A sexta geração começou com tudo. A SEGA apostou todas as suas últimas fichas no sensacional Dreamcast. Bons jogos, boas campanhas de marketing e um futuro promissor, no entanto, não foram suficientes para mantê-lo respirando quando a Sony anunciou o lançamento do PlayStation 2.
Apesar dos problemas iniciais, o PlayStation 2 vendeu mais fácil do que água mineral. As pessoas ficaram histéricas e todo mundo gostaria de ter um. Amargando a segunda colocação em número de vendas na geração passada com o Nintendo 64, cabia a Nintendo reconquistar seu público que evadia para outras plataformas. Não tinha jeito, os esforços agora seriam para reconquistar seu público. O encarregado: Nintendo GameCube.
Não dá para tapar o sol com a peneira: o Nintendo 64 foi sim um bom console, mas não cumpriu com o objetivo de manter a Nintendo na liderança. Uma das tarefas mais difíceis é dizer se isso aconteceu por causa do console ou pela concorrência esmagadora do PlayStation.
O lançamento do Dreamcast em 1998 (dois anos após o N64) determinou o início de uma nova geração. Apesar de tecnologicamente superior, o Dreamcast não convenceu o grande público. O PlayStation continuava vendendo como água e, a esta altura, ao menos que você fosse muito fã da Nintendo, era difícil se convencer a comprar um N64.
Os rumores de que o sucessor do PlayStation estava por vir foram suficientes para estremecer a base de futuros usuários do Dreamcast e preocupou a Nintendo que, com menos de 2 anos de N64, já começava a desenvolver o “Projeto Dolphin”.
“Reconquistar” é a palavra-chave
O primeiro anúncio, sem muitos detalhes, ocorreu durante a E3 de 1999. Apenas foi dito que a empresa estava trabalhando em um novo projeto – e foi isso.
O anúncio e todos os detalhes técnicos viriam somente na Nintendo Space World 2000, no Japão. O projeto que antes era chamado de Dolphin ganhou forma e nome: o GameCube seria um console pequeno, de formato cúbico e que tinha por objetivo entregar uma poderosa experiência ao usuário por custo inferior a concorrência.
Além disso, esse seria o primeiro sistema Nintendo a utilizar oficialmente uma mídia óptica como meio de armazenamento dos jogos (não confunda: o Famicom Disk System e o Nintendo 64DD foram acessórios, e vendidos apenas no Japão). No entanto, ao contrário do que se esperava (e que era tendência no mercado), a empresa resolveu adotar um formato proprietário de mídia, o MiniDVD de 1.4 GB, ao invés dos DVDs comuns. Boatos correram à época sobre essa decisão ser uma tentativa da Nintendo não ter que pagar para usar o formato DVD, de propriedade da Sony.
Como era esperado, o anúncio causou euforia. Muitos ficaram impressionados com os vídeos de jogos em desenvolvimento apresentados, enquanto muitos outros continuaram céticos quanto às capacidades do console e, principalmente, a arriscada escolha de uma mídia proprietária de menor capacidade de armazenamento – o que lembrou a decisão de continuar utilizando cartuchos no Nintendo 64.
Nos bastidores da indústria, o sentimento era outro. Ficou claro para as third-parties que os esforços da Nintendo estavam concentrados em entregar um hardware que superasse as limitações e dificuldades de se programar para o Nintendo 64. O hardware não só era bem desenhado, como também era acessível, descomplicado e amigável. E apesar da sua simplicidade, ainda era capaz de enfrentar a concorrência de frente. Depois de espantar as desenvolvedoras e produtoras com o N64, a ordem agora na Nintendo era reconquistá-las.
A oferta de um hardware mais acessível casou perfeitamente com a estratégia da empresa de rejuvenescer as relações com as desenvolvedoras. Ao contrário do que acontecera anteriormente em que a Nintendo fora acusada de práticas monopolistas contra as third-parties, agora a empresa abertamente pedia ajuda para que desenvolvessem para a nova plataforma. A política agora era a da boa vizinhança e a empresa procurava as desenvolvedoras para sugerir jogos a serem produzidos – inclusive jogos de franquias da própria Nintendo.
Tal política de relacionamento deu certo e, futuramente, viria a render vários jogos exclusivos e multiplataforma que sequer sonhavam aterrissar no GameCube.
A hora da virada para a Nintendo
Depois da histeria pós-anúncio, pouco se falou do GameCube. Claro, a expectativa existia, mas o que se viu foi o PlayStation 2 crescendo cada vez mais. Nesse meio tempo, Onimusha: Warlords foi o primeiro título a alcançar a marca de 1 milhão de unidades vendidas no PlayStation 2, comprovando a popularidade do console depois de apenas 15 meses de lançamento.
Finalmente, em 14 de setembro de 2001, o GameCube chegou às prateleiras nipônicas. Três jogos foram oferecidos ao público: Luigi’s Mansion, Wave Race: Blue Storm e Super Monkey Ball e o console vendeu cerca de 300 mil unidades. Dois meses depois, sob o slogan “Who Are You”, o vídeo game chegava em solo norte-americano e tentava atingir o público que outrora lhe pertencera no Nintendo e Super Nintendo, levando-os a refletir sobre a ideia “você é aquilo o que joga”.
As expectativas eram boas. Tinha-se uma biblioteca vasta e atraente de jogos no lançamento, totalizando 12 (sendo somente 2 deles da Nintendo), as campanhas de marketing eram boas e, o principal, a empresa havia reconquistado o apoio das third-parties. Se levarmos em consideração que no lançamento do N64 nos EUA o console tinha somente 2 jogos disponíveis, ambos da Nintendo, fica claro que os esforços da Big N estavam dando retorno. O futuro era promissor. Era a hora da virada.
O abandono dos cartuchos e a adoção do MiniDVD era mais um fator promissor ao sucesso do Cubo, como ficou conhecido. Com ele, o desenvolvimento de jogos se tornava mais rentável e mais fácil. Se antes as desenvolvedoras levavam meses para entregar um jogo para o Nintendo 64 e tinham que esperar semanas até que eles fossem “transplantados” para um cartucho (e só a Nintendo poderia fazer esse processo, para “garantir a qualidade”), com a nova mídia as coisas ficaram mais fáceis. Agora era necessário apenas a aprovação da Nintendo quanto ao conteúdo do jogo – a produção da mídia poderia ser feita por elas e custava muito menos tempo, agilizando o ciclo de produção e logística de distribuição.
A empesa ainda se orgulhava de ser mais difícil piratear o pequeno DVD e deixou claro que a escolha por esse tipo de mídia também havia sido motivada por esse fator. De fato, por algum tempo foi difícil encontrar jogos “genéricos” para o Cubo, uma vez que, à época, os gravadores de DVD não tinham tantos recursos quanto os encontrados hoje.
Os jogos que fizeram o Cubo
A Nintendo sempre pode contar com muitos títulos de qualidade em todos os seus consoles, nem mesmo que a maioria deles fosse dela própria. Contudo, durante a era do Nintendo 64 ela deixou de contar com o apoio de algumas desenvolvedoras, em especial da Square que cancelou Final Fantasy VII para a plataforma e o levou para o PlayStation.
A nova política de relacionamento com as third-parties surtiu bastante efeito e a empresa conseguiu se reaproximar delas. Pode-se arriscar e dizer que foi durante a era do GameCube que a Big N teve o melhor relacionamento com as desenvolvedoras.
Durante esta época surgiram muitas boas parcerias e algumas delas duram até hoje. Talvez a principal tenha sido a da Capcom que se mantem firme e forte e é uma das principais aliadas da Nintendo na produção de jogos para o 3DS. No GameCube, surgiram títulos exclusivos como Resident Evil Zero, Resident Evil Remake e Resident Evil 4. Outros jogos exclusivos de terceiros que merecem destaque são Harvest Moon: A Wonderful Life, Tales of Symphonia, Final Fantasy: Crystal Chronicles e Star Wars Rogue Squadron III: Rebel Strike. Novas franquias, como Animal Crossing, também foram lançadas mundialmente na plataforma.
Como todo bom console da Nintendo, não poderia faltar os bons jogos das excelentes franquias criadas por ela. Apesar de não ser tão aclamado quanto Mario 64 e Mario Galaxy, Super Mario Sunshine foi um dos grandes títulos do console e ainda assim é um game acima da média para os jogos de plataforma. The Legend of Zelda: The Wind Waker impressionou e gerou polêmica pelos gráficos cartunescos, se tornando um dos melhores jogos da série até hoje. Super Smash Bros. Melee foi a excelente sequência do sucesso do N64, trouxe um bom modo single player e multiplayer fantástico e divertido. Finalmente, Metroid Prime foi uma grande aposta da Nintendo – correndo todos os riscos em converter um jogo de plataforma em FPS, a empresa o fez com sucesso e excelência.
Sim, o Cubo teve grandes lançamentos. Bons jogos que estão na memória dos jogadores e vivos até hoje graças à retrocompatibilidade do Wii com o console. No entanto, tempos depois do lançamento do aparelho nos EUA, um estranho, e conhecido, fenômeno voltou a assombrar a plataforma da Big N: os consoles não estavam vendendo.
O que deu errado no GameCube?
A campanha “Who Are You?” utilizada pela Nintendo foi um sucesso e muitas produtoras licenciaram o slogan para utilizar junto às campanhas de marketing dos seus títulos. A ideia de reconquistar antigos jogadores era clara, e é óbvio que as produtoras gostariam de tomar proveito dela.
No entanto, a ação que tinha por objetivo resgatar antigos jogadores do Nintendo e do Super Nintendo, falhou ao alcançar um público inesperado: crianças e idosos que jamais ouviram falar do Super Nintendo, tampouco do Nintendinho. Apesar da Big N ter visto o resultado com bons olhos, como uma nova oportunidade de conquistar um público inesperado, as desenvolvedoras não enxergaram a situação dessa forma.
Em paralelo a esta situação inesperada, lentamente o outrora aclamado MiniDVD começava a se mostrar como um dos principais fatores desencorajadores ao desenvolvimento de jogos à plataforma – o ceticismo de parte do público da Space World 2000 se confirmara.
O pouco espaço de armazenamento da mídia forçava às softhouses abusarem do sistema de compressão de texturas da plataforma, o S3 6-to-1, que as comprimia a 1/6 do tamanho original sem perda de qualidade. Quando as texturas não eram comprimidas mais que o normal, as cutscenes e CGs acabavam ficando de fora da jogatina. Lançar o jogo em dois discos foi uma opção adotada por poucas produtoras pelos custos envolvidos. Lentamente, as relações banhadas a ouro construídas pela Nintendo com as third-parties começaram a se desgastar.
A situação se tornou crítica em 2003 quando a Nintendo teve que suspender a produção do GameCube por um determinado período para que as unidades que estavam encalhadas nas prateleiras fossem escoadas. Como saída, o valor do vídeo game foi reduzido de U$199,00 para apenas U$99. A redução, no entanto, não teve o efeito esperado e o número de vendas apenas permaneceu estável.
Nesta altura do campeonato, algumas desenvolvedoras já limitavam o lançamento dos ditos jogos “hardcore” para o console, uma vez que grande fatia do seu público consumidor seria, tecnicamente, de pré-adolescentes. Houve o caso da Eidos Interactive que chegou suspender o desenvolvimento para a plataforma, cancelando vários títulos já anunciados. Felizmente, tempos depois a empresa voltou atrás e lançou bons títulos como Lego Star Wars: The Video Game e Tomb Raider: Legend. Ah, e lembram-se da super parceria com a Capcom que rendeu a exclusividade de Resident Evil 4? Essa fora arranhada a ponto da Capcom decidir lançar o jogo para outras plataformas na tentativa de tornar o título mais lucrativo, já que ele não vendeu tanto quanto o esperado.
Algumas outras pessoas alegam a falta de suporte à jogatina online por parte da Nintendo como um dos principais fatores pelo desinteresse do público. Em tempos de PlayStation 2 com Network Adapter, Dreamcast com modem embutido e, posteriormente, o Xbox com a Live, parece mesmo que esse fator possa ter atrapalhado. Mas mesmo com o lançamento de um modem e um adaptador de banda larga para o console, não houve maiores interesses por esse tipo de jogatina por aqui.
A verdade, nua e crua, é que nesta geração a Big N perdeu um pouco da sua identidade na tentativa de se aproximar mais do negócio aos moldes da concorrência. A gigante de Kyoto sempre foi conhecida por seu pioneirismo nos consoles e jogos – é fato, a Nintendo sempre inovou e trouxe novidades a nós antes da concorrência. Um exemplo que talvez nem seja tão importante, mas que faz sentido, está nos controles do N64 e GameCube. Enquanto o do N64 tinha suas particularidades (destaque para o botão Z estrategicamente posicionado como gatilho), o do GameCube parece um controle muito comum, não fosse suas cores e sua excelente ergonomia. E antes de você reclamar, aqui vai um exemplo de que isso é verdade: você é capaz de imaginar GoldenEye 007 sendo jogado, naquela época, em algum outro console que não o N64? Não, né? O porquê disso é simples: o controle. Infelizmente, não podemos dar o mesmo destaque ao do GC.
Outra verdade – e essa até pode ser mais dolorosa – é que o console nunca teve um “jogão daqueles de matar” ou algo que, por menor que fosse, conseguisse despertar o desejo de comprar o vídeo game apenas para experimentar algo novo.
O legado do GameCube para a Nintendo
Com a rápida paralização da produção do GameCube em 2003, já era suficientemente claro que o console não alcançaria o objetivo de dar a volta por cima e reaver o posto de primeiro lugar que a Nintendo ocupou por duas gerações seguidas.
Ao invés disso, na eterna “Guerra dos Consoles”, o console ocupou apenas a 3ª colocação, vendendo pouco mais de 21 milhões de unidades em todo mundo, contra as 24 milhões do Xbox e, pasmem, 154 milhões do PlayStation 2.
Mesmo os números falando e tendo sua própria realidade, não se pode negar que o GameCube foi inesquecível para quem teve a oportunidade ter um. Para a Nintendo, o vídeo game deixou um legado enorme e a certeza de que era possível sim reconquistar o topo do mercado. Eles só precisavam fazê-lo do jeito certo.
A arquitetura simplificada do vídeo game talvez tenha sido a decisão mais acertada. Os desenvolvedores se divertiam com tamanha facilidade em fazer jogos para o console. No entanto, após o desgaste das relações com as third-parties, a Nintendo passou a carregar a plataforma sozinha, de novo. Ao todo foram mais de 600 títulos lançados, sendo os 10 mais vendidos deles todos da Nintendo.
A campanha “Who Are You?” atingiu um público que antes não era enxergado por nenhuma outra empresa: o casual. Valendo-se desse público e do resultado dessas campanhas que virtualmente não deram certo, a Nintendo construiu uma nova plataforma que reuniria gerações de uma mesma família: o Wii. O resultado vocês conhecem – e saberão mais sobre em breve.
Os erros e acertos com o GameCube fez a empresa despertar para um problema que até então só havia sido jogado para debaixo do tapete: a concorrência existia, e era muito forte!
Está equivocado quem diz que o GameCube foi um sucesso. Mas qualidade de console não é definida pelo número de vendas, certo? O Cubo era incrível, tinha mais potencial que o PlayStation 2 e tanta força quanto o Xbox. Jogos incríveis estiveram na plataforma, seu visual era atraente (apesar de algumas críticas) e seu controle é considerado um dos mais confortáveis até hoje.
É difícil imaginar exatamente qual foi o problema do console, mas é irônico ver que desta vez a Nintendo ficou atrás de uma ex-debutante (a Sony) e uma debutante (a Microsoft), mesmo com tantos anos de mercado. Aliás, pela primeira vez a Microsoft conseguiu projetar uma boa imagem no público japonês quando do lançamento do Xbox por lá. Mas esse é assunto para o próximo encontro. Até lá!
Tive poucas oportunidades de jogar o GameCube e essa foi a geração que passei mais longe da Nintendo. Não tenho boas, nem más impressões a dar sobre o console, mas tenho certeza que ele está gravado, até hoje, na memória dos felizardos donos que jogaram incansavelmente jogos como Mario Sunshine, The Legend of Zelda: Wind Waker e passaram horas se divertindo e competindo em Super Smash Bros. Melee.
Que lembranças vocês guardam desse console? Tem alguma em especial? Divida e compartilhe nos comentários!
Revisão: Alberto Canen