Analógico: Castas de jogadores, por que segregar os consumidores de games?

em 08/03/2012

No início, havia os vídeo games. Às pessoas que jogavam tais jogos, convencionou-se chamar, vejam só, jogadores. Depois dos games consoli... (por Bruno Grisci em 08/03/2012, via Nintendo Blast)

A pirâmideNo início, havia os vídeo games. Às pessoas que jogavam tais jogos, convencionou-se chamar, vejam só, jogadores. Depois dos games consolidarem-se como a grande e atrativa indústria e mídia que são hoje, naturalmente dividiram-se em diversos gêneros e estilos, para facilitar o entendimento das pessoas que os jogariam. Mas e quando tentamos aplicar classificações aos jogadores? Se um game às vezes não se encaixa num gênero só, seria possível dividir as pessoas em categorias?

As castas

O título de um texto costuma ser um elemento importante. Nesse caso, como podemos perceber, foi utilizada a palavra “casta”. Segundo nossa amiga Wikipédia:

“Castas, em sociologia, são sistemas tradicionais, hereditários ou sociais de estratificação, ao abrigo da lei ou da prática comum, com base em classificações tais como a raça, a cultura, a ocupação profissional, etc.”

Da definição acima, resta dizer que “estratificação” é uma divisão em grupos cujos elementos não podem trocar de posição. Castas de jogadores seriam divisões dos mesmos em grupos definidos por alguma característica, sem que se possa transitar livremente entre os diferentes grupos.

Tal divisão pode soar um tanto quanto artificial, afinal dificilmente alguém se manteria exclusivamente dentro de um único estilo de game. Um sujeito pode ser extremamente fã de jogos de corrida, mas isso não quer dizer que ele não jogue um FPS de vez em quando, por exemplo. A questão é justamente que essa divisão por “castas” vem sendo tão usada que acaba sendo tomada como algo realmente natural. Dessa forma, surge um certo preconceito e segregação, criado pelos próprios jogadores.

Podemos escolher várias características para formar as castas. Empresas, por exemplo, afinal brigas de fãs da Nintendo, Sony, Microsoft e companhia internet afora é o que não falta. Mas gostaria de focar aqui nas que “surgiram” nessa geração, girando em torno do conceito de “Casual vs. Hardcore”.

Uma história casual e hardcore

Aparentemente após DS, Wii, smartphones, Facebook, e por aí vai, descobriu-se que existiam pessoas que jogavam games diferentes de maneira diferente. Não que antes elas não existissem, mas só quando invenções como o Wii Fit sumiram das lojas notou-se que jogos simples, que não são exatamente um primor na parte técnica, nem contam com histórias épicas, nem precisam de manuais de mil páginas para serem compreendidos também possuem um bom público.

Uma balança que deixou muita gente perplexa.

Oras, era algo de se esperar, afinal esses jogos sempre existiram, só não recebiam tanta atenção. Quando eles ganharam os holofotes, o que aconteceu é que muita gente ficou incrédula, e tentou achar respostas para aquilo. “Brain Age e Nintendogs não são jogos”, “o Wii não é um console, é um brinquedo”, “esses joguinhos de celular só servem de passatempo”, dizia-se até então.

Como a definição do que é um vídeo game é bem abrangente e genérica, esse tipo de pensamento precisou ser abandonado. Então surgiu a “brilhante” ideia de dividir todos os jogos em categorias. Basicamente um game “normal” pertenceria à família hardcore, e os “novos” seriam os casuais. A escolha dos nomes não parece ter sido muito acertada, já que logo não se sabia mais o que era o que.

Para alguns essa classificação virou sinônimo de bom e ruim, chegando-se à conclusão de que “o que eu gosto é hardcore, o resto é casual”. Para outros, um título hardcore é algo violento, ou realista, ou mesmo muito grande. Por essa divisão, um jogo de luta e um de corrida poderiam estar no mesmo grupo, enquanto um terceiro game de luta pertenceria a outro.

Como generalizações são viciantes, e a Nintendo era quem estava fazendo mais barulho com essa “nova” história de jogos casuais, foi logo taxada de empresa casual. Não que ela tivesse tal fama desde a época dos Game & Watch (que ironicamente hoje seriam considerados casuais), ou que outros consoles não recebessem esse estilo de game desde sempre, mas uma divisão estava em curso e não podia haver meio termo.

Mario não ficou contente com certas coisas que falaram sobre ele.

De uma hora para outra, franquias tradicionais como Super Mario Bros. e Mario Kart passaram a ser consideradas por muitos como casuais, embora fossem jogadas há anos no mundo inteiro. Pokémon tem uns monstros fofos? Casual, não importa se existe um sistema de batalha que permite a criação de estratégias avançadas e exija muita dedicação de quem participa de torneios.

Outros casos também servem de exemplo. Guitar Hero, a famosa série musical da Activision, dividiu os jogadores, afinal muitos que não davam o braço a torcer para os ditos “casuais” gostaram do game. E dependendo do nível de dificuldade escolhido, o desafio era tremendo. Fato é que Guitar Hero nasceu, morreu e a discussão ainda permanece.

Efeitos interessantes surgiram. Controles por movimento automaticamente tornaram-se sinônimo de jogos casuais. Se aconteceu uma vez, poderia acontecer de novo, e os jogadores tradicionais passaram a ter aversão por algumas novas tecnologias, justamente num mercado que sempre correu atrás da tal inovação tecnológica. Os gráficos, por outro lado, viraram uma bandeira hardcore, sendo que para alguns um jogo com polígonos super avançados representam o que há de melhor nessa indústria.

Certas coisas não foram feitas para dedos comuns.

Toda essa história não seria tão importante se apenas reconhecêssemos as diferenças óbvias entre os jogos, sem a necessidade de uma divisão forçada. Ninguém acha que Wii Sports é igual a God of War, ou que Okami tem o mesmo público de The Sims, embora nada impeça que uma mesma pessoa goste de dois ou mais desses títulos.

Acontece que, e esse é um detalhe muito importante, nos anos anteriores à sétima geração de vídeo games, jogos eletrônicos estavam se tornando um hábito restrito. Embora o número de jogadores crescesse em quantidade, comparando-se com o crescimento da população em geral os games não estavam em alta. Ao contrário do cinema, com um público extremamente amplo e variado, os jogos estavam chamando a atenção de um grupo específico de pessoas.

Quando determinadas empresas perceberam o problema e resolveram abrir as portas do mercado para um público maior em potencial, e estes abraçaram os games como nova forma de entretenimento, os jogadores “tradicionais” ficaram com medo. “Se esses jogos estão vendendo tanto, será que não são uma ameaça?” E assim começaram algumas reações bem estranhas.

Você não jogava quando criança?

Kirby, altos níveis de fofura.Pode entrar em qualquer fórum com alguma discussão sobre um jogo qualquer com visual mais cartunesco ou características semelhantes. Provavelmente haverá alguém o criticando por ser muito infantil. Não acredito que todos os jogos voltados para o público infantil sejam uma maravilha, há muita porcaria também, mas esse não é o ponto, pois qualidade e desleixo a gente encontra em qualquer categoria. A questão aqui é, retomando a discussão anterior, novamente como os conceitos de “casual e hardcore” geraram tanta discriminação.

Imagino que grande parte dos leitores desse texto (você mesmo) tenham jogado vídeo games quando crianças. Alguns jogos não deveriam ser exatamente o que uma julgaria apropriado para seus netinhos, como Mortal Kombat, mas a maioria era, digamos, leve, justamente porque as crianças sempre foram um dos maiores alvos dessa indústria.

Atualmente o perfil médio de um jogador é um homem, com cerca de trinta anos. Mas isso nem sempre foi assim. Como já dissemos, antigamente as crianças eram um dos principais públicos dos games, e na realidade ainda são. De qualquer forma, a indústria cresceu, os jogos evoluíram e as crianças também cresceram. É natural que os gostos de algumas mudem e elas se interessem por outros gêneros. Talvez tivessem até abandonado os games, e voltado agora justamente por reencontrarem a diversão que tinham com seus antigos consoles.

N64 Kid é uma referência em crianças gamers.

O que não dá para entender é por que seria ruim um jogo ter o tal apelo infantil, como algumas pessoas pregam por aí. Quem curte cinema sabe que várias produções voltadas a essa faixa etária são sinônimo de qualidade, Pixar e Studio Ghibli que o digam. Além disso, mesmo que vários jogos sejam pensados exclusivamente para crianças, muitos são tão bons quanto qualquer outro “maduro”, às vezes até melhores do que esses últimos. E já que nosso site é sobre o universo da Nintendo, vamos considerar Mario e Pokémon, por exemplo. Claramente existe um apelo infantil, mas isso não impede que elas sejam as duas maiores séries de vídeo games do mundo e imensamente adoradas também pelos adultos.

Essa questão de “jogo para criança” nada tem a ver com a qualidade e profundidade do produto. Em todo caso, deveríamos ficar mais preocupados em saber se as crianças estão jogando games de qualidade, bem feitos, afinal são elas que estarão comprando, criando e vendendo jogos no futuro: não seria nada bom se crescessem acostumadas com produtos fracos, e isso vale no geral, tanto para os “infantis” quanto os “maduros”.

A própria noção de um jogo “maduro” é algo discutível. Consideramos nessa categoria títulos mais violentos ou fortes, com narrativa intensa, mecânicas mais avançadas, etc. Eu particularmente defendo a opinião de que games podem ser considerados arte, mas tenho que admitir que em alguns pontos eles ainda pecam bastante. Muitos jogadores, por exemplo, gostam de falar que tal e tal jogos são bons por causa de uma profundidade narrativa que na verdade não existe. Essa discussão fica para um momento mais oportuno, mas deixo aqui a dúvida se realmente alguns jogos são tão “maduros” e avançados como costumam ser definidos.

Outros jogos para outros jogadores

Voltemos ao tópico principal, que é a divisão dos jogadores. Se até as crianças entraram na história, não é de se surpreender que outros grupos estejam presentes. Nem é preciso falar dos estereótipos sobre as mulheres gamers, e seria preciso um texto próprio só para tratar deste assunto.

Mas outros grupos também estão incluídos. Sabe aquela história que a Nintendo gosta de contar sobre abranger todos os jogadores? Independente dela conseguir fazer isso ou não, a ideia é absolutamente correta.

Jogos estão se tornando acessíveis até mesmo para outras espécies.

Imagine alguém muito ocupado, com interesses mais prioritários que vídeo games. Dificilmente uma pessoa assim seria convertida em um jogador, não fosse o fato de um de seus apetrechos mais importantes e imprescindíveis, o celular, agora ter vários desses games disponíveis entre suas funções. É possível jogar enquanto se aguarda algum compromisso, por exemplo, sem nem precisar comprar um console para isso. De certa forma, foram os jogos que chegaram até essa pessoa, não o contrário. Depois de um tempo ela poderá se interessar por mais games, ou não, mas isso pouco importa. O papel de produzir um equipamento para todos os públicos é das empresas, não do consumidor. Ninguém fica discutindo com um fã de RPG para que ele se torne fã também de RTSs e ajude a indústria.

Mas um smartphone nunca rodará um jogo do mesmo jeito que um console, diz alguém. E nem precisa, pois tentar emular experiências de consoles de mesa num celular é um conceito equivocado: plataformas diferentes exigem jogos diferentes. O número de pessoas que jogam no iPhone, por exemplo, games como Angry Birds e Cut the Rope deve ser muito maior que o número de consumidores que trocaram uma plataforma exclusiva de games qualquer pelo celular.

Headshot! Uhulll!Idosos nunca foram os maiores consumidores de games, e ainda não são. Mas pelo menos agora alguns avôs e avós conseguem se divertir com eles. Mais uma vez, há quem não goste e preferiria que os jogos continuassem restritos a um pequeno público. Aí mora uma contradição, pois quanto maior o número de pessoas jogando, melhor para os games em geral.

O mais óbvio é pensar em número de vendas, mas esse não é o ponto aqui. Quanto mais pessoas estiverem jogando, e de preferência divididas em grupos bem variados, mais os jogos serão capazes de aumentar sua popularidade e influência. Quer dizer que há pouco tempo tivemos um projeto de lei que pretendia censurar os games? Quanto mais enraizados eles estiverem na cultura e no gosto do público, mais difícil será que uma restrição dessas seja aprovada, ou até mesmo proposta.

Aí está um fator importante. Os ditos “novos jogadores” estão pouco interessados se são considerados deste ou daquele grupo, ou se os games que curtem são uma obra-prima ou uma grande porcaria. O importante é que estão jogando, curtindo, e assim espalhando ainda mais os games na sociedade.

Todos juntos.

Revisão: Bruna de Lima Silva

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