Desde seu início a indústria dos vídeo games é um negócio lucrativo para todos que se arriscam nela e fazem as coisas acontecerem do jeito certo. Centenas de pessoas ficaram ricas às custas de dezenas de empresas que promoviam entre si a chamada “Guerra dos Polígonos”.
Nas fronteiras dessa guerra, sempre houveram disputas com outra indústria cujo potencial sempre fora um fator de risco às grandes empresas do entretenimento eletrônico: a indústria da informática.
E foi no crash da indústria dos vídeo games em 1983 que as empresas de informática encontraram o caminho para conquistar o público que outrora achava desperdício gastar dinheiro em máquinas que só faziam cálculos.
A indústria da informática sempre foi sólida, nunca se arriscou demais e sempre planejou bem as suas jogadas para que não perdessem mais dinheiro do que fossem capazes de apostar. Um pouco antes do crash', surgiu uma pequena empresa fundada por dois jovens recém-evadidos da faculdade: a Micro-Soft (sim, se escrevia assim).
A política agressiva e arriscada adotada por Bill Gates, um dos seus fundadores, fez com que a empresa ganhasse o mundo rapidamente, chegando ao Japão no início da década de 1980. Curiosamente, no ano da quebra da indústria dos vídeo games, a empresa norte-americana se uniu à japonesa Ascii para lançar um padrão de computador que mais tarde ficou conhecido como uma das melhores plataformas de games até hoje: o MSX.
O potencial do MSX era notório: empresas como IBM e Commodore rapidamente o adotaram e várias softhouses, que antes produziam para o Atari 2600, passaram a produzir para o computador que crescia como vídeo game.
A segunda aposta da Microsoft na indústria: o Xbox
Os anos foram passando, o padrão MSX ganhou suporte de várias empresas, algumas atualizações e vários títulos que hoje são conhecidos nosso: F1 Spirit, Road Fighter, Pac Man, Metal Gear e até Mario!
Contudo, aconteceu com o padrão MSX algo semelhante ao que acontece atualmente com o Android: várias empresas passaram a modifica-lo e lançar suas próprias versões. E no meio desse processo, a Microsoft (já escrita assim) saiu de cena. De tudo o que aconteceu nos anos seguintes, todos conhecem pelo menos um pouco do que hoje é história da humanidade – arrisco-me dizer.
Depois de anos, finalmente em 1998, alguns engenheiros da equipe do DirectX da Microsoft resolveram desmontar alguns notebooks Dell para construir um protótipo de console de vídeo game baseado no Windows. A ideia tinha como pano de fundo o desejo de construir uma plataforma competitiva frente ao PlayStation que estava “sugando” desenvolvedores e produtoras da plataforma Windows.
Conhecida como “DirectX Box”, a nova plataforma era totalmente baseada na tecnologia gráfica do DirectX e foi apresentada a Ed Fries, líder da divisão de jogos da Microsoft à época. Depois de algumas reuniões, tanto Fries, quanto Bill Gates deram sinal verde e suporte à ideia.
O segredo da Microsoft não durou muito e em pouco tempo boatos sobre um novo “computador” foram ganhando força. Questionado inúmeras vezes sobre o suposto novo aparelho, Gates sempre desviava do assunto.
Nos bastidores, a equipe trabalhava freneticamente nas especificações do console e em formas de torna-lo mais atraente para o público. Sabia-se que, por ser baseado no DirectX, sua arquitetura seria muito semelhante a de um PC (muitos especularam que rodaria uma versão modificada do Windows 2000, o que foi desmentido posteriormente) e que o nome “DirectX Box” não era atraente ao público. Uma pesquisa realizada internamente revelou que a abreviação “X-Box” não era legal, mas “Xbox” sim e este foi adotado.
Muitos consideram o Xbox como a primeira investida da empresa de Redmond na indústria dos vídeo games. Mas, dependendo de como os fatos são analisados e interpretados, dá para dizer que essa foi sua segunda tentativa. A diferença entre o que viria a ser conhecido como Xbox e o antigo MSX é que este foi feito como computador e vendido como computador, mas que rodava jogos como nenhum outro; enquanto aquele foi pensado e feito como computador, mas vendido como vídeo game.
Bill Gates: gênio ou louco?
Depois de se esquivar das investidas de jornalistas e especialistas, Bill Gates tratou pessoalmente de criar expectativas quanto ao lançamento de um novo console ao longo de 1999. Desde seu primeiro discurso, o CEO da Microsoft ressaltou que este não seria mais um vídeo game, mas sim um dispositivo que convergiria jogos e multimídia para entregar uma experiência única de entretenimento.
As reações foram variadas, mas sempre giravam em torno de Gates estar falando sério, se ele realmente estava bem de saúde ou tinha enlouquecido. Isso porque ninguém acreditava que uma empresa pudesse entrar num mercado liderado pela Sony, seguida por Nintendo e SEGA que lutava desesperadamente para emplacar seu console e ainda assim pensar em sair vitoriosa.
Meses de especulações seguiram-se até a Game Developers Conference em março de 2000, quando Gates (de novo ele) anunciou oficialmente o console que se chamaria Xbox. Num discurso eloquente, ele falava em três vezes mais potência que o PlayStation 2 e da revolução na forma com que se consumiria entretenimento eletrônico dali em diante. No entanto, o processador de 600MHz, a compatibilidade com DirectX e um disco rígido embutido fez com que os mais céticos desconfiassem que o console não passaria de um PC que poderia ser conectado a um televisor.No entanto, todos estavam esquecendo que se tratava da Microsoft, uma gigante que nunca fazia as coisas pela metade.
Anúncios, festas e 6 bilhões bem gastos
Poucos meses depois, mais precisamente em setembro daquele ano, em um link realizado entre Londres, São Francisco e Tóquio, Gates anunciou o apoio de mais de 155 desenvolvedores para o Xbox, incluindo Activision, Konami, Capcom, Eidos, Epic e THQ. Apesar da ausência notória da EA e SEGA, o Xbox entrou para a roda. Sony e Nintendo agora tinham com o que se preocupar.
Nos meses que se seguiram vários anúncios foram feitos, a Bungie foi comprada, Halo tornou-se o título de lançamento do console e, finalmente, SEGA e EA uniram-se a tripulação anunciada anteriormente. O curioso é que a Microsoft conseguiu o apoio da EA depois de enviar alguns kits de desenvolvimento de “cortesia” para ela. Pouco tempo depois ambas chegaram a um acordo: pelo menos 10 jogos seriam lançados todos os anos para a plataforma. As estratégias agressivas do capitão Gates continuavam dando resultado.
Até janeiro de 2001 todos falavam do Xbox, mas nunca alguém o tinha visto. Durante a Consumer Electronic Show no dia 6 daquele mês, Gates tratou de acabar com o mistério e o mostrou pela primeira vez ao mundo. Novamente, as reações foram variadas. Apesar dos desenvolvedores ressaltarem as maravilhas do sistema, a grande caixa preta foi vista com maus olhos. O controle também foi alvo de críticas: desengonçado, pouco ergonômico, feio e grande demais para caber nas mãos de um adulto normal.
A partir desse anúncio, a empresa investiu milhões de dólares em divulgação, organizou eventos com direito a fogos de artifício para convencer os europeus que o console seria um sucesso e dominou a Tokio Game Show anunciando, oficialmente, o apoio da SEGA e 11 títulos já para o lançamento japonês do console: um claro sinal do interesse de conquistar o mercado japonês.
Mesmo dominando a TGS, nela não havia nenhum Xbox disponível para jogar, ou quaisquer demonstrações de jogos a serem exibidas. No entanto, havia muitos banners, inúmeros cartazes e faixas “decorando” o evento e os japoneses simplesmente não tinham a mínima ideia do que se tratava aquela grande logomarca verde espalhada em todos os cantos.
Festas e festas seguiram-se durante todo o ano de 2001 até o dia 15 de novembro, quando o Xbox finalmente chegou às lojas norte-americanas. Bill Gates, que esteve presente em todas as conferências desde 1999, atendeu os clientes pessoalmente em frente a Toys ‘R’ Us da Times Square. Mesmo com todas as críticas quanto a aparência do console, do controle e o preço salgado de U$299, as pessoas se amontoaram e compraram mais de um milhão de unidades em apenas 3 semanas.
Os números são impressionantes principalmente se levarmos em consideração que apenas três dias depois a Nintendo lançou o GameCube nos EUA. O que se seguiu depois daquele dia foi uma enorme batalha pela segunda colocação na dita “guerra dos consoles”, vencida tempos depois pela “Caixa” graças aos eventuais, e agressivos, cortes de preço promovidos pela companhia.
Em fevereiro de 2002 o aparelho chegou ao Japão e apesar das logomarcas verdes fluorescentes espalhadas pelas cidades, festas promovidas no embalo da banda X-Japan e, novamente, a presença de Gates, somente 123 mil unidades foram vendidas na primeira semana. Os japoneses se perguntavam o porquê de uma empresa norte-americana estar investindo tanto em território estrangeiro e simplesmente não conseguiam interpretar tudo isso.
Em contraste à recepção dos japoneses, na Europa os resultados foram mais positivos. Apesar de apenas 50 mil unidades vendidas na primeira semana, as vendas continuaram ganhando força principalmente depois do corte de 115 euros quatro semanas depois, próximo ao lançamento do GameCube.
Quando anunciada a descontinuação completa do Xbox em 2008, a Microsoft tinha atingido a marca de mais de 24 milhões de unidades vendidas e mais de 6 bilhões de dólares investidos na plataforma. O resultado deve ser considerado positivo se levarmos em consideração o mercado dominado pela Sony, a batalha travada com a tradicional Nintendo e o amplo apoio obtido das desenvolvedoras e produtoras.
O legado deixado pelo Xbox, no entanto, não foi apenas o número de unidades vendidas, nem os 8 milhões de unidades de Halo 2 vendidas, tampouco o impressionante fato da empresa ainda ter lucrado alguma coisa depois de gastar tanto promovendo o console.
Não se trata mais de gráficos, mas de entretenimento
A capacidade dos consoles sempre foi um assunto que impulsionou a indústria. Desde os primórdios com o Odyssey e PONG, as empresas queriam reproduzir a realidade, nem que essa realidade fosse mostrada em menos de 10 pixels.
A evolução foi testemunhada por milhares de pessoas que agora tinham a sua disposição consoles técnica e tecnologicamente muito semelhantes, capazes de reproduzir gráficos com níveis de detalhe de igual para igual. Isso é verdade principalmente nos jogos multiplataforma em que é difícil apontar em qual console ele está sendo executado. Escolher comprar um console agora não era mais questão de “qual deles tem mais bits”, nem qual tem melhores gráficos. Era um pouco de paixão, jogos exclusivos e, principalmente, entretenimento.
Essa onda foi inaugurada pelo PlayStation 2 que além de vídeo game, ainda reproduzia CDs e DVDs e oferecia jogatina online com o Network Adapter. Contudo, a revolução chegou pra ficar e foi promovida pelo Xbox.
Os discursos eloquentes de Bill Gates se confirmaram quando o Xbox chegou às prateleiras das lojas. O console era muito mais do que um vídeo game – era uma verdadeira plataforma de entretenimento. As apostas iam muito além dos jogos eletrônicos.
Esse foi o primeiro console a utilizar a tecnologia Dolby Interactive Content-Encoding, que permite a reprodução de sons Dolby Digital em tempo real. Antes do Xbox os consoles só conseguiam reproduzir sons com essa qualidade em cut scenes não interativas – como os CGs. Agora isso era feito in game.
Por ser baseado na arquitetura de um PC comum, o console era maior e bem mais pesado do que os demais. Mas foi essa semelhança com o PC que possibilitou os usuários extraírem e converterem músicas de CDs em MP3 e armazená-los para utilizar como trilha sonora personalizada em alguns jogos. O armazenamento era feito no disco rígido de 10 GB que vinha embutido no console – o primeiro da história com esse recurso.
Mas a grande jogada da Microsoft foi planejar, estruturar e lançar uma rede online utilizada tanto para a jogatina online, quanto para interação e distribuição de conteúdo: a Live. Por meio do pagamento de uma mensalidade, seria possível jogar seus títulos favoritos online, conversar com amigos, comprar e baixar jogos e conteúdo adicional. Rapidamente a rede ganhou usuários, chegando ao incrível número de 250 mil assinantes apenas nos dois primeiros meses. E aí você se pergunta: quais os diferenciais da Live?
Estava claro: dali em diante as preocupações não deveriam girar em torno apenas dos gráficos, mas no que o console ofereceria ao usuário além disso.
Todas as fichas foram apostadas
Toneladas e mais toneladas de dinheiro foram investidas durante todo o ciclo de vida do Xbox e, arrisco-me dizer, foi algo nunca antes visto.
Tudo bem, ele era deselegante, ocupava muito espaço e era muito pesado. Seu controle foi alvo de duras críticas e, mesmo depois de receber um modelo redesenhado, mais anatômico que o anterior, continuou pagando de patinho feio. Dizer que o Xbox foi um mau console, é ser injusto e fazê-lo por implicância.
Além de trazer inovações que estão presentes aí, no seu console de sétima geração, o Xbox ofereceu a seus jogadores excelentes títulos que fizeram sucesso por toda a vida útil do console graças aos recursos adicionados pela Live.
Forza Motosport nasceu no console e anos mais tarde viria a competir de igual por igual com a franquia automobilística de maior sucesso de todos os tempos: Gran Turismo.
Fable trouxe cenários excepcionais, dicotomia brilhante entre o bem contra o mau e um jogo feito para todos os jogadores, não importando o quanto eles queriam se aprofundar na história.
Star Wars: Knights of the Old Republic trouxe consigo mais significado do que esta matéria pode explicar – além de mostrar o quão bom um jogo licenciado de um filme pode ser, ele marcou a chegada da BioWare ao hall de produtoras exclusivas da casa e colocou o Xbox como parada obrigatória para os fãs de RPGs.
Phantasy Star Online enriqueceu mais ainda a experiência que antes fora provada no Dreamcast e Nintendo GameCube. Agora com o suporte da Live o jogo se tornou muito mais interessante por um detalhe em particular: o chat por voz.
Halo deu início a uma franquia gigantesca aclamada até hoje por fãs adoradores de jogos de tiro. Nos três primeiros anos do Xbox, Combat Evolved o carregou praticamente sozinho nas costas. O jogo foi responsável por criar uma subcultura dos jogos, a luta do Vermelho contra o Azul e um dos personagens mais bad-ass de todos os tempos. Halo 2 veio na sequência e foi o primeiro jogo “matador” do console, rendendo U$125 milhões à Microsoft apenas no seu primeiro dia de vendas e vendendo mais de 8 milhões de unidades – o maior do console. Foram esses jogos que determinaram de vez o que hoje é rotina para muitos de nós: a jogatina online. Sabe o que é mais interessante disso tudo? Halo estava disponível na E3 de 2000 no stand da Take 2 como um jogo para PC e ninguém deu cartaz a ele – a não ser a Microsoft.
Não, não dá para torcer a cara, nem fazer biquinho ou ficar de confusão: mesmo sendo feioso, o debutante contribuiu para transformar a indústria para a forma como a conhecemos hoje. O que a Nintendo fez nos anos anteriores com o Nintendo e o Super Nintendo, a Sony com o PlayStation, agora a Microsoft fazia com o Xbox: criar tendência.
Arrisco-me a dizer que a sexta geração de vídeo games foi uma das mais surpreendentes de todas. Todos os consoles que chegaram às prateleiras das lojas eram incríveis – sem exceção. O Dreamcast foi incrível, tinha tudo para dar certo, mas infelizmente não deu. A paixão que os fãs da SEGA tinham pela empresa acabou se tornando ódio depois de tantos erros e hoje a plataforma é artigo de colecionador e adoradores. O PlayStation 2 sustentou a marca de um colosso, assumiu e cumpriu a responsabilidade de continuar líder do concorrido mercado. O GameCube trouxe a magia dos consoles e jogos da Nintendo, mas as decisões e estratégias adotadas pela empresa não encorajaram novos e antigos consumidores a ter seu produto.
A Microsoft entrou para a roda apostando pesado no Xbox. A importância do sucesso desse dispositivo era tamanha que por quase três anos Bill Gates esteve presente em todos os anúncios e festividades que envolviam a “Caixa”. E apesar de não ter batido a Sony, pode-se considerar o Xbox um sucesso. E, curiosamente, a empresa que chegou por último na festa da sexta geração, foi a responsável por abrir as festividades na geração seguinte. Mas isso é assunto para um próximo encontro, até lá!
Meu contato com o Xbox foi menor do que com o GameCube – ou seja, foi zero. Se já era difícil ver um Cubo por onde moro – e Nintendo é Nintendo -, imaginem só encontrar uma Caixa. Certa vez, em uma palestra, ouvi de um dos líderes da área de games da MS para o Brasil que a decisão de entrar para este mercado só foi tomada depois de anos de análise e quando a empresa tinha certeza da solidez da indústria e que os lucros eram garantidos. E não dá para negar: eles fizeram o dever de casa, lançaram uma boa plataforma e tiveram o que queriam.
E vocês? Tiveram algum contato com a “Caixa Preta” da Microsoft? Quais os seus jogos favoritos e por quê? Conte-nos sua história com o console e narre suas experiências nos comentários!