São tempos conturbados na indústria de games, com muitos acontecimentos relevantes em pouco tempo. O que causou mais polêmica nos últimos dias foi o anúncio da queda nos preços do 3DS devido as baixas vendas. Mas como e por que a situação chegou a esse ponto? O que aconteceu para o 3DS não repetir o sucesso do DS? Não existe um motivo único, e sim um conjunto de fatores que expomos a seguir.
As vendas de portáteis
Calma, já vamos falar sobre a queda de preço do Nintendo 3DS, mas antes é interessante observarmos algumas informações de como os portáteis estão indo nesse ano de 2011. Vamos começar com os números de vendas dos aparelhos no Japão (números do NPD Group).
Nota: os números abaixo incluem as vendas de todos os modelos de PSP e DS, como PSP Go, DS Lite, DSi e DSi XL.
JANEIRO
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299.358 portáteis
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164.741 DS
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134.617 PSP
FEVEREIRO
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709.392 portáteis
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374.764 3DS (lançado no final do mês)
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82.266 DS
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252.362 PSP
MARÇO
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679.734 portáteis
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418.190 3DS
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64.035 DS
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197.509 PSP
ABRIL
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482.696 portáteis
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155.592 3DS
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82.490 DS
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244.614 PSP
MAIO
JUNHO
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350.101 portáteis
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150.793 3DS
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51.478 DS
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147.830 PSP
JULHO (até dia 24)
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210.380 portáteis
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101.406 3DS
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29.134 DS
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79.840 PSP
Acredito que expondo os números cada um está hábil para formar suas próprias conclusões, mas prestem atenção no número total de portáteis vendidos ao longo dos meses e na sua movimentação. Em janeiro, antes do lançamento do 3DS, quase 300 mil foram vendidos. Em fevereiro, com o lançamento, tivemos um “salto” nas vendas, que foi diminuindo até chegarmos em julho com “apenas” 210 mil unidades vendidas, menos que no começo do ano. O 3DS afetou as vendas da família DS, que teve grandes quedas, mas não conseguiu substituí-las, oscilando com o PSP (que também deve ter suas vendas influenciadas pelo futuro PS Vita), e no fim todo o segmento de portáteis vendeu menos no Japão.
Essa queda, obviamente, não é apenas “culpa” do 3DS, DS, PSP, etc., mas também do momento de recessão econômica pelo qual o país e grande parte do mundo vem passando. E não nos esqueçamos que em março o país sofreu uma das maiores catástrofes de sua história, com terremoto, tsunami e vazamento de uma usina nuclear. Mas o fato é que o 3DS não conseguiu manter o nível de vendas na próxima geração de videogames.
Nos Estados Unidos, a situação é um pouco diferente, como podemos ver nas vendas de junho: 386 mil DSs e 143 mil 3DSs. Em ambos os mercados, contudo, o 3DS não conseguiu atingir as expectativas na Nintendo. De fato, entre abril e junho o novo console vendeu 710 mil unidades, contra 1.44 milhão da família DS no mesmo período.
Nos jogos, o 3DS possui 3 títulos com mais de um milhão de cópias vendidas. São eles Super Street Fighter IV 3D, Nintendogs + Cats e The Legend of Zelda: Ocarina of Time 3D.
Sendo mais abrangente, a Nintendo revelou ter faturado US$ 1.20 bilhão entre 1° de abril e 30 de junho (US$2.42 bilhões em 2010), com aumento de US$184.84 milhões no prejuízo operacional (que ficou em US$485.08 milhões). O prejuízo líquido ficou igual ao do ano passado, US$328.21 milhões. Para a Nintendo, tais resultados foram provocados pela valorização maior do Iene (moeda japonesa) e gastos com propagando do 3DS e desenvolvimento do WiiU. As previsões de vendas da empresa até abril de 2012 são:
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Família DS – 9 milhões
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3DS – 16 milhões
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Wii – 12 milhões
A queda de preço do 3DS
Com os dados expostos acima, a situação fica mais fácil de ser entendida. A Nintendo esperava que o 3DS vendesse como o DS e o Wii em seus lançamentos, mas infelizmente não foi o que aconteceu, como acabamos de ver. E agora, sentamos e esperamos? Nada disso, não querendo repetir os mesmos erros do Game Cube (segundo a própria empresa), foi providenciado um corte de 30% no valor do portátil. Essa medida pegou muita gente desprevenida, afinal a Nintendo não costuma tomar esse tipo de atitude, ainda mais em um produto há menos de seis meses no mercado.
E o que fazer com os jogadores que compraram o portátil antes dessa redução de preços? Pegamos a estratégia da rival e nos desculpamos com jogos grátis. Então, todos que se conectarem ao eShop alguma vez até o dia 11 de agosto virarão “embaixadores” e receberão 10 jogos de NES e 10 jogos de GBA no Virtual Console (veja quais aqui).
Curioso é esse período entre o anúncio da redução e a redução de fato. Por que deixar o 3DS tanto tempo custando o preço atual se os consumidores sabem que logo ele será bem mais barato? Será que a Nintendo acredita que muita gente se interessará pelos 20 jogos e irá comprá-lo? Pode ser, mas achei tempo demais para manter os atuais US$250, e as vendas deverão diminuir bastante até o novo preço chegar. A Amazon, gigante do comércio online, não quis esperar e já está vendendo o 3DS por US$216,45, além de fazer a pré-venda já com o preço atualizado de US$169,99. No Japão, uma loja anunciou que não venderia mais o console até o dia 12 de agosto (data em que o novo preço entra em vigor), e em muitas lojas de usados a redução foi quase imediata, já sendo possível encontrar aparelhos por US$181, sendo que lá o novo preço será US$194.
Pessoalmente, vejo essa queda de preço mais como um ajuste do que deveria custar o portátil desde o começo do que uma redução “normal”. Por melhor que fosse, US$250 pelo aparelho era um preço muito elevado, e a própria Nintendo admitiu isso ao reconhecer que esperava que o 3D sem óculos e outros atrativos seriam capazes de vender o console, independentemente do preço. Vejo essa redução como um movimento acertado, tornando o portátil bem mais atraente. A outra preocupação dela agora deve ser o lançamento dos títulos de peso prometidos.
Bom, se não há dúvidas que esse novo preço é ótimo para os consumidores, o mesmo não pode ser dito para a Nintendo, que como vimos anteriormente, passa por problemas financeiros. Primeiramente, a partir do dia 12 de agosto cada unidade de 3DS será vendida com prejuízo, ou seja, por um preço inferior ao que foi gasto para produzi-lo. Isso é relevante porque ao contrário da Sony e Microsoft, que costumam vender seus lançamentos com prejuízo para barateá-los para o consumidor, conseguindo retorno a longo prazo, essa é uma situação inédita para a Nintendo, que sempre vendeu seus consoles com lucro.
Felizmente, o capital acumulado pelas vendas de DS e Wii será capaz de bancar essa conta, mas não deixa de ser arriscado, afinal, ao contrário de suas concorrentes, a Nintendo vende fundamentalmente apenas seus consoles e jogos, portanto passar muito tempo com prejuízo nas vendas acaba sendo inviável, por não ter de onde retirar mais dinheiro. Iwata, presidente da Nintendo, parece estar ciente disso, mas afirmou ser necessário tomar medidas hoje para garantir o futuro, e a redução do preço do 3DS faz parte de um plano de 3 anos da empresa para alavancar suas vendas.
Não bastasse isso, os acionistas não viram com bons olhos a situação do momento, derrubando o valor das ações da companhia. O ex-presidente, Hiroshi Yamauchi, dono de 10% das ações, perdeu US$312 milhões depois da empresa anunciar quedas nas previsões de vendas para o ano, e a nova previsão deixa a Nintendo no mesmo patamar de lucros de 1986, ano em que as vendas do NES nos Estados Unidos entraram para o balanço da empresa. Para entender melhor a variação das ações, recomendo esse texto do Daniel Trezub.
“Felizmente”, uma parte dos gastos que a Nintendo precisará arcar agora será paga pelos próprios executivos, como disse Satoru Iwata. Enquanto vários poderão ter uma redução salarial de até 30%, o próprio presidente receberá 50% menos esse ano.
Desafios do portátil 3D
Mas por que isso tudo aconteceu? O primeiro ponto, que já discutimos, foi o preço. A Nintendo superestimou o efeito 3D e achou que comprariam o 3DS custasse o que custasse, e isso não aconteceu. Com a redução, o portátil passa a ter um preço compatível e isso provavelmente será muito benéfico. A empresa precisa agora ter o cuidado de realmente aumentar as vendas para que o aparelho dê retorno no futuro, sob ameaça de ficar realmente mal caso isso não aconteça, já que não obtém mais lucro nas suas vendas.
Outro ponto que afetou as vendas foi a época do lançamento. Por não estar perto de nenhuma data como natal, quando as pessoas naturalmente compram mais. Por ter sido lançado bem pouco tempo antes de um grande terremoto atingir o Japão. Por estarmos em um período de recessão econômica. E porque o 3DS parece ter sido lançado “inacabado”.
Desde o lançamento, diversos detalhes negativos apareceram, detalhes que aparentemente poderiam ser evitados com um pouco mais de preparo. Baterias que duram pouco? Telas que riscam facilmente? Tela negra da morte? Tonturas causadas pelo efeito 3D? A Amazon chegar a retirar o modelo Cosmo Black de seu site por um período por reclamações de dobradiças frouxas? Por melhor que seja um videogame, são detalhes que não se pode deixar passar.
Pode-se argumentar que todos esses problemas são exagerados, que são uma minoria. Talvez grande parte deles seja exagero mesmo, mas que existem, existem, essas coisas não são inventadas aleatoriamente. Acontece que, mesmo a maioria dos jogadores não tendo nenhum problema, tudo isso gera uma propaganda muito negativa. Você lê que a Amazon parou de vender 3DSs por algum problema que clientes reclamaram, nem se informa mais, e já fica receoso de comprar um. Há muita gente assim, e depois essa notícia se espalha entre amigos, colegas, etc. No fim, temos uma redução de popularidade. Não é a Nintendo que tem fama de fabricar o hardware mais duradouro e menos defeituoso? Não há porque mudar isso.
Ainda sobre o lançamento, o aparelho foi lançado sem muitos recursos online, incluindo o eShop. Não seria talvez melhor esperar e lançar o console com tudo (e com os erros citados anteriormente corrigidos)? Algo me diz que os clientes gostariam de comprar um novo produto já completo, sem precisar esperar meses para poder comprar na loja online, por exemplo. E mesmo depois de ser distribuída, ela ainda precisa de mais atualizações.
Nesse raciocínio, o mesmo aconteceu com os jogos. A Nintendo achou que Ocarina of Time 3D seguraria as vendas do 3DS até os lançamentos de peso no final do ano, mas isso não aconteceu. Phantom Hourglass e Spirit Tracks, embora tenham vendido bem e sejam dois ótimos jogos, estão longe de serem os maiores sucessos do DS, então apostar em Ocarina of Time 3D para segurar o 3DS foi um equívoco. Talvez ter esperado para ter uma linha inicial de títulos mais robusta e atraente tivesse sido mais inteligente. A Nintendo precisa trabalhar agora para que esses jogos sejam lançados, e investir em séries que fizeram o sucesso do DS como Brain Age e Pokémon. Garantir a apoio prometido pelas third-parties também é importante, muitos jogos de peso foram anunciados, mas onde estão?
E sobre jogos de third-parties, a Nintendo deveria resolver o “problema” dos saves eternos que descobrimos quando a Capcom utilizou em Resident Evil: Mercenaries 3D, mas que já estava presentes em Super Monkey Ball 3D, Pro Evolution Soccer 2011 3D e BlazBlue: Continuum Shift 2. Um desrespeito com o consumidor. Com as reclamações dos fãs, parecia que não teríamos mais que nos preocupar com isso, mas o anúncio de que para apagar os saves em Pac-Man & Galaga Dimensions é necessário apertar ABXYLR quando o game for iniciado, em vez de uma simples opção no menu, ainda causa dúvidas.
Por fim, na questão do 3DS ter sido laçado precocemente, temos o DSi e o DSi XL (e o DS Lite por preços muito atrativos). Ambos estavam vendendo muito bem, e lançar um novo sistema pouquíssimo tempo após essas novas versões do DS foi um erro. O consumidor que acabou de comprar um DS talvez não se sinta tão atraído em adquirir um novo console, além de ficar com a sensação de que logo este será ultrapassado novamente por uma nova versão (pode ser verdade, mas você não quer que seus clientes pensem assim). Além disso, como o 3DS não conseguiu manter a média de vendas dos seus antecessores, a Nintendo deixou de ganhar um bom dinheiro, pois os DSs estavam com vendas altas e já eram “antigos”, ou seja, o que ela faturava sobre cada unidade vendida deveria ser uma boa quantia no total.
O outro problema que o 3DS enfrenta é criar uma identidade própria, mostrar que não é um DS (como diz no final do comercial britânico do portátil acima). Você não confunde um GameBoy com um DS (não importam os modelos), certo? Mas o 3DS, apesar de não ser da família DS, de ser um portátil da nova geração, não apenas um novo modelo, tem dificuldade de passar isso para a grande audiência. Por que? Começando pela própria marca: 3DS. Tem DS no nome, assim como em DS Lite, DSi, etc. Isso confunde um pouco. Sabe o que mais confunde? Usar o mesmo logotipo, apenas com um 3 na frente, as caixas do aparelho e dos jogos serem praticamente iguais às do console anterior e possuir praticamente o mesmo formato.
Não estou dizendo que a Nintendo tem que trocar o nome ou o formato, até porque o nome passa bem a mensagem e nem dá para mudar essas coisas agora. O mais importante seria ela modificar o visual da marca. Você pode passar por uma estante, ter uma caixa de 3DS no meio das de DS e nem perceber. Jogos idem. Pelo menos aqui no Brasil, ainda fica tudo misturado, capaz de alguém desavisado levar um Pilotwings Resort para seu DS. Uma coisa que já ajudaria seria mudar as caixas, talvez tornar o modelo de capas holográficas tridimensionais (usadas em PES 2011 3D e Super Street Fighter IV 3D) o padrão, aquilo sim chama a atenção, não apenas trocar o nome do console de lado.
A terceira dimensão talvez não seja tão popular assim
Bom, todos os problemas listados acima são solucionáveis. Acredito que um futuro “3DS Lite” (que será lançado, todas essas versões de GameBoy, DS e PSP estão aí para nos ensinar alguma coisa) é capaz de resolver a maioria dos problemas: os técnicos são uma questão de correção, além disso naturalmente será mais barato produzi-lo e também é uma boa oportunidade para uma eventual mudança nas caixas e coisas do gênero.
A outra questão do 3DS é que talvez o efeito 3D não seja tão apelativo quanto parecia. E digo isso como um grande fã do 3D em geral, desde pequeno. Talvez jogando seja incrível, mas não é algo que você consiga passar num comercial de TV e as pessoas parecem não estar tão interessadas em ir atrás disso.
De fato, parece que, ao contrário do que se viu nos cinemas, o 3D não conseguiu causar o mesmo interesse para entrar nos lares dos consumidores. Empresas de eletrônicos reclamaram das vendas fracas de televisores 3D e o CEO da Eletronic Arts, John Riccitiello, disse não ter visto ainda a tecnologia dominando os games e, por enquanto, os jogos em 3D não dão retorno suficiente para que a EA invista mais pesado neles. Uma pesquisa ainda apontou que em maio a intenção de compra de produtos 3D caiu nos EUA, embora, felizmente para nosso 3DS, o conhecimento de portáteis 3D tenha crescido, ainda que modestos 5%.
O problema talvez tenha sido apostar alto demais no 3D. É uma característica visual incrível, até acho que foi uma ideia interessante, mas não deveria ser o foco principal do portátil (nem dá para discutir, tem 3D no nome). Acontece que o 3D, além de ter encarecido o portátil e entrado em “conflito” com outras propriedades como os controles de movimento, afinal o aparelho precisa estar relativamente fixo, mais restringe do que atrai consumidores.
Primeiro porque muita gente ou não consegue visualizar o efeito, ou sente-se desconfortável. Segundo porque, mesmo que médicos tenham dito o contrário, a Nintendo fez uma antipropaganda e “proibiu” crianças pequenas de usar o efeito. Sim, crianças gostam muito de videogames e é bom que os pais não tenham medo de comprá-los para os filhos. Terceiro porque não é algo que você consiga explicar facilmente por textos, fotos, vídeos, conversas, propagandas, etc. As pessoas precisam testar para entender, e isso acaba sendo antiviral.
Mas a Nintendo ainda tem tempo para provar que o 3D está aí e não foi um equívoco. O primeiro passo é acabar com essa fama de que ele faz mal à saúde. Depois, dar usos que realmente valham a pena para ele, e convencer as outras empresas a fazerem o mesmo, não apenas colocar o efeito por colocar (ainda mais se fizerem um trabalho mal feito) ou deixar que abandonem o recurso. A tecnologia é muito bacana, mas precisa ser bem usada e deixar que todos saibam e vejam isso. O 3DS ainda tem salvação e a Nintendo parece ter acordado para os seus erros, ela só não pode perder tempo.