Saímos de uma época onde cada aparelho eletrônico desempenhava uma única função definida para uma nova onde impera a convergência tecnológica. Em outras palavras, cada artefato faz um pouco de tudo, sendo o maior exemplo os smartphones, que acumulam inúmeras funcionalidades. Como não poderia deixar de ser, esse fenômeno alcançou também os videogames, e não apenas temos consoles que fazem muito mais que rodar jogos, como também podemos jogar em plataformas não dedicadas aos games. E agora?
Canivetes tecnológicos
Quando compramos uma máquina fotográfica, não esperamos mais que ela apenas tire fotos. Também queremos a possibilidade de filmar, ajustar nossas fotografias, adicionar efeitos e até mesmo enviar nossas imagens diretamente para a web. Celulares então, nem se fala. Os smartphones tem tantas utilidades que nem dá para listar todas nesse texto, mas o que importa é que agora podemos tirar fotos, ouvir música, ver vídeos e navegar pela internet carregando apenas um pequeno objeto em nossos bolsos.
Para esse fenômeno existe um nome: convergência. Tanto a tecnológica quanto a digital.
Bruno, não sei que trecos são esses, explica aí. - Leitor ávido por conhecimento
Então a primeira coisa que precisamos saber é o que significa convergência. Vejamos:
- Direção comum para o mesmo ponto.
- Tendência para um resultado comum. - Moderno Dicionário da Língua Portuguesa Michaelis
"um processo de mudança qualitativa que liga dois ou mais mercados existentes e anteriormente distintos" - IT, telecoms & New Media: The dawn of technological convergence (PDF). Deutsche Bank Research (2006-05-03).
Acredito que essas definições tenham deixado o significado claro, mas, em outras palavras, convergência é quando dois elementos independentes “caminham” para um ponto em comum, onde unem-se. O que nos interessa aqui são a convergência tecnológica e digital.
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Convergência tecnológica: serviços que necessitavam de aparelhos diferentes para serem executados agora são usados em um só. Um exemplo é a televisão e a internet, que antes precisavam de dois aparelhos diferentes.
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Convergência digital: é a integração de mídias em um único lugar. Podemos ver TV, ouvir rádios e ler jornais na internet, por exemplo.
Mais funções, melhor
Interessante, mas você acha isso ruim? - Leitor indagador
De forma alguma! Essas junções de mídias e tecnologias são extremamente úteis. Imagine se precisássemos carregar um objeto diferente para cada objetivo. É muito mais prático podermos levar um tablet com diversas funcionalidades para uma viagem longa do que termos que colocar livros, videogames portáteis, notebook e todo o resto das bugigangas numa mala. E também estaremos mais preparados para o caso de encontrarmos o Miyamoto e quisermos tirar uma foto com ele, por exemplo.
Essa longa apresentação do assunto serve para que eu possa situar os videogames nessa história toda. Pois bem, nos consoles a convergência é bem útil. Podemos comprar um e ganhar de brinde um reprodutor de filmes, de músicas, navegador de internet, filmadora, etc. Mas além dessa mera questão de economia, também ganhamos a possibilidade de implementar novas tecnologias aos jogos e com isso criar trabalhos com novas mecânicas. Quando o DSi ganhou uma câmera, por exemplo, ela não apenas fazia o que todas as câmeras fazem, ela foi integrada nos jogos e ganhou uma nova utilidade. A mesma coisa com a internet, causando uma revolução online no mundo dos games.
E se temos consoles de videogames ganhando funções que não são as suas habituais, do outro lado temos aparelhos diversos recebendo jogos. Embora a característica inicial de celulares e tablets, dentre outros, não fosse os games, rapidamente esse entretenimento digital tomou conta dos aparelhos, e hoje a maior porcentagem de tempo gasta usando um iPad é jogando. O que, na realidade, é muito bom. Além de popularizar ainda mais os games (nem todo mundo vai comprar um console, mas quem é que não tem um celular?), novas ideias puderam ser postas em prática graças aos diferentes ambientes proporcionados
Videogames têm corpo e alma
O grande ponto é que a convergência, a longo prazo, tende a extinguir os equipamentos anteriores, que dão espaço aos novos que já englobaram suas funcionalidades e podem substituí-los sem problemas. Vamos dar uma olhada em alguns exemplos.
Músicas e filmes são duas mídias que podem ser aproveitadas em uma infinidade de sistemas. Antigamente eram necessários players específicos, mas hoje podemos aproveitá-las no computador, no celular, no MP3 e até nos consoles. Mas quais diferenças e mudanças isso implica para as músicas e filmes? Claro, o tamanho da tela, qualidade das caixas de som, resolução, essas características afetam a qualidade, mas o trabalho do artista em si permanece o mesmo. Podemos ganhar ou perder um pouco de qualidade, mas independentemente de onde esteja, a obra continua a mesma. Você pode ver um filme no cinema, na TV ou num tablet que ele continua igual, mesmas cenas, mesma trilha sonora, mesmos diálogos.
E assim como as músicas e os filmes, temos outras mídias na mesma situação. Elas independem do “reprodutor”, um filme é um filme e ponto, onde ele está sendo exibido é detalhe. O problema surge quando tentamos aplicar essa lógica aos games. Vamos imaginar o jogo fictício “Jokoaren”. Agora, imagine estar jogando Jokoaren no Wii. Depois no DS, no Play Station 3, no Xbox 360, no N64, no computador, no iPhone e no Zeebo. Mas imagine exatamente o mesmo jogo, sem sofrer alterações, rodando em todas essas plataformas. Difícil, não?
Poderíamos jogar Jokoaren em qualquer um desses consoles, mas o game sofreria mudanças muito significativas para se adaptar a cada uma delas, ao contrário do filme ou da música. No Wii teríamos controles por movimento, no DS duas telas, no PS3 gráficos HD e por aí vai. Adaptações são possíveis, mas o jogo nunca fica o mesmo.
E isso nos leva a questão do texto: jogos não são independentes de suas plataformas. Ao contrário de um DVD Player, que apenas exibe o conteúdo do disco, um console serve como nosso caminho de interação com o game. A posição dos botões, o tamanho do controle, a quantidade de memória, o chip gráfico, sensores, acessórios, telas, luzes, sons. Consoles não apenas executam o jogo, eles fazem parte dos mesmos.
Então isso é uma defesa aos consoles de videogames? - Leitor desconfiado
Não exatamente. Estou usando o termo “console”, mas na verdade serve para qualquer hardware que roda jogos. Se o GameCube tem suas particularidades que tornam os seus games únicos, o iPhone também as tem. E não quero parecer estar fazendo uma crítica a jogos multiplataforma, eles também se encaixam perfeitamente aqui, pois como disse, sempre são adaptações. Por mais parecido que um jogo seja no PC, PS3 e Xbox 360, o ambiente físico onde ele está impõem características próprias, sejam elas um teclado, um bluray ou um Kinect.
Isso significa que não só temos máquinas específicas para jogos, mas também temos várias dessas, com diferenças entre si. Mas aplicando a convergência, o número de plataformas diminuiria consideravelmente. Na verdade, o conceito de um aparelho exclusivo (ou cuja principal função) para jogar já seria algo ultrapassado.
Salvos pela inovação
Então estamos tratando jogos como uma mídia comum, e, sendo assim, é possível que no futuro máquinas dedicadas a jogos estejam condenadas, como muitos dizem desde já. Não fosse o que foi falado anteriormente, não haveria problemas, mas se os jogos realmente dependem da sua plataforma, isso afetaria diretamente a diversidade. Para pior. Criar um jogo original, diferente, inovador, não depende apenas do seu criador, mas também de onde se irá jogá-lo.
Ou seja, a tendência seria que o número de aparelhos exclusivamente (ou principalmente) dedicados aos games diminuiria, dando lugar a outros multifuncionais, que além de jogos teriam inúmeras outras habilidades. E mesmo entre esses, as diferenças iriam desaparecendo a medida que convergem para o ponto comum. Como dito anteriormente, seria bem mais complicado criar games com grandes inovações e particularidades em sistemas tão semelhantes. Para ter um exemplo prático, imagine se existisse apenas um console nessa geração (pode até incluir os portáteis). Quantos jogos legais perderíamos por conta da falta de diversidade entre as plataformas, não?
Quer dizer então que não há esperanças? Felizmente, há sim. Enquanto empresas (e pessoas) continuarem desenvolvendo conceitos originais e únicos para os seus produtos (só para deixar claro, essa qualidade não é exclusividade de nenhuma marca), mesmo que seja apenas para atrair mais clientes que a concorrência com produtos que se destacam, a diversidade continuará existindo, pois a própria concorrência buscará novos recursos para enfrentar a batalha, fazendo a roda girar.
Embora a convergência digital e tecnológica aponte para um futuro unificado, que tem suas vantagens, mas para os videogames poderia ser uma armadilha, ainda existem muitas empresas dispostas a impedir isso, oferecendo produtos que criam novas funções, seja em jogabilidade, poder de processamento, proposta... E toda vez que uma dessas novas características é mostrada, temos a garantia que a diversidade nos games ainda durará um bom tempo. E você, como enxerga esse futuro?