Analógico

Analógico: The Legend of Zelda sob a ótica dos Contos de Fadas

Quando crianças, as primeiras histórias que ouvimos são aquelas que se passam em um mundo supostamente medieval, com princesas perdendo sap... (por Fábio Garcia em 31/05/2012, via Nintendo Blast)

O Link deveria ser canhoto, mas quem liga para detalhes? Quando crianças, as primeiras histórias que ouvimos são aquelas que se passam em um mundo supostamente medieval, com princesas perdendo sapatinhos de cristal e morando com sete anões em uma floresta. Depois de crescidos, nossas histórias favoritas são aquelas onde a amada princesa passa a ser sequestrada por um demônio chamado Ganondorf e temos que salvá-la controlando um garoto de túnica verde. Você pode não acreditar, mas The Legend of Zelda tem muito mais a ver com os contos de fadas do que você pode imaginar.

Era uma vez...

"Por favor, Fada Madrinha, eu desejo que o Wii U aceite a Unreal Engine 4!" A origem dos contos de fadas mais clássicos, como da Chapeuzinho Vermelho e da Cinderela, é uma incógnita. Cinderela, por exemplo, tem versões em livro feitas pelos germânicos irmãos Grimm e pelo francês Charles Perrault, mas há também versões da mesma história feitas na Itália e até na China. Adaptados da tradição oral, esses contos foram passados ao papel como parte de um processo de resgatar o folclore dos países. Várias características são comuns aos contos de fadas. Suas narrativas são bem maniqueístas (ou seja, existe uma divisão bem clara entre o bem e o mal) e simplificadas, para facilitar o entendimento do público. Vale lembrar que as histórias existiam muito antes do conceito de infância, então suas versões originais são bem sanguinolentas e grotescas, tendo sido editadas e amenizadas com o passar dos tempos.

Nos contos também são bem comuns a repetição de elementos, como objetos mágicos (uma varinha mágica, por exemplo), a presença dos números 3 e 7, metamorfoses (por exemplo em “O Príncipe Sapo”, onde o sapo se transforma em príncipe com um beijo), a presença da magia e a constante superação através de provações. Depois de todos os desafios enfrentados, chega o tradicional “e viveram felizes para sempre”.

"Fox McCloud, é você?" A propósito, reclama-se muito do “felizes para sempre” dos contos de fadas, mas a ideia é interpretada erroneamente pelas pessoas, pois, na verdade, a história tem seus momentos de ordem e desordem. Pegando a história da Branca de Neve, por exemplo, estava tudo em ordem no reino até o falecimento do rei. Esse fato gera a desordem na história, que desencadeia os acontecimentos envolvendo a madrasta invejosa e a garota indo morar com anões até encontrar o príncipe. Casando com o príncipe, se restabelece a ordem e assim continua, até que o príncipe venha a falecer e o ciclo de ordem e desordem continue se alternando.

It’s dangerous to go alone! Take this.

"Link, você precisa trazer as três pedras, a Ocarina do Tempo e um X-Salada para mim. Passo o jogo inteiro nesse jardim e estou faminta." Legal e interessante, mas o que isso tem a ver com The Legend of Zelda? Preciso dizer que quase tudo. Se você foi atento, notou que muitas características dos contos de fadas mostradas nos últimos parágrafos estão presentes na franquia criada por Shigeru Miyamoto. A começar pela ambientação, que também se passa em um mundo mágico inspirado nos tempos medievais. Portanto, no mundo de Zelda existem princesas, guerreiros, fadas e tudo mais.

A vida de Link sempre está no campo da ordem, até que algum acontecimento o joga no campo da desordem. Em Ocarina of Time, a ordem era sua vida na Kokiri Village, até que a Deku Tree sofre aquele problema que desencadeia a desordem para Link. Além da Jornada do Herói (já explicada na coluna Analógico em parte 1, parte 2 e parte 3), Link precisa passar por provações que o fazem crescer por dentro e por fora, até que consegue derrotar Ganondorf no futuro. E qual é o retorno da ordem neste jogo? Enviar Link de volta ao passado para que ele tenha a mesma vida que tinha antes.

Ruto achando que é a Saori Kido para poder montar em seus lacaios. Nos contos de fadas havia a repetição dos números 3 e 7, certo? Vamos pegar como exemplo de novo o Ocarina of Time, pois, neste jogo, você precisa reunir as três pedras para entrar no Temple of Time, onde estava guardada a Triforce (que são três triângulos) pelos sete sábios. Na jornada do Link adulto, ele precisa reunir os medalhões dos mesmos sete sábios para adentrar no castelo do Ganon. A repetição do número 3 em jogos da Nintendo já foi mostrada em outra matéria aqui no site.

Isso sem falar nas outras características, como a presença dos itens mágicos (as armas de Link, por exemplo), as fadas que dão poderes novos ou recuperam a energia, as metamorfoses que são comuns em Twilight Princess e Majora’s Mask, a superação de provações através dos chefes derrotados até que se conquista o “felizes para sempre”.

Coisa de criança?

"Quando estiver cansado da batalha, volte aqui que eu recupero suas forças. Muah!" Depois desta comparação, seria lógico alguém pensar “Zelda então é um conto de fadas, logo é um jogo para crianças”. Não necessariamente. Primeiro porque é besteira classificar um jogo como “para crianças” e usar como desculpa para não jogá-lo, porque o game precisa ser divertido para você e ponto, não sendo obrigatório que atenda ao público alvo no qual você faz parte. E depois, quem disse que os contos de fadas são para crianças? Como já dito, os contos de fadas trazem, sim, histórias mais simplificadas e maniqueístas, mas muitos filmes populares hoje em dia possuem a mesma simplicidade e luta do bem contra o mal.

Se contos de fadas são tão infantis assim, como explicar o recente sucesso de séries televisivas como “Grimm” e “Once Upon a Time”? E por que só nesta temporada estrearam dois filmes com visões mais maduras da Branca de Neve? E como explicar uma série em quadrinhos para adultos chamada Fábulas, publicada pela Vertigo? Em resposta a uma pergunta semelhante feita por uma jornalista da Revista Época, o especialista em literatura infantil e juvenil José Gregorin Filho respondeu que “(os contos de fadas) sempre serão atuais, pois trazem arquétipos que estão na essência da humanidade”.

Esse sorriso vai desaparecer quando o Darunia oferecer o abraço dos brothers.

Portanto, se The Legend of Zelda tem uma estrutura de conto de fadas, não quer dizer que seja uma série infantil ou destinada às crianças, e sim, que trata de valores que qualquer pessoa, seja adulta ou criança, pode se identificar e se interessar. E observando os jogos atuais de todos os videogames, que precisam se classificar como “para crianças” ou “para adultos”, ter um jogo interessante que é acessível a todas as faixas de idade não deixa de ser mais uma prova da genialidade de Miyamoto e de sua equipe.

Os belíssimos desenhos de Ocarina of Time no estilo livro infantil que ilustram esta matéria são de autoria do artista Vikki Chu e podem ser vistos em seu site, vale muito a pena. Mas agora é com você leitor! Consegue encaixar as características dos contos de fadas em outros jogos da série Zelda? Tente fazer isso e compartilhe conosco aqui nos comentários para vermos as teorias interessantes que podem surgir.

Revisão: Catarine Aurora


Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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