último jogo lançado, para GameBoy Advance. Mas só porque a Nintendo trouxe o Mother 2 de Super Nintendo para o ocidente com grandes gastos e um excelente trabalho de localização, e os custos acabaram não sendo compensados no fim, a série parece destinada a ser largada às moscas pela eternidade. O interesse dos jogadores ocidentais é deixado completamente de lado somente pelo medo de que o mercado hardcore não gaste seu precioso dinheiro com um jogo de nicho. Aposto que o Reggie e a NoA não pensam duas vezes antes de localizar qualquer coletânea casual de minigames para o ocidente. Já EarthBound 3... Já sabe, né? Amo a Nintendo mais que qualquer outra companhia, mas às vezes me sinto tentado a concordar com críticos que dizem que a Big N vendeu sua alma para retomar o topo do mercado de games. No Wii, grandes jogos hardcore praticamente não apareceram nas prateleiras, enquanto a Nintendo enchia os bolsos com jogos preguiçosos como New Super Mario Bros. Wii, um Animal Crossing clonado do original para GameCube, aquele Wii Music mal acabado e dezenas de jogos que parecem feitos para nossos avós. Me parece que o Wii U está realmente tentando uma pacificação com o público hardcore através de exclusivos como Bayonetta 2, mas permaneço um pouco cético. Aliás, qual a sua visão sobre os casuais? Você também acha que a Nintendo está mais preocupada em lucrar às custas desses novos jogadores do que em agradar seus fãs mais antigos?
O 3DS como um modelo a ser seguido
Eu acho que o grande foco do Wii foi exatamente esse, Thomas! Quando o Wii foi lançado, eu achava muito interessante a proposta de jogos com temáticas simples, confesso que até me rendi a esse diferencial da Nintendo. E se eu, gamer há praticamente vinte anos, me rendi a isso, imagino quem nunca havia jogado nada antes disso. Vejo que a Nintendo encontrou a mina de ouro dela. Para que investir em super produções, gráficos de ponta e localizações complicadas se um game simples e barato traz muito mais rentabilidade? Os jogos casuais da Nintendo vendem dezenas de milhões de unidades enquanto títulos mais elaborados amargam fracassos atrás de fracassos. Veja que até as thirds, que no início tentavam criar jogos hardcore (como a Ubisoft que já chegou chegando no Wii com Red Steel) mudaram seu direcionamento durante a geração e começaram a lançar apenas jogos extremamente simples. Eu sei de uma coisa: pela primeira vez, desde o SNES, eu senti a necessidade de ter outro console que não fosse da Nintendo para poder me divertir de verdade. E isso é muito triste. Vejo o Nintendo 3DS como um bom avanço em relação ao Wii. Ele é muito mais Nintendo, seja pela grande quantidade de títulos hardcore ou até mesmo pela volta de franquias clássicas que sabe-se lá porque nunca deram as caras no Wii. O Wii U parece muito promissor, existem vários anúncios que me agradam, mas a marca que o Wii deixou em mim foi muito forte, e não será fácil para a Nintendo me convencer a voltar definitivamente.
Sou fã do 3DS, Gabriel! Na minha concepção, é o perfeito exemplo de como a Nintendo pode acertar o tom no Wii U. Amo o modo como antigas franquias esquecidas como Kid Icarus foram revitalizadas de modo magistral. Se no Wii nós tínhamos pseudo-continuações que mais pareciam reciclagens (Ainda estou olhando para você, Animal Crossing: City Folk!) no 3DS temos remasterizações em 3d de clássicos do Nintendo 64 com novos recursos, como The Legend of Zelda: Ocarina of Time 3D e Star Fox 64 3D, o que me soa uma jogada de vendas muito mais honesta que falsas continuações, e um perfeito convite para os novos jogadores conhecerem mais sobre a história da Big N. Sem falar nos clássicos de outras plataformas que nós finalmente podemos jogar, como Metal Gear Solid 3: Snake Eater, e em exclusivos excelentes como o novo Castlevania que deve ser lançado em breve. Se a Nintendo fizer no Wii U um trabalho minimamente similar ao que está fazendo no 3DS, acho que teremos jogadores hardcore convivendo em paz com jogadores casuais, ideologia em perfeito balanço com as vendas, não é?
Eu acho que sim! Apesar de todos esses problemas, ainda estamos falando da empresa pioneira em praticamente todos os aspectos do entretenimento eletrônico! O 3DS já se mostrou um passo à frente em relação ao Wii, e apesar de tudo, achei louvável a postura do Iwata e do Reggie ao admitirem, no ano passado, que eles realmente deixaram os jogadores hardcore de lado. O primeiro passo para o acerto é reconhecer os erros, e acredito que com essa enxurrada de exclusivos e títulos hardcore vindo para o Wii U, a Nintendo tem a chance de se redimir comigo. Espero isso de coração, porque para mim, videogames sem a Nintendo é algo sem a essência que um dia me tornou o gamer que sou hoje.
Revisão: Luigi Santana
Colaboração: Gabriel Vlatkovic