Aqueles que já têm certa bagagem provavelmente ouviram esse tipo de discurso mais de uma vez. A fonte sempre costumava ser uma empresa de hardware tentando vender o conceito de seu próximo produto. Porém agora temos uma pessoa ligada à área da televisão e do cinema apostando na mesma ideia.
O envolvimento de Jerry com altas produções obviamente o coloca em contato com o que há de mais moderno para efeitos especiais e animações de computador. Vendo por esse lado, é claro que ele consegue relacionar o avanço técnico à possibilidade de, em algum ponto, termos máquinas que renderizem imagens perfeitas em tempo real.
A questão que me assola é: qual será o preço criativo de tanto realismo?
Esqueça o mundo real
Boa parte dos games criados nos anos 70 e 80 parecem piadas aos mais novos. Concordo que há vários exemplos de produtos caça-níqueis e que se escondiam atrás da precariedade dos sistemas da época. Afinal, como o consumidor poderia exigir gráficos impressionantes de jogos com míseros bits de memória?
Porém essas limitações faziam os jogos apelarem para uma das mais básicas ferramentas do homem: a imaginação.
Pontos coloridos na tela viravam invasores espaciais, linhas tornavam-se raquetes e efeitos sonoros computadorizados dava o tom para uma aventura épica. Esse passado remoto merece ser lembrado, mas é óbvio que os avanços seguintes deram nova cara à indústria dos games.
Mais pixels, mais cores, mais polígonos, mídia digital, conteúdo via download... continuamos seguindo a evolução natural da tecnologia e isso é muito bom.
O que não é bom é limitar a criatividade a uma simples representação do que já existe no mundo real.
Abra a mente
Pense um pouco em no filme de animação Shrek; ou A Era do Gelo; ou qualquer outro que tenha nos deixado vislumbrado pela qualidade visual.
O segredo dessas obras não está no aspecto técnico atingido pelo estúdio e sim, na direção de arte, na concepção de personagens e estilo gráfico, na imaginação dos artistas ao criarem mundos totalmente impossíveis.
Os games, em sua maioria, são ferramentas de escape. Um jogo é pura loucura, é uma quebra total de paradigmas e a chance de vivermos, mesmo que brevemente, uma aventura ilusória.
Fazendo uma comparação exagerada, cito meu exemplo pessoal com a série O Senhor dos Anéis.
Tive a sorte de ler todos os livros antes dos filmes. O que vimos no cinema foi épico e para sempre ficará guardado em minha memória. O diretor Peter Jackson capturou perfeitamente o clima e a dimensão da obra de Tolkien. Mas eu ainda prefiro os livros.
No livro eu imaginei, eu sofri no meu ritmo com as reviravoltas, eu me empolguei e chorei (sim, porque negar?) nos momentos de ápice da história e, quando cheguei ao final, tive um sentimento de plenitude indescritível.
Isso quer dizer que acho os filmes ruins? Claro que não! Assisti a todos mais de uma dezena de vezes e tenho muitas das reações que tive com os livros. Entretanto, eles pecam por justamente não ativarem tanto nossa imaginação (e isso é culpa da mídia e não do conteúdo).
Já as animações da Pixar e as que citei agora há pouco dependem exclusivamente da apresentação e, por isso, usam os recursos para dar vida ao que não existe.
De volta ao jogo
Dizer que os videogames não devem ter elementos realistas seria leviano demais. É claro que jogos baseados no mundo real, como GTA, SimCity, entre outros, são mais impressionantes à medida que emulam nossa vida cotidiana.
Além disso, água apaga fogo, grama balança ao vento, madeira quebra com tiros, etc, etc. Esses aspectos ESPERADOS pelo jogador ficam cada vez mais realistas e agregam valor à experiência.
Além disso, água apaga fogo, grama balança ao vento, madeira quebra com tiros, etc, etc. Esses aspectos ESPERADOS pelo jogador ficam cada vez mais realistas e agregam valor à experiência.
O perigo, em minha opinião, aparece quando alguém se propõe a criar um jogo que parece filme, pois isso levará a uma de duas possibilidades: ou será um game com jogabilidade travada e controlada pela vontade do estúdio ou então não fará sentido algum.
Um jogo ‘travado’ seria Heavy Rain. Uma ótima aventura policial que parece um filme. E como qualquer filme, há um roteiro a ser seguido. Se eu quiser ignorar metade das falas ou sair matando todo mundo, não chegarei muito longe. Aliás, as ações disponíveis são aquelas que os criadores disponibilizaram e não as que vierem à mente do jogador.
Já um game que não faça sentido pode ser o GTA do futuro. Se ele for imitar completamente o mundo real, eu quero que haja a possibilidade de entrar em todas as salas de todos os prédios de escritórios ou em todos os apartamentos da cidade e quero que tudo seja diferente. Ao abrir gavetas quero itens pessoais dos milhões de habitantes. Um pouco difícil, não?
Mas você quer demais!
O que eu disse acima serve apenas de ilustração. É evidente que ao jogar Heavy Rain eu estou aceitando a proposta narrativa e que ao explorar GTA eu entenda que nem tudo pode ser como a realidade. Por isso que considero os elementos realistas interessantes nos games modernos.
O que eu não quero são games que tentem imitar filmes. A diferença básica entre essas mídias (dica: INTERAÇÂO) pressupõe que nos jogos nós tenhamos o controle da situação.
Ultimamente tenho visto muitos games que parecem ‘livres’ mas, no fundo, são uma experiência totalmente on-rails de animações, sequências de botões e repetição de fases. Porém, todos eles são ‘lindos’, grandiosos e lotados de shaders.
Sinto falta da criatividade, das ideias absurdas e cômicas que eram numerosas no passado. Claro que existem muitos títulos hoje em dia que apresentam esse tipo de coisa, só que eles parecem estar diminuindo em volume.
Fuja e não olhe para trás
Assim como a grama em Shrek é perfeita, mas os humanos são caricatos, os games precisam aprender a usar o potencial técnico.
O que antes eram grandes ideias escondidas em míseros pixels monocromáticos hoje podem nos deixar boquiabertos se houver um pouco de coragem por parte do estúdio.
O que antes eram grandes ideias escondidas em míseros pixels monocromáticos hoje podem nos deixar boquiabertos se houver um pouco de coragem por parte do estúdio.
Com tanto dinheiro girando na indústria hoje em dia é fácil entender a busca pelo realismo ideal. A questão é até onde os videogames querem (ou devem) se prestar a imitar o mundo real – que, diga-se de passagem, é chato pacas.