Jogos adaptados para o mercado brasileiro não são novidade, nos primórdios da indústria era algo absolutamente comum encontrar manuais em português, por exemplo. Mesmo durante o bom tempo em que essa prática pareceu esquecida, vários games, especialmente de PC, mantiveram nosso idioma presente nesse universo. Agora, com as grandes empresas mais uma vez se voltando para o Brasil, estamos presenciando um novo desenvolvimento de obras localizadas.
A localização
Vocês já devem conhecer bem o significado do termo localização, mas não custa dar uma revisada. Para isso, nossa boa e velha amiga Wikipédia:
Localização é uma tarefa multifunção, que tem por objetivo traduzir os conteúdos de texto de um software ou de um site, adaptando a tradução para a cultura do país ao qual se destina, considerando costumes, religião, sistemas de pesos e medidas, moeda, padronização de data e hora, legislação e outras variáveis que possam afetar o produto. - Wikipédia
Cito isto aqui mais para evitar possíveis confusões. Muitos talvez sintam-se tentados a considerar localização e tradução como sinônimos, o que não é verdade. Quando um produto é localizado de seu local de publicação original para outro, ele não apenas é traduzido, mas também adaptado para “encaixar-se” no perfil de seu novo público.
O que será trocado e o que será mantido é decisão da produtora e/ou da desenvolvedora. Algumas mudanças como conversão de unidades (a maior parte do mundo usa o sistema métrico, por exemplo, mas os EUA não) não causam tanto impacto, mas substituir nomes e expressões, trocar a arte da capa, substituir detalhes da história, tudo isso influencia e muito no produto final.
Muitas vezes o resultado obtido revela detalhes curiosos sobre a cultura de cada país, como a capa americana do jogo Samurai Warriors 3, na qual a roupa da personagem recebeu alguns centímetros a mais de tecido comparada à japonesa. Em outros casos personagens podem ser removidos ou substituídos para se adequarem a uma nova cultura.
Pensei que o texto fosse ser sobre o Brasil... - Leitor ligando para o PROCON.
Calma lá, caro leitor, estamos chegando na parte que nos diz respeito!
No início da indústria de videogames, uma época de Ataris, Intellivions e similares, vários jogos chegaram a ser lançados oficialmente por aqui, muitas vezes com os manuais e embalagens traduzidas, algumas até melhores que as originais. Empresas brasileiras chegaram a lançar suas próprias versões desses consoles, e por isso nosso país tem muito conteúdo diferenciado (e raro) dessa época da história dos videogames.
Na época em que Nintendo e Sega possuíam representação oficial no Brasil, muito conteúdo localizado também foi criado. Um dos exemplos mais conhecidos é o jogo para Mega Drive, Turma da Mônica na Terra dos Monstros, uma modificação do game Wonder Boy in Monster World realizada pela Tec Toy. E The Legend of Zelda: Ocarina of Time, recebeu um manual em português.
Depois que a Tec Toy e a Gradiente pararam de representar a Sega e a Nintendo, respectivamente, os consoles de mesa e portáteis tiveram um hiato na localização de jogos, que nos computadores continuou forte graças a presença de grandes empresas fabricando os discos por aqui, como a EA e a Microsoft.
Esta última, aliás, tem sido uma das principais responsáveis pela volta da presença de jogos em nossa língua materna, com vários títulos de Xbox 360 traduzidos, estratégia que vem sendo seguida pela Sony. Já a Nintendo, menos ativa nessa área, lançou o sistema do 3DS em português e supostamente estaria contratando profissionais para tradução e localização de seus jogos para o mercado brasileiro. Além dessas, resta mencionar empresas que também vem realizando esse trabalho, como a Warner Games e a Blizzard.
Legendas vs. Dublagem
Um tema polêmico entre fãs de cinema, e que também pode ser discutido em relação a games, é a velha disputa entre legendas e dublagens. Cada lado tem argumentos fortes, que vou tentar listar aqui. No fim o ideal mesmo é que as duas opções estejam disponíveis e cada um possa escolher a que agrada mais.
Legendas preservam melhor a qualidade original da obra, afinal as vozes dos personagens são interpretadas por atores. Muitas vezes uma dublagem acaba sendo mal feita, vide o exemplo de Uncharted 3, cuja escolha de um estúdio de Miami no lugar de um brasileiro desagradou os fãs, comprometendo o resultado final. Legendas ainda preservam elementos como rimas, diferentes idiomas e expressões. Afinal, pessoas na China falando português não é algo natural.
Já a dublagem tem a grande vantagem de liberar os olhos para verem o que realmente importa: os cenários, designs, cenas. Sem precisar ficar prestando atenção nas letrinhas embaixo da tela, podemos reparar em muito mais detalhes. Outro ponto é que a dublagem normalmente é mais fiel aos diálogos originais em momentos mais informais, quando as legendas tendem a ser mais “corretas”.
Adaptar ou não adaptar, eis a questão
Agora chegamos ao ponto: o que deve ser adaptado num jogo? Tudo? Nada?
Claro que alguns detalhes podem ser trocados sem problemas. Se um jogo utiliza a medida da temperatura em graus Farenheit, tudo bem uma versão brasileira adotar a medição em graus Celsius, com qual estamos todos acostumados, até auxiliará na compreensão.
Mas e seguirmos adiante, fazendo uma tradução completa. Imaginemos The Legend of Zelda, por exemplo. Estamos jogando quando recebemos um escudo. Tudo certo. Momentos adiante, um bumerangue. E se você encontrasse uma garra disparável? Saberia estar diante da boa e velha Clawshot? Uma das maiores dificuldades na localização de jogos é justamente o fato de muitas das séries já terem se consagrado em seu idioma original por aqui. Assim, alguns nomes e expressões que já são tradicionalíssimas entre os fãs de um game acabam recebendo novas versões, o que desagrada muita gente.
São detalhes que, caso o produto fosse localizado desde o começo, acabariam quase despercebidos. Mas não foi o que aconteceu, eles nos foram apresentados assim e trocá-los é quase uma heresia. Se a opção for a dublagem, ainda é preciso lidar com a troca de voz dos personagens. Ao mesmo tempo, é bom que o conteúdo seja traduzido, não? Facilita a compreensão do jogo, nos “aproxima” dele, além de derrubar a barreira do idioma para vários novos jogadores em potencial.
Qual a solução, então? Deixar palavras estrangeiras perdidas no meio do conteúdo? Para novas franquias não há problema, mas nas já conhecidas talvez o ideal seja manter os nomes originais, talvez acrescentando uma nota explicando o significado e assim mantendo o conteúdo original.
E o quando o que passa por adaptação não é apenas uma palavra, mas uma situação inteira? Há quem defenda que o material original deve ser transformado para ficar mais próximo da realidade de seu novo público. Algo como tratar uma cidade genérica norte-americana como uma cidade genérica brasileira. Essa medida realmente pode deixar o jogo mais perto dos jogadores, mas além de soar artificial se mal feito, traz a grande desvantagem de interferir na mensagem original da obra. Claro que em algumas situações não fará diferença, mas se o criador de um game o fez de tal jeito, deve ter um motivo, e mudá-lo pode ser perigoso.
No fim, o ideal é que a localização seja sim realizada, mas não imposta. Colocando-se em cada jogo a versão original e a adaptada, resolvem-se a maioria dos problemas citados acima, pois quem prefere ou precisa jogar a adaptação, por qualquer motivo, pode fazê-lo, sem prejudicar quem prefere aproveitar a obra em sua versão original.